Ele mereceu uma crônica de Euclides Neto, no livro “O Tempo é Chegado”, o último do grande escritor ipiauense. Tamanha era a sua excentricidade que chegava ao ponto de mastigar pedaços de copos, arrancados com firmes dentadas, e cuspir fragmentos de vidro para que ninguém tivesse duvida daqueles atos que nem o mais atiçado dos “metaleiros” ousava praticar. Não ficava por aí. Queimava e rasgava dinheiro, esculhambava nos puteiros, aprontava muito mais do que se possa imaginar.
Foi registrado com o nome de Francisco Paulo Santos, tem 63 anos de idade, e devido a um defeito de nascença na instalação (olho) ficou conhecido como Chico Zoin. A condição de excelente mecânico em um lugar onde inexistia concorrência lhe permitiu prestigio e fama, entretanto pouca importância deu a tais valores. “Estaria muito rico se soubesse juntar”, avaliava Euclides Neto, no entanto, Chico Zoin, na lógica do seu raciocínio contábil, concluía: – Não preciso de muito dinheiro. Ganhei duzentos. Só vou precisar de cem-, e sem nenhuma preocupação de poupança, picotava a ruma de cédulas que seria disputada a tapas pelas rameiras do Vapt/Vupt, um brega no meio de um mundo distante. O quebra cabeça da reconstituição das notas era problema delas.
Os setecentos e cinquenta quilômetros que separam Ipiaú de Montalvania, nos gerais de Minas, seriam percorridos na C10 pelo médico Dezidério Teixeira (irmão de Euclides Neto)que seguia na boleia do carro dirigido por Dubinha, afamado motorista do sul baiano. Na carroceria, Rubalo, Jairo (pegador de jacaré), Tõe (irmão de Dizidério e Euclides)e Chico Zoin se seguravam em cada curva, dando altas gargalhadas, contando piadas e falando da vida dos outros. O veiculo e seus ocupantes necessitavam de muito combustível para cumprir a jornada. Em cada parada um abastecimento: a C10 na bomba de gasolina e a tripulação nos botecos da beira da estrada. O poeirão do sertão era pretexto pra muitas outras “tiortinas” e assim seguiam viagem.
Pela sua condição de único mecânico do lugar, Chico ganhou fama em Montalvania. Não lhe faltava o que consertar, de trator a bomba de puxar água. O dinheiro entrava aos montes, mas saia em extravagâncias de quem não tinha onde gastar e nem gostava de economizar. No Vapt/Vupt, suas façanhas ficaram famosas. Não foram poucas às vezes em que tocava fogo nas notas para acender os candeeiros que alumiavam aquela casa de tolerância. Desse modo, Zoin, autenticava na pratica a caetanica filosofia do “não me amarro a dinheiro não”.
Beleza pura, decerto, não estaria no seu repertório. Senhor dos motores, Chico Zoin tinha clientela crescente e nunca bebia em serviço. Quando o expediente encerrava as garrafas eram esvaziadas e ele se esbagaçava. Um dia depois de tomar muita pinga, Chico chegou em casa tropeçando. Deu uma de brabo e apanhou feio da mulher, da sogra e da cunhada. Pra completar a cacetada familiar, foi preso e virou noticia na imprensa regional. Na página policial do jornal Tribuna do Vale estamparam a manchete: “MARIDO ESPANCA A ESPOSA”.
O restante da matéria tinha o seguinte teor: -No dia 13 do mês corrente o individuo Francisco Paulo Santos, de vulgo “Chico Zoin” , espancou sua esposa Hilda Ramos Santos, por motivo de aguardente. O individuo foi guardado na 17ª Depol, enquanto sarava da dita cuja. Depois recebeu um sabão do Dr. Mário Novaes, delegado da comarca-.
A inversão dos valores apresentada pela imprensa sertaneja foi um alivio no seu orgulho machista. “Ê porra, sair por cima”, teria pronunciado, ao tomar conhecimento do texto. Essa não foi a única detenção que Chico Zoin sofreu. Uma outra, em caráter preventivo, aconteceu no povoado do Rumo, município de Itaetê, onde todo domingo ele ia fazer feira, se embriagar e aprontar suas presepadas. Totalmente sóbrio, tão logo pisou no arruado, recebeu voz de prisão, por parte do policial de plantão. Sem entender aquela atitude Zoin argumentou : ”Preso porque se eu não fiz nada”. O policial, então respondeu: -Por isso mesmo, por ainda não ter feito!
A saudade de Ipiaú bateu forte e Chico resolveu voltar. Chegou cheio de prosa e com fama de milionário, mas tão logo arriava as malas já exibia seus dotes de bom pingunço. Mostrou-se um autêntico come copo. Engolia a cachaça e quebrava o vidro nos dentes. Mastigava os cacos e cuspia as partículas na palma da mão para provar a veracidade do fato. Às vezes perguntava aos que apreciavam a cena: “Quer com sangue ou sem sangue? Numa noite de Natal foi visitar uma família amiga e não resistiu quando lhe ofereceram vinho em uma fina taça de cristal. Traçou a dita como se fosse casquinha de sorvete. Repetiria o gesto com outras que estavam na cristaleira se não fosse a enérgica intervenção de dona Olga (mãe de Pantera) que não queria perder seu mimado acervo.
Quando os copos não lhe bastavam, Chico Zoin mastigava os gargalos das garrafas. Chegou uma época de seu apetite voraz desejar os para-brisas e retrovisores dos carros estacionados nas proximidades dos bares que frequentava. Ito Curuca, Rogério de Fran, Espartacus Teixeira e Miguel Banda Rôxa (atual vice prefeito do município), são alguns dos muitos que testemunharam os estranhos banquetes de Chico Zoin. Tudo tem seu tempo e veio o tempo de Chico descobrir que é na lucidez que a vida se revela mais bela. Parou de beber, perdeu o apetite pelos copos. Hoje, sobrevivente do flagelo, vive o bom tempo da realidade. Já não ganha tanto dinheiro, lhe bastam os proventos de mecânico da Prefeitura Municipal. Mostra sua ciência no conserto dos motores e está determinado a fazer funcionar o antigo FNM que Ipiaú ganhou como prêmio por ter conquistado do titulo de Município Modelo da Bahia. (Giro/José Américo Castro).