Ipiaú só teve futebol de respeito no tempo de Jaime Cobrinha! A frase, repetida por inúmeros desportistas que viveram a bela época do nosso esporte mais popular, indica a importância do personagem. Ele foi o mais abnegado dos dirigentes, o mais versátil dos “cartolas”, o garimpeiro dos grandes craques. Mais que a sutileza do réptil homônimo, Cobrinha tinha a astúcia das raposas, a habilidade das águias e o bom veneno das vitórias. Jamais jogou bola, porém definiu o destino de clubes, contribuiu para que a Seleção de Ipiaú ganhasse títulos no Campeonato Intermunicipal e até emprestou seu nome a uma importante honraria do município.
Jaime Araújo Andrade, nasceu em 3 de abril de 1927, na cidade de Jequié, no entanto desde criança tornou-se morador de Ipiaú. Seu pai chamava-se Geraldo Galvão de Andrade e sua mãe Judith Araújo Andrade.
O casal mantinham em casa, na Rua Borges de Barros, uma produção artesanal de fogos de artifício. Fabricavam foguetes, bombinhas, traques e cobrinhas. Destas veio o apelido de infância que lhe acompanhou pra sempre e ganhou mais autenticidade após um acidente de trabalho.
Ao cair de um poste enquanto exercia a função de “guarda fios” da companhia de Correios e Telégrafos, Jaime sofreu uma lesão na coluna vertebral que comprometeu o seu jeito de andar. Caminhava numa espécie de zig e zag, sempre de cabeça baixa. Devido a isso fizeram piadas em relação à sua pessoa. Supunham que estava constantemente embriagado, ou algo parecido. Mero engano, a aparência frágil escondia a fortaleza de um grande guerreiro.
Em 1959, Cobrinha idealizou o campeonato estudantil do Ginásio de Rio Novo e de lambuja conquistou o titulo do certame, treinando o time da Primeira Série. Foi o passo inicial de uma trajetória vitoriosa. Pouco tempo depois se via dirigente do poderoso Independente Esporte e Cultura. Exerceu o cargo de Diretor de Futebol com plenos poderes.
Os resultados dos jogos não só dependiam do bom desempenho dos atletas nos gramados, mas também das suas manobras nos bastidores. Bons tratos aos árbitros antes e depois das partidas, generosos brindes aos maiorais da Federação Baiana de Futebol, transito livre no Tribunal da Justiça Desportiva, facilitavam vitórias no “tapetão”. Garantir mandos de campo, transferências de atletas e reversões de profissionais para o amadorismo, nunca foram problemas pra ele, ainda mais porque a diretoria do Independente tinha cacife para bancar o famoso jeitinho brasileiro.
Cobrinha articulava tudo com a sua educação refinada. Amplo, geral e irrestrito, assim pode definir o bom relacionamento que adotava cotidianamente. Era mesmo um gentleman. Além de um cavalheiro, Jaime Cobrinha era um dos cartolas mais espertos da Bahia. Osório Villas Boas costumava dizer que só o nome não condizia com o seu currículo: “ele não é cobrinha, Jaime é um cascavel quando se trata dos times de Ipiaú”. Visando a formação de um bom elenco, Jaime percorria a Bahia garimpando craques.
Foi desse modo que trouxe para o futebol ipiauense atletas como Dilermando e Tanajura (de Paramirin), Maíca (de Jequié), Gino, Bidinho e Adilson Paredão (de Valença), Zé Plínio, Bocão e Bueirinho (de Feira de Santana), Jorge Campos (de Itororó), Gajé (de Ibicaraí), Davi(de Poções) e o lendário goleiro Betinho (de Ilhéus).
É vasto o folclore que envolve a figura de Jaime Cobrinha. Contam que nas vésperas dos jogos, principalmente os clássicos, ele ficava de plantão noturno na concentração do time para que os jogadores não escapulissem em busca de farras. Nesse encargo de sentinela avançada chegou a passar uma noite inteira sentado na escadaria de um hotel em Valença.
Quando o Independente ou a Seleção de Ipiaú chegava a alguma cidade e os moradores locais avistavam Jaime caminhando, após o desembarque do ônibus que conduzia a delegação, era habitual o comentário:
-Se o dono do time já está tropicando de bêbado, imaginem os jogadores-.
Em Ituberá, a proprietária de um hotel não deixou de repreendê-lo:
-O senhor deveria tomar vergonha. Embriagado desse jeito como pode dá bom exemplo aos atletas?
Após a primeira impressão percebiam que estavam julgando errado e pediam desculpas. Eram imediatamente perdoados. No coração de Jaime não cabia mágoas. A melhor resposta vinha, durante o jogo, com o Independente mostrando o seu valor, demolindo adversários, encantando plateias.
Um dia, Jaime Cobrinha recebeu uma proposta de trabalhar em Ubatã onde teria melhores condições no exercício da sua profissão de contador e ao mesmo tempo cumpriria a missão de soerguer o futebol local. O prefeito Almenizio Braga Lopes (MIL) lhe dava todas as garantias. O projeto experimentava o êxito desejado, mas foi interrompido no dia 22 de janeiro de 1987 quando ao atravessar a pista da BR-330, o astuto Jaime, aos 69 anos de idade, morreu atropelado por um veiculo que transitava em alta velocidade. Deixou a mulher Alice Santana Andrade, os filhos: Ana Maria, Jaiminho, Eliana, Maialú, Geraldo e Paulo César (Kaco) e uma incrível história de amor pelo futebol.
A Lei Municipal nº 2.215, de 25 de junho de 2015 criou , no âmbito da Câmara Municipal de Ipiaú, a Medalha do Mérito Desportivo Jaime Araújo de Andrade, a ser concedida a entidade ou cidadão que comprovadamente tenha prestado relevantes serviços em favor do desenvolvimento dos esportes neste município. A honraria decorre de um Projeto de Lei do vereador Adelfran Bacelar -PR- que assim confirma a tradição desta Câmara de “batizar”, suas medalhas com o nome de personalidades que sintetizam o espírito da homenagem. Jaime Cobrinha não ficou no esquecimento. (GIRO/José Américo Castro)