Giro Ipiaú

Da escola ao terreiro: Circuito Cine Éden realiza exibições no CIEBTEC e na Praça dos Orixás, em Ipiaú

Foto: Janaína Castro

Jonas, Karolyne, Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé. Talvez você só conheça os nomes mais famosos dessa lista. Mas todos, incluindo as figuras “anônimas”, têm algo em comum. Além do apreço pela arte, eles são personagens de filmes exibidos na programação do 4º Circuito Cine Éden, mostra itinerante de cinema que, nesta edição, leva dez exibições de filmes a dez diferentes espaços de Ipiaú. Ao todo, sete sessões já foram realizadas desde o último domingo (20).

Nesta quarta-feira (23), o projeto chegou ao Complexo Integrado de Educação de Ipiaú (CIEBTEC), no bairro Santana, e à Praça dos Orixás, no bairro Democracia, dando destaque ao cinema documental brasileiro. A primeira sessão ocorreu no período da tarde, no auditório do CIEBTEC, reunindo estudantes do Colégio Municipal Professora Celestina Bittencourt para assistir aos filmes Sweet Karolyne, de Ana Bárbara Ramos, e Jonas e o Circo Sem Lona, de Paula Gomes.

Foto: Janaína Castro

Antes da exibição, os diretores da Voo Audiovisual, Edson Bastos e Henrique Filho, deram as boas-vindas aos alunos, juntamente com a cineasta e produtora da Plano3 Filmes, Milena Pinheiro, que integrou a equipe de Jonas e o Circo Sem Lona. Ela foi a convidada especial da mostra, intitulada Cinema na Escola. Segundo Edson, essa foi uma sessão pensada para que os espectadores percebessem “que é importante e possível sonhar”.

Na tela grande montada no auditório, a infância e o poder da imaginação foram os grandes protagonistas das histórias contadas. A doçura e a sensibilidade da pequena Karolyne com o mundo ao seu redor logo arrancou sorrisos do público, que também se divertiu com um coadjuvante bastante inusitado do curta de Ana Bárbara Ramos: o galo Jarbas, que gosta de comer, andar, brincar e até assistir TV.

Em Jonas e o Circo Sem Lona, o que encantou a plateia no auditório do CIEBTEC foi o senso de humor e a criatividade do personagem com seu circo inventado. Ele é um garoto de 13 anos cujo maior sonho é manter vivo o picadeiro que criou no quintal de casa. No documentário, Jonas precisa lutar para que o circo continue tendo espetáculos enquanto vivencia o processo de amadurecimento da adolescência.

“A princípio a gente achava que iríamos contar a história do circo criado por Jonas. Só que acabou virando um filme sobre o que a gente faz com nossos sonhos quando a gente cresce”, revelou a produtora Milena Pinheiro no bate-papo após a sessão. Essa foi sua primeira vez em Ipiaú. “É muito importante que o Circuito Cine Éden se mantenha ano após ano, já que é uma cidade que não tem cinema. E que o projeto também tenha apoio para formar plateias, não só dentro das escolas”, complementou.

Foto: Janaína Castro

Para a professora Maria de Fátima Lopes Sampaio, que atua no Colégio Celestina Bittencourt, ao assistir o documentário, ela percebeu a importância dos alunos se reconhecerem, de alguma forma, na tela de cinema, se verem representados. “Eu fico muito feliz com a iniciativa até porque aqui não tem cinema. Tudo isso é crescimento, é conhecimento”, comentou.

Davi Adriel é seu aluno e essa foi a primeira vez que ele assistiu a uma sessão como essa. “É um tipo de diversão e uma atração também para as escolas”, disse. Já o seu colega, Railan Souza, usou a palavra ´educativo´ para descrever o filme de Paula Gomes. “Me ensinou como é importante estudar e seguir meus sonhos”.

Cinema no Terreiro

A segunda parada do 4º Circuito Cine Éden nesta quarta (23) foi a Praça dos Orixás, no bairro Democracia. O local recebeu a mostra Cinema no Terreiro, uma sessão a céu aberto com a exibição dos filmes Òrun Àiyé – A Criação do Mundo, curta de Jamile Coelho e Cintia Maria, e 3 Obás de Xangô, longa documental do diretor Sérgio Machado.

A estrutura para a exibição foi montada em frente ao Terreiro de Pai Naldo (Nzu de N’kissi Hangolo Aidan Silewuá), mais conhecido como Ninho da Cobra. Representando o Povo de Santo do município de Ipiaú, estiveram presentes como convidados Anderson Eduardo Porto (Tata Ria Nkise no Mameto Ndandalunda Ngola Tombecy) e Flávio Rodrigues (Tata Ria Nkise Baleluande).

“Eu valorizo muito iniciativas como essa, que são uma forma de levar cultura e conhecimento para toda a população, principalmente a população da periferia, que é essa que mais precisa de cultura para entender o significado da sua raiz, da sua origem. E eu fiquei sabendo hoje que essa iniciativa é financiada pela Lei Paulo Gustavo a nível estadual. E a gente vê realmente a aplicação do recurso da cultura com cultura, porque quem sabe fazer cultura é quem vive a cultura”, afirmou Pai Anderson.

O curta de animação Òrun Àiyé – A Criação do Mundo abriu a sessão, apresentando ao público a trajetória de Oxalá e outros deuses africanos, como Olodumaré, Orunmilá, Oduduwa e Nanã, em sua missão de criar a terra e os seres humanos. Com duas técnicas distintas, a animação 2D e o stop motion, o filme parte de histórias da cultura Iorubá para difundir e preservar a religiosidade afro-brasileira através do cinema

Já o longa 3 Obás de Xangô registra a amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé, três artistas que defendiam que a força de suas obras residia em documentar o que viam nas ruas: desde a resiliência do povo de candomblé à onipresença do mar. O documentário resgata a relação dos artistas com a cultura de matriz africana e a baianidade, tocando em temas como o racismo religioso e o poder feminino.

É uma carta de Jorge Amado e Dorival Caymmi, narrada com a voz marcante de Lázaro Ramos, que convida os espectadores para acompanhar o filme. O chamado foi aceito por moradores da Praça dos Orixás, do entorno e de outros bairros da cidade, além de participantes do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia. Quem não quis sentar em frente ao telão montado no espaço, acompanhou a sessão da calçada de sua casa ou da pequena lanchonete local.

Faltando cerca de 15 minutos para o fim do filme, a exibição precisou ser interrompida devido à chuva. Em razão disso, o público se reuniu no Terreiro de Pai Naldo e o bate-papo com os convidados da mostra, Pai Anderson e Pai Flávio, foi antecipado. O espaço sagrado virou então lugar de escuta, de acolhimento e resistência, um abrigo para a sétima arte como fonte de aprendizados e saberes ancestrais.

A partir de suas experiências como espectadores dos filmes exibidos, os dois líderes religiosos compartilharam seus conhecimentos e vivências sobre religião e sociedade, destacando a luta do Povo de Santo contra a discriminação e a violência. “Nossa religião é uma religião de resistência. E nós estamos resistindo até hoje”, pontuou Pai Flávio, que classificou 3 Obás de Xangô como “uma grande lição de amor ao Candomblé e à Bahia”. Ainda segundo ele, o debate foi tão especial quanto a exibição.

“Foi um momento único e maravilhoso. Quem não esteve aqui hoje perdeu porque foi enriquecedor. A gente tirou muitas dúvidas, quebramos muitos tabus, muitos preconceitos, e creio que momentos como esse são muito pertinentes, principalmente para nós povos de terreiro, que vivemos à margem da sociedade. Mas somos povos resistentes. A gente resiste e cada dia é uma vitória. E hoje foi um dia dessa vitória”, concluiu.

A programação continua nesta quinta (24) com a mostra Cinema no Bairro. Confira os detalhes: https://circuitocineeden.com.br/programacao/

Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.