Giro Ipiaú

Mostra Cinema de Resistência marca encerramento do 4º Circuito Cine Éden

Foto: Janaína Castro

Após dez sessões de cinema com direito à pipoca, debates e a aplausos do público ao final de cada filme, o 4º Circuito Cine Éden chegou ao fim na noite deste sábado (26), em Ipiaú. Com uma semana inteira repleta de atividades em conjunto com o 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia, o município, localizado no território Médio Rio de Contas, virou um polo cinematográfico, promovendo grandes encontros entre realizadores e o público apaixonado pela sétima arte.

Foi no ponto onde tudo começou que as luzes do projetor se acenderam pela última vez nesta quarta edição. O evento reafirmou seu papel de descentralizar a cultura e levar o cinema para além das salas tradicionais, ocupando praças, escolas, universidades, ruas e avenidas, entre outros espaços. A Praça Ruy Barbosa, no Centro, foi o local escolhido para receber a sessão Cinema de Resistência, marcando o encerramento do projeto.

“Aqui é o local onde se encontra o antigo Cine Teatro Éden, cujo espaço é tombado pela Prefeitura Municipal de Ipiaú e pela Câmara de Vereadores. E como o nosso evento leva o nome desse espaço que a gente tanto reivindica a revitalização, nada melhor do que ser o lugar escolhido para encerrar o projeto. É um ato simbólico de luta, de resistência, de ir em busca da construção de um novo espaço público cultural no nosso município. Nós, enquanto comunidade, precisamos nos unir por isso”, destacou o idealizador e produtor executivo do Circuito, Edson Bastos.

Cinema como lugar de memória e resistência

Foto: Janaína Castro

Moradores de Ipiaú e região, convidados e membros da equipe do projeto se reuniram em frente ao antigo Cine Teatro Éden para assistir ao curta Coleção Preciosa, de Rayssa Coelho e Filipe Gama, e ao documentário Retratos Fantasmas, de Kléber Mendonça Filho. Coordenador geral e curador do evento, Henrique Filho ressaltou a relação direta que ambos os filmes mantêm com a luta encampada pela comunidade ipiauense para a implantação de uma nova sala de cinema na cidade.

“São dois filmes que falam um pouco sobre essa triste história dos cinemas de rua do Brasil, que foram fechados, transformadas em lojas, igrejas, em farmácias. É algo que dialoga diretamente com a realidade daqui de Ipiaú, com o nosso Cine Éden, que já fechou há algumas décadas. E a gente continua até hoje relembrando a sua importância para a comunidade, tentando aqui nessa resistência lembrar para as pessoas como é legal assistir um filme e ter um espaço como um cinema de rua. Ou seja, são obras que reforçam a mensagem que nós queremos passar”, pontuou.

Produzido em Vitória da Conquista, no Sudoeste Baiano, Coleção Preciosa narra a trajetória de Ferdinand Willi Flick (in memoriam), técnico de refrigeração conquistense que, por mais de cinco décadas, colecionou itens de cinema que constituíram um acervo composto de raros recortes de películas de projeção, além de cartazes, pôsteres, folhetos antigos dos cinemas de rua, recortes de jornais, entre outros materiais. O filme estreou no circuito cinematográfico em um dos principais eventos do gênero documentário na América Larina, o Festival Internacional É Tudo Verdade.

“Coleção Preciosa é um manifesto de amor à sétima arte e à importância das memórias coletivas e sociais relacionadas ao audiovisual. Então, não teria um lugar mais adequado para ele ser exibido. Acho que é um acerto mesmo da curadoria, porque é uma sessão feita em frente à antiga instalação do Cine Éden que é esse lugar de interesse simbólico, afetivo, histórico e de pertencimento da sociedade de Ipiaú. Acho que, inclusive, não é apenas sobre a cidade de Ipiaú, é sobre qualquer pessoa que consiga entender minimamente a dimensão e a importância do audiovisual em suas mais diversas esferas”, ressaltou a codiretora do curta e convidada da sessão, Rayssa Coelho.

Foto: Janaína Castro

O segundo filme exibido na noite, Retratos Fantasmas, do premiado Kléber Mendonça Filho, traz o centro da cidade do Recife como protagonista da obra. O local é revisitado através dos grandes cinemas que serviram como espaços de convivência durante o século 20. Em 2024, o documentário foi escolhido como representante do Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar na categoria melhor filme internacional. Ao longo de 1 hora e 33 minutos, reúne imagens de arquivo, fotografias e registros em movimento que também mostram como os cinemas de rua foram fundamentais para a formação do diretor como cineasta.

“Quando a gente escolheu Retratos Fantasmas e Coleção Preciosa pra compor essa sessão ao lado da fachada do antigo Cine Éden, estávamos pensando exatamente em falar de memória e resistência através do cinema. É importante demarcar esse lugar como um lugar de memória. E eu acho que esses dois filmes nos ajudam justamente a ter essa dimensão de como os lugares e os objetos também guardam a memória daquilo que já foi”, reforçou o pesquisador Euclides Mendes, que colaborou com a curadoria do Circuito. Ele também esteve presente como convidado no bate-papo realizado após a sessão Cinema de Resistência.

O encerramento contou ainda com um show da cantora Laísa Eça, além de homenagens a profissionais e entidades parceiras do Circuito Cine Éden e do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia, como a Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (Sasb), representada pelo cineasta Daniel Leite Almeida; a Diretoria de Audiovisual (Dimas) da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), representada pela sua diretora Daiane Silva; e a Voo Audiovisual, empresa responsável pela produção do evento. Também foram homenageados os realizadores e produtores culturais José Araripe Jr., Elson Rosário, Roberta Arruda, Esmon Primo e Paulo Magalhães.

Uma edição histórica

Foto: Janaína Castro

Segundo Edson Bastos, cofundador e diretor de projetos da Voo, o 4º Circuito Cine Éden mobilizou mais de 2 mil pessoas em Ipiaú. “Pra gente é uma vitória muito grande ver a cidade sendo mobilizada a partir do cinema e do audiovisual, porque eu percebo que, de fato, essa formação de público que a gente vem fazendo há muito tempo está se concretizando. Lógico que precisa de mais tempo, mais espaço e mais recurso, mas já é uma alegria ver o evento crescendo e as pessoas aderindo”, afirmou.

“O sentimento é de dever cumprido. Acho que a gente conseguiu atingir um resultado muito maior do que esperávamos. Foi mágico ver como o público se interessou por essa magia do cinema, assistindo a filmes numa tela grande. Pra várias pessoas, foi algo novo. Muitas delas não conseguiriam sair de Ipiaú pra Itabuna, Ilhéus ou Salvador para ir numa sala de cinema. E o projeto levou o cinema pra porta da casa das pessoas, então foi muito bonito. Estou muito orgulhoso do trabalho de toda a equipe e muito feliz de termos conseguido fazer algo tão grandioso aqui em Ipiaú”, complementou Henrique Filho, sócio e diretor artístico da Voo.

Representando a Prefeitura Municipal, o secretário de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo de Ipiaú, Caio Braga, esteve presente no último dia da programação e reforçou a importância do trabalho desenvolvido por Edson e Henrique através do projeto. “A gente sabe que fazer cinema no interior, assim como cultura, de modo geral, é uma forma de resistência. Então a gente fica muito feliz em ter uma potência como o Circuito Cine Éden, um projeto que deu muito certo”, disse.

“Nesta edição, Edson e Henrique ousaram muito mais, propondo cinema pra zona rural, dentro de um bar, em um dos bairros populares de Ipiaú que é o São Salvador. Eles continuam sonhando. E enquanto gestão, a gente sabe que essa semente que eles têm plantado gera muitos frutos e impacta outras pessoas que estão iniciando agora no audiovisual”, acrescentou.

Daiane Silva, diretora da Dimas, também marcou presença no encerramento do projeto. Ela esteve em Ipiaú para participar do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores, que, assim como o Cine Éden, se encerrou neste sábado, 26. “Para a Dimas, é uma alegria muito grande ver a execução de um projeto na cidade de Ipiaú de uma forma tão responsável, tão criativa e com efeito tão multiplicador. É de fato um gesto de democratização do acesso ao cinema que o Cine Éden tem feito de uma forma genial”, elogiou.

A cineasta Gal Solaris, do município de Rio de Contas, foi outra pessoa que viajou até Ipiaú para frequentar as atividades do Fórum, mas fez questão de ir ao máximo possível de sessões do Circuito. “Um projeto potencializou o outro. O Cine Éden no final do Fórum foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Cada lugar foi uma experiência nova, tentando encontrar o público de formas diferentes. Eu achei isso incrível. A gente aprende muito com um evento desse. Fiquei com vontade de replicar na minha cidade”, relatou.

Entusiasta da sétima arte, Rubens Shigueme esteve em todas as exibições realizadas pelo Circuito, juntamente com sua família. A participação ativa no evento rendeu a eles uma homenagem para simbolizar a importância do público em cada sessão do projeto. “Cada dia foi melhor do que o outro. E eu acho que encerrar com Retratos Fantasmas foi uma ótima maneira de reforçar a mensagem do Circuito de como é importante levar o cinema pras pessoas, porque a gente não pode deixar isso morrer”, comentou.

Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.