– Por José Américo Castro-
Há muito tempo eu vinha com vontade de produzir este texto, pois o personagem é extremamente interessante e essencialmente folclórico. O conteúdo que tornou o protagonista celebrizado é deverasmente mórbido. Assusta, mas também provoca risos. Mistura excêntrica para quem gosta da situação.
A tal da superstição instigava ainda mais o receio, empacava o desejo de prosseguir, mas como diz o mestre Guimarães Rosa “o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Sendo assim, decidi contar a história, entretanto, como prevenção, não deixei de bater na madeira três vezes, apelar para o galho de arruda, espada de São Jorge, dizer “lá ele”, cruz credo, Deus é mais, sangue de Cristo tem poder!
Se o cineasta paulista José Mojica Marins, tornou-se famoso ao interpretar o icônico “Zé do Caixão”, o ipiauense Edvaldo Vieira Santos destacou-se como o emblemático “Val da Capela”.
Era marcante sua presença à frente dos cortejos que conduziam os mortos ao cemitério e sua obsessão em segurar o adereço que lhe possibilitou o apelido. Não permitia que ninguém lhe tirasse tal mérito.
Quando lhe impediam disso, esbravejava, quebrava o pau, armava barracos assustadores, rogava pragas. Fuzilava com aqueles olhos vermelhos e esbugalhados, dizia que em breve iria conduzir a capela no enterro do suposto concorrente e do proponente a tirar-lhe o direito. Assustados com a maldição, muitos desistiam da ideia e lhe franqueavam o mérito.
Val farejava velórios, estava sempre informado dos óbitos. Buscava nas emissoras de rádio, no serviço de alto-falante da cidade e junto aos coveiros, que eram previamente avisados dos enterros.
Tinha ocasiões em que era ele quem avisava aos coveiros do trabalho que teriam pela frente. Madrugava nos cemitérios para colher ou levar informações. Dizem até que recebia mensagens do além. Os espíritos dos mortos o avisavam. Nada a confirmar, nem duvidar. Parafraseando Shakespeare, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.
Chegava cedo aos velórios, não expressava condolências verbais pelos falecimentos, apenas mirava o cobiçado objeto do seu desejo, a “capela”, ou seja, a guirlanda, que pretendia conduzir e o seduzia estranhamente.
O olhar em êxtase denunciava a satisfação. Fixava-o no adereço e após as missas ou cultos de corpo presente, se apossava do mesmo e colocava-se à frente do cortejo. Só lhe interessava as capelas industrializadas. Cobiçava as maiores, mais expressivas. Pouco se importava com as artesanais, confeccionadas com as flores e ramos ofertados às famílias enlutadas.
Trajando calça de tergal, camisa social branca, e nos pés, a clássica sandália havaiana, seguia garboso, sério, ostentando o símbolo que representa um ciclo de vida eterna e indica que a morte é o início de uma nova vida.
Às vezes olhava pela retaguarda, com o intuito de verificar o tanto de gente que acompanhava o caixão. Quando tinha a oportunidade de portar a “capela” no enterro de alguma celebridade, era imensa a sua realização. Se o defunto fosse conduzido de automóvel era grande a sua frustração.
Coube-lhe a honra de se colocar na vanguarda da multidão que acompanhou o caixão, com o corpo do ex-prefeito Hildebrando Nunes Rezende. Talvez no enterro de Euclides Neto tenha ocorrido o mesmo.
Cumprida a obrigação, Val retornava apressado em busca de outro velório. Tinha dias que carregava a capela em até três enterros. Algumas famílias o convidavam para o exercício da função. Nas horas de folga ia ao cemitério bater papo com os coveiros e se fartar com as frutas das árvores bem adubadas daquele campo santo.
Foram mais de três décadas nessa rotina. Ele tinha apenas 10 anos quando iniciou a missão. O radialista Geni Souza, disse que “é mais fácil acertar os seis números da Mega Sena do que contabilizar quantas capelas Val carregou”.
Ainda criança foi diagnosticado com transtorno mental. Usava remédios controlados. Nas ocasiões em que surtava tinha ímpetos de agressividade, porém sob medicação, mostrava-se bem tranquilo.
Por um bom tempo frequentou a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Torcia pelo Flamengo e se divertia assistindo televisão. Adorava o Show da Xuxa, ria com os desenhos animados e também gostava de ouvir músicas.
Era filho do carpinteiro Manoel Batista Santos e de Valdelice Vieira Santos. Seu nascimento se deu no dia 30 de julho de 1973, na Fundação Hospitalar de Ipiaú. Com o falecimento dos pais, ficou aos cuidados da avó materna, Maria do Espírito Santo, conhecida como Dona Pequena.
Após o passamento da avó, foi conviver com tios. Ele e a Irmã Eliana. Morou no Bairro Novo com dona Maria Luciene, que se diz sua tia emprestada e chegou a residir em Porto Velho, Rondônia.
Os últimos dias de Val da Capela ocorreram na cidade de Gongogi, junto com a irmã que chegou a lhe conduzir para o EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas ele desistiu de continuar.
Em Gongogi, Val ainda manteve o hábito de conduzir capelas, porém reclamava que o cemitério não era igual ao de Ipiaú e para chegar ao mesmo, tinha que subir uma ladeira íngreme. Pedia que, quando morresse, o enterrasse no Cemitério Velho de Ipiaú. Dizia que ele mesmo carregaria a capela no próprio enterro.
Aos 47 anos, no dia 24 de setembro de 2020, foi vitimado por um infarto fulminante. Poucos assistiram “ao enterro da sua última quimera”. Corre a lenda, que na entrada do cemitério, teve alguém que viu um vulto na frente do cortejo fúnebre, conduzindo uma guirlanda luminosa. A profecia se cumpriu!