A condição de folclórico se revela no apelido adquirido ainda na infância. Tinha apenas seis anos de idade quando foi vitima de ofidismo e em decorrência disso amputaram a sua perna esquerda. O veneno da cobra jaracuçu, cabeça de patrona, decerto lhe invadiu a alma, deixando graves sequelas, dentre elas forte dose de presepada. Tirado a valente, conversador, encrenqueiro, arruaceiro, mas de boa índole, Saci era assim. Com sua muleta fazia piruetas, jogava capoeira, nadava nas enchentes do rio, desafiava brabos e tinha hospedagem garantida no xadrez da Delegacia de Policia. Muitas vezes, após um apronte no brega dos Dez Quartos, atravessava a Praça dos Cometas e
acordava o carcereiro Nezinho gritando: “Abre a porta que lá vai eu”.
O bicho pegava quando Saci misturava maconha com cachaça e bancava o maioral. Tirava uma de tranca rua, dançava o frevo na frente do trio elétrico, rodopiava a muleta afastando o povo e roubando a cena dos artistas. Seu exótico figurino variava do tipo fazendeiro, com chapéu preto de abas largas e fita na cintura, ao estilo militar, com a farda do Tiro de Guerra que lhe dava semelhança de ex-combatente ou mesmo de guerrilheiro improvisado. Uma pequena cabaça contendo rapé completava a indumentária. Sonhava em ser policial e chegou à condição de vigia de prédios públicos.
Sua fama de valente cresceu quando evitou que o prefeito José Motta Fernandes fosse massacrado em Jequié durante um jogo de futebol da seleção local com o escrete de Ipiaú, pelo Campeonato Intermunicipal, nos idos dos anos 60. No meio da briga generalizada entre as duas torcidas, os agressores recuaram diante dos golpes da sua muleta.
A partir de então Zé Motta ficou lhe devendo favor e retribuiu dando-lhe atenção e o emprego de segurança. No computo geral Saci apanhava muito mais do que batia. A sua coragem se resumia em não correr da briga.
Trabalhar sempre foi um forte de Saci. Na juventude foi aguadeiro e vendedor de areia extraída no leito do Rio de Contas. Tinha uma tropa de jegues com a qual transportava a areia até os prédios em construções, contribuindo assim com o desenvolvimento da cidade.
Em seu lazer constavam incursões na zona boemia e na jogatina. No bar, no baralho, nunca deixava de contar farromba. As presepadas se estendiam em outras façanhas. Uma vez tomou um banho de sangue de galinha e adentrou num boteco, bradando: “Acabei de despachar um e tô com vontade de matar outro”. Quem não lhe conhecia entrava em pânico. De outra feita, no cemitério, apontou para o tumulo de um valentão e
disse: “Esse aqui deu sorte porque quem ia matar ele era eu”.
”Sai de baixo lá vem Saci”. A meninada corria ao primeiro sinal de alerta, enquanto o homem da muleta cruzava a rua pronunciando frases delirantes, arrotando valentia, escondendo sua essência de boa pessoa, traumatizada pelo veneno da cobra, pela amputação da perna. Nesses momentos devia se lembrar de quando era tão somente o garoto Laudení José dos Santos, morador de uma roça no município de Dário Meira. (Giro/José Américo Castro)