Igual a ela só ela mesmo, se existiu outra foi contrabando do Paraguai. Entretanto não existiu, pois era única. Energizada, vitaminada, virada num traque, tal qual cobrinha junina, Vitalina Maria de Jesus era muito mais do que o seu corpo franzino, na baixa estatura, poderia sugerir.
Era a própria vitalidade. Severidade, pontualidade no trabalho, responsabilidade com o dever atribuído, foram traços marcantes do seu caráter. Chegava junto, rente igual a pão quente. A profissão de zeladora não cabia tão bem em outra pessoa.
Quem estudou no Grupo Escolar Celestina Bittencourt, entre 1959 e 1990, sabe disso com certeza. Vitalina não media esforços para manter a ordem, fazer prevalecer disciplina, auxiliar na administração do estabelecimento. Puxões de orelha, broncas, denuncias, constavam do seu oficio.
Não adiantava reclamar, pois ela tinha moral com a diretora. Além do mais era a mãe de um padre e pertencia à tradicional Congregação da Oração do Sagrado Coração de Jesus, lugar de honra entre as senhoras católicas da ordeira Paróquia de São Roque.
Acontece que menino tem arte do impossível. Não faltavam aqueles que, escondidos ou escancarados, traziam a cantoria provocativa: “Vitalina canela fina, toma leite que é vitamina”. A prestimosa zeladora despirocava de vez. Vassoura na mão, velocidade máxima, saía em disparada no rastro do moleque atentado. Haja canela! Sebo nela porque lá vem a fera! Não adiantava correr, se esconder…
Vita que também se irritava quando lhe chamavam de “Vitamina”, chegava junto, puxava a orelha e dizia compenetrada: “Me respeita porque eu sou otoridade”. O cascudo comia solto, enquanto o provocador era encaminhado à Secretaria, quando não conduzido até a sua própria residência, pela valente disciplinadora. Diuturnamente Vitalina se dedicava ao colégio, mesmo estando de folga.
De sua casa, na Rua Anchieta, ficava de olho no prédio, acompanhando o movimento, espiando todos que por ali transitavam e tudo que acontecia na área. Os que filavam aulas não saiam da sua mira. Nos dias de festas lá estava ela: jeito de marreca, fazendo graça, arrancando risadas, mostrando o lado alegre.
A capacidade artística se revelava em improvisos, danças e até imitações de apresentadoras da TV. Nem assim dormia no ponto: ficava atenta e a qualquer sinal de desordem ou agito da rapaziada, mostrava as garras, encarnava a jararaca, destilava o veneno, saia correndo pra resolver a situação.
Sucederam-se as diretoras, as professoras, os alunos, mas permaneceu a zeladora. Passaram-se os párocos, as confissões, as procissões, no entanto a fervorosa beata prosseguia em suas obrigações: ornamentando o templo, comparecendo às missas, atualizando fofocas. O padre, seu filho, apesar da identidade eclesiástica, ficou mesmo conhecido como “João de Vitalina”.
A autoridade materna falava mais alto do que o comando do Vaticano. Durante seu longo tempo de serviço, Vitalina fez valer a missão que lhe confiaram e recebeu carta branca para agir como quisesse. Desse modo sentia-se Rainha, mesmo que fosse da cocada preta que vendia aos estudantes durante os intervalos das aulas. Durou mais de 30 anos o seu reinado no Celestina.
Corpo franzino, canela fina, com a vitamina que Deus lhe deu. Vitalina animou inesquecíveis momentos da nossa infância, proporcionou intensas emoções, razões de muita felicidade. Autenticou a mais pura e desvairada expressão da palavra dedicação. Assim entrou na historia, ficou na memória. Ipiaú agradece: “Gracias a la Vita”. (Giro/José Américo Castro)