
Um único dia, duas mostras de cinema completamente diferentes, mas com algo em comum ao final de cada sessão: um público verdadeiramente emocionado. Assim foi o segundo dia da programação do 4º Circuito Cine Éden, que promoveu, nesta segunda-feira (21), uma exibição em homenagem aos profissionais de saúde de Ipiaú, além de uma experiência inédita para a população local com o primeiro cine drive-in realizado no município.
Primeira sessão do dia, a Mostra Cine Saúde ocorreu no Complexo Poliesportivo e Cultural Dr. Salvador da Matta, a partir das 16h. O auditório do espaço, que recebe o 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia ao longo desta semana, virou sala de cinema logo após o fim de um workshop sobre roteiro com a cineasta Rayane Teles. Na telona, o som de uma maca deslizando em um corredor de hospital rumo à escuridão foi o que conduziu os espectadores até um retrato audiovisual sensível de uma das piores crises sanitárias já enfrentadas pela humanidade.
Em Quando Falta o Ar, as irmãs Ana Petta e Helena Petta registram o trabalho realizado por profissionais do SUS (Sistema Único de Saúde) durante a pandemia da covid-19. O documentário aborda o tema a partir de uma intersecção da saúde com a religiosidade, a desigualdade social e o racismo estrutural presente no Brasil. A mostra contou ainda com a exibição do curta Eu Preciso Destas Palavras Escrita, produção experimental de Milena Manfredini que também perpassa a temática da saúde ao trazer como personagem central o marinheiro e pugilista Arthur Bispo do Rosário, que tinha diagnóstico de esquizofrenia.

Enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde presentes na sessão se viram representados na tela, incluindo as quatro convidadas para o bate-papo realizado após a sessão. “Foi bem impactante assistir aos dois filmes. Rever todo esse cenário que foi a pandemia faz a gente revisitar alguns momentos que todos nós passamos”, disse a enfermeira, psicoterapeuta e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Aline Vieira, que abriu o debate.
A enfermeira e especialista em Saúde Coletiva, Gabriele Prazeres, é coordenadora da Vigilância Epidemiológica de Ipiaú e atuou diretamente no município durante a pandemia. Para ela, reviver um pouco do que foi a crise da covid-19 “traz recordações muito fortes, mas é importante pra gente entender melhor tudo o que aconteceu no período”. A psicóloga e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Ipiaú, Jessica Bacelar, complementou: “Todos nós somos sobreviventes, mas nós profissionais de saúde somos sobreviventes duas vezes”.
A secretária municipal de Saúde, Keila Maia, que é enfermeira, professora e especialista em Gestão em Saúde, também participou da sessão como convidada. Para ela, Quando Falta o Ar, em especial, foi um filme muito atravessador por revisitar um período tão difícil e ainda recente. “Me faltou o ar de fato, mas é um período que precisava estar registrado, estar gravado na história do nosso país, principalmente pra entendermos o quanto o SUS fez e faz diferença, assim como nós profissionais da saúde. Como cidadã de Ipiaú fico muito feliz que, na minha cidade, a gente possa ter um debate e uma exibição desse nível porque de fato a cultura merece e a gente também”, afirmou.
Ao final da sessão, o idealizador e produtor executivo do Circuito Cine Éden, Edson Bastos, agradeceu a presença das convidadas e demais profissionais de saúde, além dos outros espectadores. Ele destacou o fato do projeto ser executado com recursos de uma lei emergencial, a Paulo Gustavo, criada justamente durante a pandemia da covid-19 para auxiliar artistas e agentes culturais de todo o país, principalmente do setor audiovisual. “Pra gente foi muito importante trazer esse filme como uma forma de integrar e também homenagear os profissionais da saúde do nosso município, proporcionando essa experiência”, destacou.
1º cine drive-in de Ipiaú

Proporcionar experiências marcantes para o público de Ipiaú e região é algo que o Circuito Cine Éden busca fazer desde a sua primeira edição. Em 2025, a grande novidade do projeto foi a realização de um cine drive-in, algo inédito na cidade. Promovida no Estacionamento da Praça de Eventos Álvaro Jardim, no Bairro Antônio Carlos Magalhães, a sessão integrou a programação do Circuito na noite desta segunda (21), trazendo a pedestres, motoristas e suas famílias a chance de assistir a um clássico do cinema nacional: Central do Brasil, filme do premiado Walter Salles, mesmo diretor de Ainda Estou Aqui.
No local, parte do público assistiu ao filme do conforto do seu carro, com o rádio sintonizado na frequência 103,1 FM. Outros espectadores acompanharam a exibição logo em frente ao telão, em assentos disponibilizados pela produção do evento para quem estava a pé. Bastante popular nas décadas de 1950 e 1960, o cine drive-in voltou a ganhar força como alternativa segura para amantes da sétima arte durante o isolamento social provocado pelo novo coronavírus. A forma inusitada que caracteriza o formato segue até hoje despertando o interesse e curiosidade das pessoas. E com os moradores de Ipiaú não foi diferente.
O curta que antecedeu Central do Brasil na sessão é uma celebração ao próprio filme e seu legado para gerações de realizadores audiovisuais do país. Central Conquista Brasil – os Sete Dias da Criação, de Esmon Primo e Marcelo Lopes, mostra porque o longa-metragem sobre a jornada de Dora e Josué é “um filme de amor pela criação artística”, “uma arte que interessa ao Brasil”, como dito por pessoas entrevistadas para o documentário durante as gravações da obra de Walter Salles em Vitória da Conquista, no Sudoeste Baiano.
“Central do Brasil se tornou um filme importantíssimo da cinematografia nacional, e não somente por ter sido feito por um grande cineasta”, ressaltou Esmon. Além de dirigir o curta exibido na mostra e participar como convidado do bate-papo após a sessão, ele é coordenador técnico do Circuito Cine Éden. Há mais de 30 anos, atua com a promoção de sessões itinerantes de cinema para comunidades de toda a Bahia, principalmente do interior, onde o acesso à sétima arte é bastante limitado. “É muito bom que a comunidade tenha o cinema perto, na sua rua, no seu bairro, diante da falta das salas de cinema. Então é importante criar esses espaços de exibição e mostrar que a nossa cinematografia é maravilhosa e tem que sempre ser vista”, acrescentou.
Stéfany Santos veio diretamente de Ibirataia, município vizinho a Ipiaú, junto ao marido e a uma amiga, só para participar do cine drive-in. Eles nunca tinham assistido Central do Brasil. “A gente gostou bastante. Fiquei feliz por ser um filme brasileiro com uma história tão tocante, tão emocionante. Foi muito bom mesmo e eu espero que o projeto continue, que venham outros filmes e histórias legais como essa”, comentou.
Já o estudante João Alexandre Bacellar, que é natural de Ipiaú, veio com toda a família. Essa também foi a primeira vez que viu o filme. “Pra quem não conhecia é sempre bom valorizar o nosso cinema. Foi uma experiência ótima. Acredito que a população de Ipiaú merece e aproveitou bastante. Espero que aconteça mais vezes”, afirmou.
Quem já tinha visto o longa também gostou da experiência. É o caso da estudante de Direito Renata Calumby. “Eu achei incrível. Eu sou de Ipiaú, nascida e criada aqui, e eu nunca tinha visto nem vivido uma experiência assim na cidade”, relatou. Ela faz parte de um grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) chamado Sinestesia, que estuda Direito e Cinema. “Pra mim foi muito bom reviver esse filme e ter esse momento, vendo tantas pessoas interessadas também no cinema”, complementou. “É uma novidade para Ipiaú. É uma cidade pequena, então, muitas vezes a gente sente falta de alguma coisa diferente assim pra fazer”, reforçou a espectadora Milena Alves, também presente na mostra.
Para Henrique Filho, coordenador geral do Circuito Cine Éden, a exibição cumpriu o seu propósito. “Eu tô emocionado da gente ter produzido o primeiro cine drive-in de Ipiaú. A sessão foi muito bonita com um grande clássico que é Central do Brasil, sendo exibido tanto para quem veio pra sentar nas cadeiras à frente quanto para esse público que veio com os carros, com baldes de pipoca, com coxinha, com lanches. Então, tô muito feliz que tudo deu certo, que a exibição foi muito bonita, e tenho certeza que marca a história de Ipiaú e a história do cinema de Ipiau”, finalizou.
A programação do projeto continua nesta terça (22) com as mostras Cine Acessível e Cinema na Universidade. Confira os detalhes
Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.