Exagerado, o verso de Cazuza enquadra-lhe bem”, disse Osires Vieira Rezende (Zarú) ao referir-se ao refinado intelectual Antonio José Pinheiro que ao mesmo tempo era o debochado “Zebrinha”, uma figura que muita gente de Ipiaú jamais esquecerá e terá sempre uma história a contar. Homossexual assumido e escancarado, ícone das orgias locais, sincero, apaixonado, objetivo, sarcástico, criativo, escandaloso, demolidor, clássico e folclórico, Zebrinha era assim, em preto e branco e a cores, exagerado em todos os sentidos. Amado e admirado por muitos, temido (quando resolvia aprontar), por todos, Zebrinha escandalizou tudo e de todo o jeito.
Seus detratores eram de imediato enquadrados como homossexuais enrustidos, travestidos de machões e varões de Plutarco. Ninguém lhe escapava. Certa vez um delegado de policia, de nome Calazans, ousou lhe prender e se arrependeu amargamente dessa audácia em nome da lei, pois sua autoridade policial foi ridicularizada numa série de caricaturas coladas nos muros da cidade e intituladas de “Zans-Trans: o Delegado”.
As festas do Rio Novo Tênis Clube sempre acabavam com um show de Zebrinha (botas de caudilho, cachecol esvoaçante, cravo vermelho na lapela) e seu séquito depravado. Dessa maneira também acontecia nas micaretas, exposições, festejos de São Roque, nos bares, na barraca de Zé de Moraes, no Galo Vermelho e em tantos outros lugares da escandalizada Ipiaú dos anos 70 e 80.
Zebrinha escandalizou até depois de morto. Não queriam que seu corpo fosse velado na Casa Paroquial, pois sabiam que naquela noite de sentinela ia rolar de tudo. Seus amigos insistiram e, após um acordo com a cúpula eclesial, o velório ocorreu no local, mas somente durante o dia, antecipando assim o momento do enterro. Na hora do sepultamento Tadeu Ribeiro discursou, soltou as frangas contra o pároco de plantão.
No sobrado da Rua Siqueira Campos, esquina com o Beco de Ornellas, Zebrinha reinava absoluta. A noite zumbideira descia em aspirais sonoras delirantes, enquanto a orgia rolava solta. Lane Dale, Dzi Croquettes, Veras, Leão, João Kleber e outras celebridades se misturavam aos nativos da periferia da cidade e aos malucos da porta do cinema, um cortejo infindável de bacantes. “Deledel”, que por motivos óbvios não tinha acesso ao local do auê, ficava lá em baixo, ao pé da torre, implorando, gritando: -Joga as tranças Rapunzel, joga as tranças Rapunzel… Zebrinha respondia: “Vá embora Delendas, esse meio não te pertence…
Quando a Seleção Brasileira perdeu a decisão da Copa do Mundo de 1982 (na Espanha) Zebrinha, todo de preto, se fantasiou de “Viúva de Telê” (o treinador) e foi aprontar na Praça Rui Barbosa. Os que choravam a derrota do escrete nacional acabaram sorrindo, curtindo aquela ironia. Suzi Caramelo apelido que ele deu a “Bocão”, estava ao seu lado, valorizando a curtição, revelando-se excelente coadjuvante. Vulgaridades à parte, Antônio José Pinheiro era um extraordinário intelectual e acima de tudo uma maravilhosa figura humana.
Quando Ipiaú completou 50 anos ele promoveu no Rio Novo Tênis Clube uma exposição de artes plásticas que reuniu alguns dos mais brilhantes artistas baianos, a exemplo de Carlos Bastos, Gilson Rodrigues e Luis Jasmin. Foi uma rara oportunidade de a cidade contemplar algumas das suas obras. Seu traço, elaborado, pesquisado, anárquico,
delicado e de muito bom gosto, era fiel à sua concepção estética de sublimação do belo.
Antonio José Pinheiro (Zebrinha) foi o mais importante artista plástico de Ipiaú. “Uma perola de poesia e criatividade, refinamento e cultura. Um exemplo de Dorian Gray (personagem de Oscar Wilde) que o tempo não
teve o prazer de ver envelhecer”. Sua arte explica melhor sua existência. Dizem que não morreu, virou purpurina, rodopiou nos ares e depois misturou-se ao pó da terra. (Giro/José Américo Castro)