Giro Ipiaú

Circuito Cine Éden une cinema, educação e acessibilidade em 4ª edição

Foto: Janaína Castro

O cinema pode ser uma importante ferramenta de inclusão e uma rica fonte de conhecimento. Foi essa a mensagem que o 4º Circuito Cine Éden levou ao público de Ipiaú e região nesta terça-feira (22) com as mostras Cinema Acessível e Cinema na Universidade. Atravessando gêneros como animação, musical, ficção e documentário, o projeto promoveu exibições de filmes no Centro de Apoio Pedagógico Especializado de Ipiaú (CAPE), e no Campus XXI da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no Km 6 da BR-330, trecho entre Ubatã e Ipiaú.

No CAPE, quem entrou pela porta azul da Sala A, localizada logo na entrada do espaço, mergulhou no universo lúdico e animado de Jussara e, em seguida, no sertão mágico de Alice dos Anjos através da tela de cinema. Enquanto o curta de Camila Cordeiro Ribeiro apresenta uma personagem que é memória viva da vila onde mora, sendo conhecida como conselheira e contadora de histórias, o longa-metragem infantojuvenil de Daniel Leite Almeida narra a jornada da pequena Alice, uma personagem reinventada a partir do clássico de Lewis Carrol, “Alice no País das Maravilhas”, e da obra “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire.

Foto: Janaína Castro

Ela é uma menina negra e nordestina que, após correr atrás de um bode preto apressado no fundo do quintal de sua avó, é transportada a um lugar encantado cheio de personagens malucos, que se tornam seus novos amigos. Então, se une a eles na luta contra um influente coronel que quer destituir as terras de comunidades tradicionais para construir uma usina hidrelétrica. Com isso, Alice se percebe num processo de autoconhecimento e consciência social.

Com recursos de acessibilidade disponíveis nos dois filmes, incluindo janela de Libras, legenda descritiva e audiodescrição, a sessão reuniu profissionais do CAPE, além de pessoas atendidas no espaço, que promove ações socioeducativas para crianças, jovens e adultos com deficiência do município de Ipiaú. No início da mostra, a equipe de intérpretes de Libras do Circuito foi homenageada com uma calorosa salva de palmas pelo trabalho realizado ao longo de todo o evento, possibilitando a inclusão de pessoas surdas e ensurdecidas não somente no Cinema Acessivel mas em todas as outras sessões do evento.

“É muito bom ver os quatro cantos da nossa cidade tendo telas de cinema, possibilitando que as pessoas possam participar de um momento como esse. Quando nós recebemos o convite para participar do projeto, não imaginávamos que seria dessa grandiosidade. Ver tudo isso sendo realizado superou todas as expectativas que nós tínhamos. É maravilhoso ver que as coisas estão acontecendo e que a acessibilidade está sendo priorizada, ver a reação dos nossos alunos que vieram participar, das pessoas da comunidade saberem que aqui tão próximo é possível ter uma sessão de cinema”, afirmou a diretora do CAPE, Geni Souza Zaidan, convidada da sessão.

Quem também participou da exibição como convidado foi o diretor de Alice dos Anjos, Daniel Leite Almeida, que reforçou a importância da acessibilidade em um projeto como o Cine Éden. “A gente no interior fala muito sobre a democratização do cinema. Então, faz muito sentido que também tenhamos o cuidado para que nossos filmes cheguem às pessoas com deficiência. O audiovisual tem um poder muito grande de emancipar socialmente grupos historicamente marginalizados. Só que pra isso a gente precisa instrumentalizar esses grupos. E quando você coloca recursos de acessibilidade num filme, você instrumentaliza essas pessoas pra que elas consigam mudar a realidade ou pelo menos sonhar com uma outra realidade mais bonita e possível”, destacou.

O cineasta, que é também presidente da Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (Sasb), recebeu elogios do público pela produção de Alice dos Anjos. “É um filme que traz muita imaginação, muita criatividade. Nos coloca nesse lugar de estarmos e de sermos também parte de um coletivo”, disse a professora Eliane Vieira ao fim da sessão, que terminou por volta das 18h. Sua colega de trabalho no CAPE, Tarcila Trindade, também gostou da experiência. “Foi muito interessante, tanto o curta quanto o filme de Daniel, que traz essa história linda de Alice”, comentou.

Cinema na Universidade

Foto: Janaína Castro

Na faixa das 19h, a estrutura que leva o cinema para diferentes partes de Ipiaú no 4º Circuito Cine Éden chegou ao Campus XXI da Uneb. No local, os caminhos de estudantes e professores da universidade e do Centro Territorial de Educação Profissional (Cetep) se cruzaram com as histórias de Tifany, Vânia e Maria José através do longa Diários de Classe, dos diretores Maria Carolina e Igor Souza. A sessão Cinema na Universidade contou ainda com a exibição do curta de ficção O T-Rex e a Pedra Lascada, de Luã Ériclis. Mas foi o documentário baiano que chamou a atenção do público, provocando um debate repleto de perguntas, com os espectadores participando ativamente.

Presente na mostra como convidado para o bate-papo, o diretor Igor Souza compartilhou alguns bastidores da produção e os desafios de gravar e captar histórias em locais como uma penitenciária, um dos cenários do filme. Produzido em Salvador, o longa-metragem acompanha o cotidiano de três mulheres – uma jovem trans, uma mãe encarcerada e uma empregada doméstica –, estudantes de centros de alfabetização para adultos da capital baiana. Embora trilhem caminhos distintos, suas trajetórias coincidem nos preconceitos e injustiças sofridos cotidianamente.

Igor classifica o filme como “um turbilhão de conflitos e afetividades”, que parte de recortes de classe, gênero e raça, e do espaço da sala de aula, para se aprofundar no dia a dia das protagonistas, revelando suas tentativas diárias de contornar o apagamento sistemático de suas existências. “Eu fiquei em choque e emocionada com a história de Tifany”, contou a intérprete de Libras Patrícia Cardoso, que se emocionou ao fim da exibição e parabenizou o cineasta pela coragem de contar historias como a da estudante trans.

“Eu venho de um lar cristão e às vezes a gente tem um olhar muito estigmatizado para essas pessoas. E eu sempre tento olhar de uma maneira diferente, e entender que elas merecem um espaço pra sociedade, apesar de não serem vistas. E isso me angustia, de certa forma, porque nós deixamos sempre eles à margem. Então, a história de Tifany me atravessou por isso, porque eu me vi como uma pessoa que talvez estava cometendo aquela violência. E o audiovisual é importante porque pode nos levar a essa autoanálise”, disse Patrícia, emocionada.

Os estudantes que participaram da mostra também gostaram do filme. O discente de Letras, Gustavo Ivo, achou intessante a jornada de autoconhecimento vivenciada pelas personagens. “As pessoas estavam se conhecendo enquanto nós as conhecíamos. E a gente também vai se conhecendo enquanto conhece outras culturas, outras narrativas. E a importância do cinema no ambiente universitário é justamente trazer pra nós essas ideias diferentes”, comentou.

Para o jornalista e professor da Uneb, José Fagner Santos, unir o cinema à educação é uma forma de enriquecer o trabalho de formação desenvolvido na universidade, principalmente numa instituição cujo principal curso é uma licenciatura. “A gente está formando professores e muitos desses alunos já estão em sala de aula, já estão vivendo essa experiência. E quando a gente traz um filme como esse até eles a gente pode fazer uma reflexão em sala de aula ou um debate sobre isso. Então, só tenho a agradecer por essse trabalho tão bacana, que com certeza vai dar o que falar por aqui nas próximas semanas durante as aulas”, finalizou.

A programação continua nesta quarta (23) com as mostras Cinema na Escola e Cinema no Terreiro. Confira os detalhes.

Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.