Giro Ipiaú

Consultor em Gestão Pública comenta crise financeira nos municípios

Moiséis Rocha Brito

Ultimamente temos visto uma reclamação quase que generalizada por parte dos prefeitos a respeito das constantes quedas nas receitas municipais, em especial do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, obrigando as prefeituras a realinharem suas despesas, sendo já perceptivo uma certa baixa movimentação no comércio local e regional.

Para comentar o assunto, o Giro Ipiaú entrevistou nesta sexta-feira (13) o reconhecido e consagrado consultor em gestão pública, Dr. Moiséis Rocha Brito, advogado, administrador, teólogo, pós-graduado em direto público, controladoria interna, gestão pública de resultado, metodologia do ensino superior, direito do trabalho e previdenciário, processo civil e práticas previdenciárias, presidente do Instituto Baiano de Administração Pública – IBAP, com atuação marcante e respeitada há mais trinta anos na região, que assim comentou o assunto:

Breve histórico das receitas municipais – 2022/2023

Para entendermos melhor a situação atual que passa os municípios brasileiros, vamos recorrer ao fechamento das contas públicas no exercício de 2022, oportunidade em que se verificou um superávit primário de R$ 59,7 bilhões em 2022, ou seja, superando em R$ 23,4 bilhões o superávit previsto para o ano de acordo o Decreto Federal nº. 11.269/2022, que previa um superavit de apenas R$ 36,3 bilhões.

O superávit verificado em 2022 foi registrado como algo extraordinário, tendo em vista que há muito tempo não se via as contas publicas fecharem de forma positiva.

Nesse contexto, há de registrar que o fechamento positivo das contas publicas em especial dos municípios de 2022 contribuíram consideravelmente para alcançar esse superavit no fechamento geral, e mais, o saldo financeiro registrados nos balancetes de dezembro de 2022 dos municípios, que passaram para o exercício de 2023, foram imprescindíveis para os municípios cobrirem suas despesas nos primeiros meses do presente ano, período este considerado crucial, tendo em vista o aumento do salário mínimo, pisos salarias nacionais a exemplo do magistério, dos agentes comunitários e de endemias, encargos sociais com a entrada do e-social, água, luz, telefone, combustíveis etc.

Há de considerar que uma boa parte da economia registrada nos municípios em 2022, decorreu do período da Pandemia – Covid-19, vez que nesse período não funcionou as escolas, os serviços de transporte escolar, os prédios públicos, verificou-se a suspensão em parte dos procedimentos médico-hospitalares, em especial as cirurgias eletivas, tudo isso terminou por contribuir para que os municípios pudesse acumular uma economia financeira durante esse período, já que o Governo Federal injetou mais R$ 700 bilhões nos cofres públicos estaduais e municipais para enfretamento e combate ao covid.

Da frustação de receitas no exercício de 2023

Inicialmente é bom frisar que o atual governo, por força da Emenda Constitucional nº.126, de 21 de dezembro de 2022, recebeu uma chancela antecipada de recursos no aporte de R$ 145 bilhões por um ano além do teto de gastos, concedida pelo Congresso Nacional. O governo foi autorizado pelo Congresso a ter um déficit de até R$ 238 bilhões em suas contas neste ano (incluindo a chancela de recursos + furo de teto). Na semana passada, a área econômica informou que sua expectativa, até o momento, é de que o déficit fique em torno de R$ 141,4 bilhões em todo ano de 2023.

Diferentemente do que ocorreu em dezembro/2022, as contas do Governo Federal registraram um déficit primário de R$ 104,59 bilhões de janeiro a agosto deste ano, informou a Secretaria do Tesouro Nacional em 28/09.

Pesquisando os conceituados economistas e pequeno número de mídias realistas e sensatas existente no país, temos verificado algumas possíveis vertentes e razões apontadas para essa situação econômica vivenciada no Brasil, decorrentes de fatores externos e internos que não estimulam e atraem o investidor a injetar ou manter suas economias no mercado brasileiro. No aspecto externo destaca-se a notícia de que investidores tem reagido aos dados de inflação nos Estados Unidos divulgados ontem (13/09), tendo em vista os números, que vieram pouco acima do esperado, reacenderam as chances de mais um aumento de juros por lá em novembro, ao mesmo tempo, o mercado teme uma escalada do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas por longos dias, prejudicando e interferindo na economia global.

Já no aspecto interno, a politica adotada pelo atual governo em especial: a de gastar mais e arrecadar menos; a falta de perspectiva positiva e atrativa internacional de capação de recurso voltados para investimentos internos; a sequencia de fechamento negativo da Ibovespa por vários dias seguidos, elevando o número de fechamento de empresas e consequentes pedidos de recuperação judicial; a revoada de recursos financeiros que tem saído do Brasil para outros centros econômicos globais; a retirada constante de saques acentuados da poupança interna, só no mês de agosto registrou a saída líquida de R$ 10,07 bilhões, sendo o 2º maior resgate em toda a série histórica, iniciada em 1995 – o recorde para o mês se deu após as eleições de 2022, com retirada de R$ 22,02 bilhões; a inversão da politica de taxação exercida, contrária ao que se vinha praticando no Brasil até 2022, qual seja, menos impostos e mais empregos, carreada por conta da desoneração de impostos sobre vários produtos, a exemplo dos combustíveis, medicamentos, jogos eletrônicos, compras no exterior etc.;  taxação sobre grandes fortunas, prática esta que vem sendo minimizada mundo afora; corrobora ainda com esses fatores, a insegurança jurídica e institucional gerada pelas diversas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Federal – STF, usurpando pautas de deliberação exclusiva do parlamento a exemplo da liberação de drogas, aborto, marco temporal e tantos outros, em muitos casos atuando como ente julgador, legislador e executor, produzindo uma possível e insustentável instabilidade institucional entre os três poderes, deixando o Poder Legislativo de joelho e inerte a tudo isso.

Da queda das receitas em especial do FPM

Com esse atual cenário, de certa forma preocupante, termina por conduzir o país a uma possível retração econômica, e por consequência, a redução das receitas por conta da queda na arrecadação tributária, é que temos visto no Fundo de Participação dos Municípios – FPM, constituído de duas importantes fontes de receitas o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda (IR), ou seja, dois impostos taxados na produção, se há queda na produção, consequentemente haverá queda na arrecadação.

O FPM é considerado uma das principais receitas dos municípios do norte e nordeste. Por não existir uma política atrativa de desenvolvimento econômico voltada para essas duas regiões, com exceção da Zona Franca de Manaus instalada na região norte do Brasil, estas duas regiões dependem basicamente de recursos de transferências governamentais.  Enquanto as regiões centro-oeste, sul e sudeste dispõe de uma política econômica consolidada e fundamentada no agronegócio, na indústria, no comercio e nos serviços, o norte e nordeste permanecem sempre dependentes do governo central, e apostos com o pires nas mãos.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) elaborou recentemente um estudo divulgado em seu site (https://cnm.org.br/storage/noticias/2023/Links/04102023_RESUMO%20final%20crise.pdf)  em que traz diversas razões e fatores das dificuldades financeiras que atingem os municípios brasileiros, destacando que a situação fiscal dos municípios apresentou uma piora generalizada no primeiro semestre de 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior conforme levantamento realizado.

Segundo a CNM o mesmo levantamento aponta que a partir do envio das informações de 4,6 mil prefeituras para a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), 51% das cidades estavam com as contas no vermelho – o que significa que a arrecadação foi menor do que as despesas – enquanto em 2022 esse percentual era de 7%, e que alguns efeitos explicam o atual momento de crise: (i) a queda dos repasses transferidos aos municípios, como a cota-parte ICMS e a liberação de emendas federais; (ii) o aumento generalizado das despesas provocados pelo final da pandemia; (iii) defasagem e até mesmo atraso na transferências de recursos para educação, saúde, assistência social, emendas e etc.

Espera-se que haja uma retomada de crescimento econômico no país, de modo a favorecer a arrecadação, melhorando com isso as receitas municipais. Penso que o desafio é gigantesco, por vários aspectos e fatores como mencionado, implicâncias externas e internas, as quais no momento não favorece para o devido ajuste das contas públicas.

O Governo Federal sinalizou a liberação de alguns recursos para os municípios, prometendo inclusive que os municípios não receberiam menos do que recebera no ano de 2022. Até o momento isso não aconteceu, caso venha a ocorrer, com certeza minimizará a situação dos municípios, mas não resolverá a crise instalada.

Os municípios por sua vez, para enfrentar a adversidade financeira, tem recorrido à redução das despesas de pessoal, demitindo servidores contratados temporariamente, reduzindo o número de cargos comissionados, terceirizados etc.

Recomenda-se nesse momento muita parcimônia na execução das despesas publicas, a exemplo de gastos com festejos tradicionais e comemorativos, além de outras despesas não consideradas prioritárias e essenciais de primeiro momento.

A otimização na aplicação dos recursos públicos sempre será favorável para os ajustes das contas publicas.

É o nosso entendimento.