As luzes do projetor já apontavam para o telão quando moradores da Fazenda do Povo, na zona rural de Ipiaú, começaram a ocupar as cadeiras enfileiradas na escadaria da Igreja Católica situada no centro da comunidade. Na estrutura erguida ao ar livre em frente ao local, a lona branca dava lugar a cores, imagens e sons, fazendo a magia do audiovisual ganhar vida diante dos olhos de quem aguardava para assistir aos filmes Rosa Tirana, de Rogério Sagui, e Sob o Ditame do Rude Almajesto (Sinais de Chuva), de Olney São Paulo. A primeira das dez sessões do 4º Circuito Cine Éden estava prestes a começar.
Realizada na noite deste domingo (20), a Mostra Cinema na Roça abriu a programação de exibições do evento, promovido pela Voo Audiovisual com o objetivo de descentralizar a cultura e levar o cinema para além das salas tradicionais no interior baiano. A cerimônia de abertura contou com a presença dos diretores da Voo, Edson Bastos e Henrique Filho, do presidente da Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB), Daniel Leite Almeida, e da diretora do Complexo Poliesportivo e Cultural Dr. Salvador da Matta, Léa Barreto.
Além disso, marcou o início do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia, que tem o Cine Éden como anfitrião nesta edição. Produtor executivo e idealizador do projeto, Edson agradeceu a presença do público e destacou a importância da escolha da Fazenda do Povo como local para receber a primeira sessão do Circuito. Afinal, a comunidade foi o primeiro feito bem sucedido da reforma agrária na Bahia. “Então, é muito emocionante porque é uma população que já vem da resistência, já vem da luta. E esses dois eventos falam sobre isso também. Com eles, a gente procura unir forças para que o interior tenha mais visibilidade e tenha mais voz na produção audiovisual”, disse o produtor.
Para o presidente da Sasb, Daniel Leite Almeida, a realização do Fórum durante o Circuito Cine Éden é uma forma de chegar a um território de identidade ainda não alcançado por esse que é um espaço de discussão política. A parceria representa uma mudança no formato do evento, que agora passa a ser realizado em paralelo a projetos de difusão audiovisual e formação de plateia. “Assim, a gente consegue, a cada edição, ir pra um determinado território e conversar sobre as questões que permeiam e atravessam tanto os realizadores desse território quanto de tantos outros dos interiores da Bahia”, afirmou.
Cinema do interior para o interior
Fazer o cinema produzido no interior chegar a quem reside longe dos grandes centros também é um objetivo central de projetos como o Circuito Cine Éden. Não à toa, Rosa Tirana foi o filme selecionado como destaque da Mostra Cinema na Roça. Distribuído pela Umbuzeiro Filmes, o longa-metragem foi desenvolvido de forma totalmente independente em Poções, município do Sudoeste Baiano com cerca de 48 mil habitantes.
A obra apresentou aos moradores da Fazenda do Povo a jornada da pequena Rosa, que, durante a maior seca que o sertão nordestino já viveu, mergulha em uma longa travessia por uma caatinga árida e fantasiosa, em busca de um encontro com Nossa Senhora Imaculada, a rainha do sertão. A saga de Rosa em busca da santa para fazer chover no sertão se conecta também com o curta de Olney São Paulo, Sob o Ditame do Rude Almajesto (Sinais de Chuva), que narra diferentes experiências do homem do campo na maneira de pressagiar a chuva no Nordeste.
Para várias pessoas da comunidade, como a moradora Luzinete Santos, essa foi a primeira vez em uma sessão de cinema. “É uma coisa nova e muito boa. Eu moro aqui há muito tempo e nunca tinha visto isso aqui. A gente veio assistir com o maior prazer pra ter um domingo diferente, porque tem tanta gente que passa o final de semana todo dentro de casa”, contou. Sua vizinha, Maria dos Santos Gama, já espera pela próxima oportunidade de ver um filme no povoado. “E ainda por cima é gratuito, então eu espero que venha mais vezes”, disse.
Para o coordenador geral do Circuito Cine Éden e diretor artístico da Voo, Henrique Filho, foi uma alegria ver o público tão empolgado com o projeto. “As pessoas daqui abraçaram a sessão. Elas ficaram muito atentas, assistiram ao filme com muita emoção. Tinha pessoas sentadas na cadeira, no gramado, pessoas no barzinho que chegaram também pra poder assistir. Então, esse envolvimento da comunidade em prol do cinema, gente assistindo a uma sessão como essa pela primeira vez, tudo isso me emociona muito e me deixa muito feliz por estar produzindo esse evento e tendo essa abertura aqui na Fazenda do Povo”, ressaltou.
Convidado especial para o debate realizado após a sessão, o ator Juarez Oliveira, que participou de Rosa Tirana, destacou que essa foi também a primeira vez que o filme foi exibido na zona rural. “E isso é muito rico porque ele foi basicamente gravado nas extensões rurais de Poções, então eu tô muito feliz com esse alcance”, relatou. Quem também ficou contente com a exibição foi Dona Almerinda Borges dos Santos. “Vocês trouxeram alegria pra nós. Se nós não pode ir até o cinema, que o cinema venha até nós”, afirmou. A programação de abertura foi encerrada com o show “Cine Incidental”, apresentado pelos músicos Cabeça Isidoro e Pablo Lisboa.
Imersão pela história de Ipiaú
Antes da primeira exibição do Circuito Cine Éden, membros da equipe do evento e participantes do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia ainda fizeram uma imersão por diferentes cenários históricos e culturais da cidade, no fim da tarde. Acompanhados pelo idealizador e produtor executivo do projeto, Edson Bastos, realizadores audiovisuais de outros municípios do interior puderam conhecer espaços que ajudam a preservar a memória de um território que já teve nomes como “Entre Rios”, “Rapa-tição” e “Encruzilhada do Sul”.
O ponto de partida para o passeio foi a Praça Ruy Barbosa, onde fica localizado o antigo Cine Teatro Éden, além de outros espaços históricos e populares de Ipiaú como a Igreja Matriz e o Prédio Santa Paula. No local, Edson relembrou o fato do município não possuir mais nenhuma sala de cinema ou teatro, um dos principais motivos para a realização de iniciativas como o Fórum e o Circuito. “Mas a gente continua em mobilização, em luta, para que um dia esse cinema seja revitalizado”, reforçou.
A próxima parada do grupo foi o Rio Novo Tênis Clube. As condições precárias de sua infraestrutura logo deixam evidente o seu estado de abandono. O local, que já funcionou por décadas como o principal complexo desportivo da história de Ipiaú, é mais um espaço pelo qual a comunidade luta hoje em dia para que seja transformado em um centro cultural. De lá, os visitantes seguiram para a Praça dos Três Poderes, onde conheceram a Câmara Municipal, a Prefeitura e a Igreja Batista de Rio Novo. Após isso, foram até uma das margens do Rio de Contas, afluente que atravessa a cidade.
O grupo ainda visitou o casarão da família do jornalista José Américo Castro, primeira residência construída em Ipiaú e local onde funciona, atualmente, a Casa da Cultura, recebendo exibições, lançamentos de livros, entre outras atividades culturais. A casa do escritor, advogado e ex-prefeito do município, Euclides Neto, também fez parte do roteiro. O passeio foi encerrado na Praça de Eventos Álvaro Jardim, onde acontece o primeiro Cine Drive-in de Ipiaú, na noite desta segunda-feira (21), às 19h. A mostra contará com a exibição de Central do Brasil, filme de Walter Salles indicado ao Oscar, e do curta Central Conquista Brasil – os Sete Dias da Criação, de Esmon Primo.
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Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.
