O sonho de Ícaro, imortalizado pela mitologia grega e o grande feito de Santos Dumont, foram parcialmente reeditados em Ipiaú, no ano da graça de 1970. O protagonista da fantástica história foi o dublê de mecânico e protético, Astrogildo Andrade Santos. Ele que se dava ao luxo de inventar engenhocas que lhe proporcionaram fama e lhe projetaram para a galeria das personalidades folclóricas da cidade.
Certa vez decidiu voar, contemplar das altitudes a deslumbrante paisagem do vale do Rio das Contas, sem se importar com as contas que isso lhe custaria. Nesse sentido passou a segunda metade dos anos 60, do Século XX, dividindo seu precioso tempo entre a produção de próteses de dentaduras (tipo pererecas) e a execução do projeto de uma aeronave.
A construção do famoso helicóptero se deu em uma oficina mecânica que ele havia improvisado em uma olaria próxima à Rua do Emburrado. A armação era de alumínio e um gerador em motor contínuo, fato que dispensava os combustíveis convencionais, se convertia no coração da máquina.
A “astronove”, ou seja, o “avião de Astrogildo” começou a ser alvo de comentários. O povo acompanhava de perto cada sequência do grande invento e os ventos levaram a noticia para lugares distantes. “Oropa”, França e Bahia, o assunto corria mundo.
Após gastar o correspondente ao preço de um carro novo, Astrogildo apresentou a sua invenção no Parque José Thiara. A nave se tornou a grande atração da Exposição Agropecuária de 1970. O primeiro voo foi anunciado. A decolagem seria a partir do areão dos Dez Quartos, à margem do Rio das Contas. Uma multidão compareceu ao local e a engenhoca foi movimentada, ganhou velocidade e depois parou. Parou por quê? Astrogildo disse que a Petrobrás, não permitiu. Talvez a empresa estatal temesse a concorrência, já que a astronave era movida com outro tipo de energia. Frustrava assim o sonho do nosso Ícaro.
A noticia foi divulgada no jornal A Tarde e, conforme contou Astrogildo, engenheiros estrangeiros (americanos, japoneses), tentaram convencê-lo a vender a tecnologia desenvolvida na sombria olaria do Emburrado. Até insistiram para que o modesto inventor deixasse Ipiaú e ingressasse nas suas equipes multinacionais. Perderam tempo. O bairrismo falou mais alto e o criativo Astrogildo preferiu continuar com a missão de fazer dentaduras, garantir sorrisos e mastigações às bocas banguelas dos seus conterrâneos. O avião permaneceu durante muitos anos no local onde foi construído. As crianças que moravam nas imediações iam até ele e pilotavam seus sonhos e fantasias pelos céus da imaginação. (Giro/José Américo Castro)