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Quando o diagnóstico de APLV muda a rotina: o que pais e cuidadores precisam saber

Foto: Reprodução

Por trás de cada diagnóstico de APLV — alergia à proteína do leite de vaca — existe uma mudança silenciosa, mas profunda, na vida de muitas famílias brasileiras. A rotina alimentar muda, o cuidado com os rótulos vira quase uma profissão, e até as interações sociais passam a exigir atenção redobrada. De repente, o leite deixa de ser apenas leite. Vira um risco.

No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a APLV é a alergia alimentar mais comum na infância, especialmente em bebês menores de um ano. Os dados ainda são escassos, mas estima-se que entre 2% e 5% das crianças nessa faixa etária apresentem algum grau de intolerância ou alergia à proteína do leite de vaca.

O que é APLV?

É uma reação do sistema imunológico às proteínas presentes no leite de vaca, como a caseína, a alfa-lactoalbumina e a beta-lactoglobulina. Essas proteínas são vistas pelo organismo como ameaças, desencadeando respostas que podem variar de leves a graves.

Ao contrário da intolerância à lactose, que é uma dificuldade em digerir o açúcar do leite, a APLV envolve o sistema imune e pode gerar sintomas imediatos ou tardios. Entre os mais comuns estão: vômitos, cólicas, diarreia, sangue nas fezes, urticária, inchaços, chiado no peito e até reações anafiláticas em casos mais graves.

Como é feito o diagnóstico?

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o diagnóstico da APLV é clínico. Isso significa que ele é feito a partir da análise detalhada dos sintomas e do histórico da criança. Em alguns casos, o médico pode solicitar exames complementares, como testes de IgE específicos ou testes de provocação oral, sempre com acompanhamento profissional.

É importante destacar que a retirada do leite da dieta sem orientação médica pode atrasar o diagnóstico ou prejudicar o crescimento e o desenvolvimento da criança. Por isso, todo o processo deve ser conduzido por pediatras, alergistas ou gastroenterologistas pediátricos.

O que muda na alimentação?

A principal mudança após o diagnóstico é a exclusão total da proteína do leite de vaca da dieta da criança. Isso inclui leite, derivados (como queijos, iogurtes, manteiga), produtos industrializados com traços de leite ou que contenham a proteína como ingrediente.

Para bebês amamentados exclusivamente, a mãe precisa retirar leite e derivados da própria alimentação. Já para aqueles que usam fórmula, é necessário utilizar fórmulas hipoalergênicas — como as extensamente hidrolisadas ou as à base de aminoácidos — indicadas por um profissional de saúde.

A leitura de rótulos passa a ser essencial. Ingredientes como caseinato, soro de leite, lactoalbumina e até produtos com “traços de leite” devem ser evitados, pois podem desencadear reações mesmo em quantidades mínimas.

Apoio nutricional

Manter uma alimentação equilibrada durante esse processo é possível, mas exige cuidado. A orientação de um nutricionista é fundamental para garantir que a criança receba todos os nutrientes necessários ao seu crescimento, especialmente cálcio, vitamina D, ferro, zinco e proteínas — nutrientes frequentemente associados ao consumo de leite e seus derivados.

Além disso, o acompanhamento profissional pode auxiliar os cuidadores na criação de um cardápio seguro, saboroso e variado — sem o risco de exposição à proteína do leite. O nutricionista também pode orientar sobre substituições adequadas, opções de alimentos enriquecidos e estratégias para diversificar o prato da criança, respeitando suas preferências e hábitos alimentares.

Esse suporte é especialmente importante em fases críticas do desenvolvimento, como a introdução alimentar e o período escolar, quando a autonomia da criança começa a crescer.

Impactos na rotina

Conviver com a APLV não significa apenas adaptar a alimentação. A condição exige atenção redobrada em situações cotidianas: festas de aniversário, alimentação escolar, visitas a restaurantes e até viagens.

É importante que todos ao redor da criança estejam informados sobre a alergia, saibam identificar sinais de reação e conheçam os cuidados básicos para evitar contaminações cruzadas.

A escola deve estar ciente do diagnóstico e contar com um plano de ação para situações emergenciais. Familiares e cuidadores também precisam ser orientados e treinados sobre o que fazer em caso de reações alérgicas.

Informação faz diferença

Diante de tantos cuidados e mudanças, é comum que pais e responsáveis se sintam sobrecarregados. Por isso, buscar informação confiável é essencial para lidar com a APLV de forma mais tranquila e segura.

Estão disponíveis e-books de conscientização sobre a APLV, com orientações práticas para leitura de rótulos, instruções para pais e cuidadores, e cuidados em situações como escola, passeios e festas — tudo apresentado de forma leve, acessível e pensada para toda a família.

Receber o diagnóstico de APLV pode ser um momento desafiador, mas também é o ponto de partida para uma jornada de cuidado, aprendizado e adaptação. Com orientação profissional, apoio familiar e acesso à informação de qualidade, é possível garantir segurança alimentar e qualidade de vida para a criança.

Os primeiros passos exigem atenção e comprometimento, mas, com o tempo, tornam-se parte da rotina — mais leve, mais consciente e, acima de tudo, mais acolhedora.

Referências:

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de aspectos nutricionais em situações especiais na infância e adolescência. São Paulo: SBP, 2024. 110 p.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Revista da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 1-27, 2018. Disponível em: http://aaai-asbai.org.br/detalhe_artigo.asp?id=851.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Entenda as diferenças entre alergia e intolerância alimentar. Publicado em 19 set. 2022. Atualizado em 03 nov. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/entenda-as-diferencas-entre-alergia-e-intolerancia-alimentar.