Aos domingos, antes da sessão soirée no Cine Éden, a rapaziada se concentrava na Praça Rui Barbosa para paquerar, discutir futebol e ouvir piadas contadas por Patêca. No repertorio: aventuras ingênuas, conquistas gratuitas, trapalhadas do povo da roça, cinderelas desiludidas, dias de galã, caricaturas do cotidiano. Era ele o protagonista de cada caso. As empregadas domésticas caiam nas armadilhas dos seus galanteios que também impressionavam as moças da classe média e até beldades das elites.
Nos cortejos às ingênuas donzelas, Patêca apresentava-se como industrial, empresário, artista, ou simplesmente herdeiro de fortunas. Dizia ser filho de alguma autoridade, preferencialmente prefeitos, sobrinho do governador Lomanto Junior e amigo de celebridades artísticas. A uma turista carioca se passou como vizinho de Gal Costa e primo de Caetano Veloso.
Adotava o nome de Liedholm, jogador da Suécia que marcou o primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1958 contra a Seleção Brasileira. Prometia “mundos e fundos”. Nas cidades vizinhas também bancava o maioral, aplicava sua capacidade de convencer. O mesmo acontecia quando acompanhava a Seleção de Ipiaú nos jogos do Campeonato Intermunicipal em lugares mais distantes.
“Mirinho”, “Barata” e “Sossiveno”, atletas do Fluminense de Homero, time mais famoso de Itagibá, recebiam por seu intermédio fictícias propostas de grandes clubes nacionais. Prosperino W da Silva, primeiro prefeito de Barra do Rocha, não ficava fora das anedotas e o seu primo Zuti ganhava destaque de fiel escudeiro, parceiro nas inúmeras façanhas.
Charlatanices, invencionices, gargalhadas gerais, Patêca reinava absoluto naquelas noitadas da Praça Rui Barbosa. Era no tempo da Jovem Guarda. Roberto Carlos cantava: “Olha o Brucutu… A Ditadura Militar endurecia, caçava comunistas, estabelecia a censura, torturava rebeldes. Um agente das forças repressivas se passava pelo doido “Dor de Barriga”, e investigava tudo na cidade. A galera no jardim, em frente às portas do Éden, não se importava com nada disso, apenas queria rir. Patêca era o centro das atenções.
Segunda-feira de manhã ele já estava no balcão da Casa Vitória, propriedade do seu cunhado Nel Matos, atendendo a freguesia de secos e molhados. Enquanto trabalhava contava piadas. Dunga, João, Fontoura, Marialdo e outros mais chegados, entravam no elenco das suas personagens. Quando a coisa tava demais seu Nel dava uma bronca, mostrando que durante o expediente não se brinca.
Patêca trabalhou na Casa Vitoria por cerca de 50 anos. Nos períodos de férias viajava para rever parentes em São Paulo. Viu o rei Pelé jogar na Vila Belmiro e também assistiu aos espetáculos do fenomenal Mané Garrincha. Passeou de bonde, curtiu os agitos da “paulicéia desvairada”.
Observando Didi, um dos mais elegantes meio-campistas da história do futebol, aprendeu a técnica da “folha seca “que aplicava nos babas do Rio Novo Tênis Clube e no campinho ao lado da Maçonaria. Patêca torcia pelo Ipiaú Esporte Clube e não perdia um clássico contra o rival Independente. Ainda preserva a paixão pelo futebol torcendo pelo Bahia. Acredita que o “tricolor de aço” conquistará mais um titulo nacional.
Seguindo a tradição da família frequentava a 1ª Igreja Batista de Rio Novo, ficando atento às pregações do pastor Paulo. Não deixava de inventar alguma piada após o culto.
No famoso Circo Nerino, Patêca conheceu o palhaço Picolino que muito influenciou seu talento humorístico, e se encantou com Alicinha, destaque entre as estrelas do picadeiro. Observando a sua capacidade em inventar piadas o dono de outro circo chegou a lhe propor emprego. Patêca nasceu na Fazenda Monte Amor, município de Itagibá, sendo o mais velho dos seis filhos do agricultor Severiano Correia e sua esposa Jardelina. O casal lhe deu o nome de Samuel Correia. Ninguém sabe por qual motivo dona Jardelina colocou em seu primogênito o apelido que o celebrizou.
Um dia, na porta do cinema, Patêca conheceu Jailma Pires. A moça fez seu coração brincalhão bater de uma maneira diferente. Depois de um tempo de namoro aconteceu o casamento. Tiveram três filhos: Lorena, Laércio e Samuel Filho. Presepadas paternas foram herdadas pelos dois meninos. Há 30 anos a família vive unida e em paz numa modesta casa na Rua A do Bairro Constança, em Ipiaú. A situação não é melhor porque uma grave doença atingiu Patêca.
Aos 77 anos de idade ele luta contra um câncer de próstata que foi detectado há mais de uma década. A enfermidade lhe deixou fisicamente debilitado, alterou sua rotina de vida, mas não abalou seu bom humor. Quando chega ao Hospital Manoel Novaes, em Itabuna, para as sessões diárias de rádio e quimioterapia é recebido com alegria pelos demais pacientes. Chamam-lhe de “Samuca” e encontram nas suas piadas um bom motivo para elevar a auto-estima.
Médicos e enfermeiras reconhecem sua importância no processo de cura de toda a turma, inclusive dele próprio. As lastimas são anuladas pelas gargalhadas. Patêca conta piadas, mostra na simplicidade de sua alegria a voluntariedade de um espírito grandioso. Deus lhe abastece de amor, humor e esperança. *Por José Américo Castro