O piso da enfermagem por muito tempo tem sido alvo de grandes polêmicas e discursões desde que foi constituído pela Lei Federal 14.434/2022. Recentemente o Ministério da Saúde através da Portaria nº. 1.135 de 16 de agosto de 2023 divulgou os valores relativos aos recursos complementares ao piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira para cada município, restando ainda muitas dúvidas e esclarecimentos a serem dissipados.
Para comentar sobre o assunto, como sempre, recorremos ao Dr. Moiséis Rocha Brito, consagrado e conceituado Consultor e Assessor em Gestão Pública há mais de trinta e cinco anos na região, Advogado, Administrador, Teólogo, Pós-graduado em Direito Público, Controladoria Interna – Gestão Pública de Qualidade, Metodologia do Ensino Superior, Direito Previdenciário, Processo Civil etc., que, com muita propriedade, conhecimento e notório saber tem atendido o Giro Ipiaú, explanando assim:
Breve histórico do piso da enfermagem
Por muitos anos a classe dos enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras vêm trabalhando e envidando esforços junto ao Congresso Nacional para estabelecer e fixar seus respectivos pisos em âmbito nacional. Em julho de 2022, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional nº. 124, que concretizou o anseio da classe. Porém, imerecidamente a classe daí por diante passou a viver uma via cruzes, que parecia não ter fim.
Em 04 de agosto de 2022 foi sancionada a Lei nº. 14.434, que alterou a Lei nº. 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem no Brasil, instituindo o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira, sendo de: R$ 4.750,00 para Enfermeiro; R$ 3.325,00 para Técnico de Enfermagem; e de R$ 2.375,00 para Auxiliar de Enfermagem e Parteira.
Considerando as dificuldades que possivelmente passariam o setor público e privado para garantir o pagamento dos respectivos pisos salariais alegadas pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) no mês seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a aplicação da lei, com a alegação de que o Congresso não apontou a fonte dos recursos para os gastos relativos aos pagamentos de profissionais da saúde pública, fato este, predominante e exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) para a assunção de despesas de custeios dessa natureza, consideradas de caráter continuado.
Em dezembro de 2022, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados promulgaram a Emenda Constitucional nº. 127, que previu o repasse a ser realizado pela União aos entes federados, tendo o Fundo Social como a origem dos valores para cumprir com o piso salarial. Contudo, para o STF a nova regra não esclarecia os impactos financeiros da medida, e de que seria necessária regulamentação por outra lei federal.
Decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 7222 MC-REF-SEGUNDO/DF
Após julgamento da ADI 7222 no Plenário Virtual em 03/07 que questionava a Lei Federal nº. 14.434/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu por oito votos a dois, que o piso nacional da enfermagem deveria ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais, consoante Acordão publicado em 25/08/2023.
Seguindo as premissa elencadas no Acordão do STF (ADI 7222), pode-se concluir que o pagamento da diferença remuneratória resultante do piso salarial nacional deve ocorrer na extensão do quanto efetivamente disponibilizado, a título de assistência financeira complementar, pela União, no caso de eventual insuficiência da assistência financeira instaura obrigação da União de providenciar crédito suplementar, e em não sendo disponibilizados recursos suficientes pela União, não será exigível o pagamento por parte dos municípios, ou seja, caso não haja uma fonte capaz de fazer frente aos custos impostos aos entes locais, não há de se exigir destes o cumprimento do piso estipulado na Lei 14.434/2022.
Além disso, ficou definido, por oito votos a dois, que uma vez disponibilizados os recursos suficientes por parte da União o pagamento do piso salarial é proporcional à carga horária de oito horas diárias e 44 horas semanais de trabalho, de modo que se a jornada for inferior o piso será reduzido.
Decidiu ainda do STF o conceito de piso, sendo este o valor da remuneração e não o valor de vencimento, de modo que a expressão “piso salarial” deve ser interpretada como a contraprestação pecuniária mínima paga ao profissional da categoria acrescida das verbas fixas, genéricas e permanentes, pagas indistintamente a toda a categoria, e que sejam desvinculadas de condições de trabalho específicas de cada servidor, e não tenham por base critérios meritórios individuais.
Nesse momento é importante o gestor ponderar algumas situações, buscando no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, os valores que de fato constituem a contraprestação pecuniária mínima paga ao profissional da categoria (salário base) acrescida das verbas fixas, genéricas e permanentes, pagas indistintamente a toda a categoria (geral), e que sejam desvinculadas de condições de trabalho específicas de cada servidor, e não tenham por base critérios meritórios individuais (próprios).
A própria Confederação Nacional dos Municípios (CNM) tem orientado e instruído os municípios a nesse ponto, seguir a sua legislação local que caracterize a condições expressa pelo STF. Isso ocorre porque o município é Ente federado autônomo (art. 18, caput, da CF) e detém a competência para legislar sobre seus servidores (art. 30, V, da CF).
Portaria nº. 1.135/2023 do Ministério da Saúde
Em 16 de agosto de 2023, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº. 1.135/2023, que estabeleceu os critérios e procedimentos para o repasse da assistência financeira complementar da União destinada ao cumprimento do piso salarial nacional de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras e dispõe sobre o repasse referente ao exercício de 2023.
A Portaria nº. 1.135/2023 alterou alguns dispositivos da Portaria de Consolidação GM/MS nº 6, de 28 de setembro de 2017, passando a vigorar com diversas alterações, apontando os entes federativos e entidades elegíveis para receber os recursos decorrentes da assistência financeira, dentre eles os estados, Distrito Federal, municípios e suas autarquias e fundações, entidades privadas sem fins lucrativos com Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – Cebas na área de saúde, e entidades privadas contratualizadas ou conveniadas, nos termos do § 1º do art. 199 da Constituição, que atendam, pelo menos, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Os recursos financeiros serão transferidos na modalidade fundo a fundo pelo Fundo Nacional de Saúde – FNS aos fundos de saúde dos estados, Distrito Federal e municípios, em conta corrente específica do Bloco de Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde, cabendo à gestão local do SUS repassar os recursos financeiros aos estabelecimentos contratualizados, conveniados e que possuam Cebas para o cumprimento do piso salarial dos profissionais, sendo que na competência de dezembro, haverá o repasse de duas parcelas.
O cálculo do valor a ser transferido para cada ente federativo considerará para todos os fins de direito, a coleta de dados dos entes e estabelecimentos elegíveis quanto aos profissionais de enfermagem com vínculo trabalhista ou servidores públicos e depuração de inconsistências na base de dados, tais como: a) número do Cadastro de Pessoas Físicas – CPF inválido; b) cadastro na base de dados da Receita Federal como irregular, não encontrado, morto ou com idade potencialmente incompatível com a ocupação; c) ausência do CPF na base de dados do Conselho Federal de Enfermagem – CFM como habilitado; e d) remoção de registros em que o CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) indicado não condiz com as categorias contempladas.
Todas as tratativas relacionadas as informações de dados cadastrais serão realizadas via Sistema InvestSUS pelo ente, onde será disponibilizado todas as informações sobre o cálculo do valor necessário, por profissional e global, ao cumprimento do piso e os registros depurados para fins de mensurar o valor do repasse, além de oportunizar ao ente federativo a possibilidade de realizar a correção ou justificativa das informações dos registros depurados, caso não haja atualização e confirmação dos dados, o Ministério da Saúde utilizará o último banco de dados informado.
O Ente federado que permanecer por três meses sem atualizar e confirmar os dados dos seus profissionais, haverá a suspensão dos repasses respectivos até a regularização da situação. Contudo, os entes federativos terão até o dia 10 de setembro de 2023 para realizar eventuais ajustes no InvestSUS dos dados dos profissionais de enfermagem vinculados à própria administração pública ou às entidades privadas sob sua gestão, incluindo a separação das parcelas remuneratórias fixas, gerais e permanentes em relação às demais.
Os ajustes que alterem o valor calculado para as competências de maio a agosto de acordo os valores repassados constante do Anexo da Portaria MS nº. 1.135/2023, haverá a respectiva compensação na competência de setembro. Portanto é de suma importância que os Secretários Municipais de Saúde fiquem atentos quanto aos ajustes que deverão que ser feitos no Sistema InvestSUS para que os profissionais não sejam prejudicados.
O repasse da assistência financeira observará o seguinte cronograma mensal até o dia 10 do mês da competência respectiva, os entes federados deverão atualizar e confirmar os dados dos seus profissionais e dos vinculados às entidades privadas sob sua gestão, bem como será feita a depuração da base de dados para fins de repasse, e até o dia 25 do mês da competência respectiva, será publicada portaria do Ministro da Saúde com os dados relativos ao repasse, cujos repasses ocorrerá até o último dia útil do mês da competência respectiva.
No prazo de 30 (trinta) dias após o FNS efetuar o crédito nas contas bancárias dos fundos de saúde dos estados, Distrito Federal e municípios, deverão os respectivos entes efetuar o pagamento dos recursos financeiros aos estabelecimentos de saúde. O Ministério da Saúde e os demais órgãos de controle interno e externo poderão requisitar, a qualquer tempo, informações e documentos para comprovar o regular uso dos recursos federais relativos a devida complementação da União.
Além do mais, os gestores públicos e privados serão responsáveis pelas informações que prestarem para os fins de receberem os recursos da complementação da União, podendo responder por eventuais omissões, informações falsas ou desvios de qualquer natureza, cuja prestação de contas relativa à aplicação dos recursos recebidos pelas entidades deverá compor o Relatório Anual de Gestão – RAG do respectivo ente federativo beneficiado, mantendo em arquivo, pelo prazo de cinco anos, os documentos comprobatórios da realização do pagamento da complementação aos profissionais beneficiados.
Registra-se que eventual depuração de dados, prestação de contas ou fiscalização pelo Ministério da Saúde ou qualquer órgão da União não afasta ações de responsabilização, tampouco elimina o dever de zelo pelo patrimônio público por parte dos gestores envolvidos nos processos de que a aplicação dos recursos repassados decorrente da complementação da União.
Nesse primeiro momento o Ministério da Saúde repassou apenas os recursos da assistência financeira complementar relativos às competências de maio, junho, julho e agosto/2023, as demais seguirão o rito ordinário de acordo a Portaria de Consolidação GM/MS nº 6, de 2017.
Acredito que as dúvidas surgirão com ênfase, basicamente sobre quais parcelas que de fato integrarão a composição da remuneração do servidor para fins de repasse da complementação da União, vez que o próprio STF limitou apenas e tão somente a contraprestação pecuniária mínima paga ao profissional da categoria acrescida das verbas fixas, genéricas e permanentes, pagas indistintamente a toda a categoria, e que sejam desvinculadas de condições de trabalho específicas de cada servidor, e não tenham por base critérios meritórios individuais.
Por se tratar de algo novo muitas instruções e orientações serão disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, aconselha-se nesse momento prudência e muita cautela nas informações, sempre buscando no próprio Ministério da Saúde e nos Tribunais de Contas as melhores interpretações para fins de elucidar as dúvidas e controvérsia, cujas consultas deverão ser feitas de forma oficial, nunca por telefone ou falácia de disse me disse.
Por fim, é importante que o município apresente ao legislativo municipal projeto de lei buscando autorização para fins de possibilitar os respectivos repasses aos servidores, bem como a proceder os ajustes orçamentários pertinentes, passando com transparência todas as informações possíveis, inclusive ao Conselho Municipal de Saúde e site da transparência do Ente.
Minha opinião é de que até aqui com muita dificuldade os profissionais passarão a receber o piso nacional (retroativo a maio/2023), contudo, é necessário a continuidade da luta para tornar essa conquista mais razoável possível. Estabelecer piso salarial, tomando por base parcelas de composição de remuneração como decidido pelo STF é totalmente desumano, contraditório e discriminatório, vez que, com outras categorias não foi assim, como o caso dos Agentes Comunitários de Saúde, Agentes Comunitários de Endemias, os próprios profissionais do Magistério e tanto outros.
Este piso do jeito que aí está, existindo apenas de acordo a medida e a limitação dos recursos complementares repassados pela União traz uma insegurança absurda. Se a União repassar menos recursos não assegura o cumprimento por parte do Ente federado ao seu pagamento integral.
Estes são os comentários, por Dr. Moiséis Rocha Brito.