Uma pesquisa de mestrado da ipiauense Dina Alves inspirou a Cia Corpórea de Corpos a montar o espetáculo Rés, apresentado em Teatros e espaços culturais de São Paulo é Rio de Janeiro. O trabalho dessa figura, criada na Rua da Granja, constituiu-se numa etnografia do encarceramento de mulheres negras, privadas da liberdade, numa penitenciária Feminina de São Paulo, entre 2013/2015. “Rés negras, Judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de raça, classe e gênero na distribuição da justiça em São Paulo”, foi o tema abordado na pesquisa. Nesta e em outras pesquisas acadêmicas Dina oferece uma contribuição aos estudos da criminologia crítica e feminista e das relações raciais.No palco, três mulheres negras, bailarinas, performando dados estatísticos, teorias, vivências e experiências sobre o lugar paradigmático das mulheres negras na sociedade. “Para além das grades e cadeados, “Rés” procura lançar o questionamento sobre quantas portas fechadas já existiram, existem e ainda existirão na vida destas pessoas que, de certa forma, são marcadas por serem mulheres negras. O espetáculo também faz uma análise também sobre o entorno e sobre as mulheres que acabam levando uma vida de encarceramento por terem companheiros, filhos e outros familiares em situação de cárcere.
ESTRATÉGIA DE DENÚNCIAAdvogada, doutora, mestra em antropologia, atriz, ativista política, Dina Alves tem apostado no ativismo legal como estratégia de defesa de mulheres negras assassinadas pela polícia. Atualmente está defendendo a família de Luana Barbosa dos Reis Santos, uma mulher negra e lésbica que foi assassinada por três policiais em 2016. O caso ganhou repercussão internacional após ter sido publicado no relatório da ONU. Dina tem participado de diversas conferências internacionais sobre violência racial nas Américas, Europa e África, assim como de coletâneas sobre violência contra a mulher negra, junto a diversos autores de outros continentes.Enedina do Amparo Alves, nome de batismo da guerreira, atuou como coordenadora-chefe do Departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Foi homenageada com o prêmio Clóvis Moura e Beatriz Nascimento pelo coletivo Quilombação, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na formação artística utiliza seus trabalhos performáticos como estratégia de denúncia da violência racial e de classe. Tem estabelecido intercambio político-cultural com a Associação Cultural El Chontadouro, em Cali, com participação in loco, da “Escuela Sociopolítica de las mujeres”. Na Alemanha participou do Congresso sobre violências raciais na América Latina.
NA RUA DA GRANJA
A trajetória política de Dina Alves teve início em 1980, com participação nas comunidades eclesiais de base na Rua da Granja, em Ipiaú, sob a liderança da Irmã Irene, uma religiosa que coordenava as pastorais da criança e da juventude. Nessa época a Rua da Granja era um amontoado de casebres, não tinha calçamento e virava um lamaçal quando chovia. A menina Dina começou a fazer teatro no prédio escolar dessa comunidade carente de Ipiaú. Sua mãe, dona Maria Morena, trabalhava como merendeira no prédio São João Batista e isso ajudou a matar a fome dela e de seus 08 irmãos. O teatro do Grupo Nova Geração era de denúncia, critica severa e, naquele tempo de governo ACM. Por tratar de críticas sociais, inclusive contra os privilégios de setores da igreja, chegou um momento de não ser mais possível permanecer na igreja. Se uma porta foi fechada, outras se abriram. Nessa época Dina conheceu o Grupo Ecológico Humanista PAPAMEL e assumiu seu lugar de ativistas dos Direitos Humanos.
NO PAPAMEL
“Minha participação no Papamel foi crucial na formação da minha identidade de raça e classe. A fome e o desemprego me expulsaram de Ipiaú para as grandes capitais”, revela. Paralelo ao exercício da advocacia, aos estudos antropológicos, Dina continua fazendo teatro, lutando contra as desigualdades sociais e injustiças. Talvez por falta de conhecimento do seu imenso talento, ou mesmo mera conveniência, Ipiaú nunca lhe chamou. Ainda é tempo. Ouvir a voz de quem luta pelas liberdades é um presente que os ipiauense merecem neste ensejo de 90 anos de emancipação política. Ou não.
*Por José Américo Castro