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Consultor comenta última decisão do STF sobre contas de prefeitos

Consultor Moiséis Rocha Brito

Na data da última sexta-feira (21/02), o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu por unanimidade em plenário virtual, que cabe aos Tribunais de Contas julgar as contas de prefeitos ordenadores de despesas, alterando o entendimento anterior que atribuía as Câmaras Municipais esse julgamento. Para comentar sobre o assunto, como sempre, recorremos ao Dr. Moiséis Rocha Brito, notório, consagrado e conceituado consultor e assessor jurídico em Administração Pública, com atuação em gestão pública há mais de trinta e cinco anos na região, que assim explanou o assunto:

“De fato, nesta última sexta-feira (21), em plenário virtual o STF por unanimidade decidiu que compete aos Tribunais de Contas o julgamento das contas de Prefeitos que atuam na qualidade de ordenadores de despesas. O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 982/PR – Número Único 0121266-93.2022.1.00.0000, impetrada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), representa um marco para o Sistema Tribunais de Contas, fortalecendo consideravelmente esse Sistema na proteção do patrimônio público e na fiscalização da Administração Pública frente à aplicação dos recursos públicos.

O início de tudo

Para entendermos melhor essa decisão, precisamos fazer um breve histórico de toda trajetória jurídica que teve início lá em 2016, quando o STF foi instado a analisar o tema 835, da Repercussão Geral, para definir a questão, quem era de fato competente para julgar as contas de Chefes do Executivo Municipal que atuava como ordenadores de despesas. Na oportunidade, o STF ratificou a Repercussão Geral, de que: “Para fins do art. 1º. I,”g”, da LC 64/90, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.

Os efeitos da decisão do STF no tema 835

Com a ratificação do tema 835, vários Tribunais de Justiça do país passaram a anular as sanções aplicadas pelos Tribunais de Contas – TCs a prefeitos que atuavam como ordenadores de despesas, contudo, a tese do STF tratava apenas dos efeitos eleitorais, mas algumas decisões judiciais foram além, anulando multas e imputações de débito por danos ao erário.

A forte atuação da Atricon junto ao STF

A Atricon, assim que ajuizou a ADPF 982/PR, buscou reverter a interpretação equivocada adotada por vários TJs que estavam anulando sanções aplicadas pelos TCs a prefeitos que atuavam como ordenadores de despesas. Em um primeiro momento, o Supremo entendeu que não havia, no caso, decisões judiciais que atendessem ao requisito da controvérsia constitucional relevante, previsto na Lei 9.882/1999, oportunidade em que a Atricon recorreu da negativa e iniciou uma agenda estratégica juntos aos ministros para explicar o cenário e as controvérsias jurídicas, ressaltando a relevância e importância do tema, reforçando os argumentos apresentados no recurso, demonstrando os impactos da decisão para os TCs e para a Administração Pública.

A mudança de entendimento do STF

Já em agosto de 2024, o plenário do STF por maioria deu provimento ao recurso da Atricon e determinou o seguimento da ADPF 982. Contudo, o presidente do Supremo, ministro Roberto Barroso, decidiu retirar o processo de pauta, levando a discussão do mérito para uma nova sessão futura.

No dia 14 de fevereiro, porém, teve início o julgamento da ADPF 982/PR no plenário virtual do STF, quando o relator, ministro Flávio Dino, votou pela procedência da ADPF proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) para invalidar as decisões judiciais ainda não transitadas em julgado que anulem atos decisórios de Tribunais de Contas que, em julgamentos de contas de gestão de Prefeitos, imputem débito ou apliquem sanções fora da esfera eleitoral, preservada a competência exclusiva das Câmaras Municipais para os fins do art. 1º, inciso I, g, da Lei Complementar nº 64/1990, que dispõe sobre inelegibilidade: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Na oportunidade o relator ministro Flávio Dino ainda propôs a seguinte tese de julgamento, que:

(I) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário;

(II) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de Prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas; e

(III) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990.

Decisão de mérito do STF sobre a ADPF 982 ocorrida em 21/02/2025 (sexta-feira)

A recente decisão do STF levou a um novo entendimento que estabelece o seguinte:

1) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas;
2) Compete aos Tribunais de Contas o julgamento das contas de Prefeitos que atuam na qualidade de ordenadores de despesas;
3) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidades de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais.

O que muda no âmbito das Câmaras Municipais quanto as contas dos prefeitos ordenadores de despesas

O novo entendimento do STF é no sentido de que quando o prefeito atua como ordenador de despesa, quem julga essas contas são os Tribunais de Contas, preservando a competência exclusiva às Câmaras Municipais para a deliberação quanto à sanção a ser aplicada nos termos do art. 1º, inciso I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 que dispõe sobre inelegibilidade.

Como vivemos num país chamado Brasil, onde a insegurança jurídica é cada vez mais nítida e tudo pode acontecer da noite para o dia, esperamos que essa decisão venha de fato contribuir para o pleno atendimento do interesse público e a melhoria da qualidade do povo, frente à regular aplicação dos recursos públicos.

É o que temos a expor.”

Dr. Moiséis Rocha Brito – Advogado, Administrador, Consultor em Gestão Pública e Teólogo. Presidente do IBAP – Instituto Baiano de Administração Pública e membro da ABOP – Associação Brasileira de Orçamento Público. Especialista, pós-graduado em Direito Público, Direito Previdenciário e Processo Civil. Professor Universitário, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior.