Ágil, irrequieto, buliçoso, atrevido, cheio de reboliços. Antônio Gomes da Silva é tudo isso e muito mais. O apelido de “Caxinguelê, define perfeitamente o seu modo de ser. Olhos atentos a todos os movimentos, esperto, criativo e atrevido. Antes lhes chamavam de “Periquito, o que também tinha certo sentido, mas prevaleceu o esquilo. Ipiaú vivia os tempos áureos do seu futebol quando ele chegou de Itabuna com fama de bom de bola.
Se apresentou no fabuloso time do Independente Esporte e Cultura, arrasando no primeiro treino. Correu, driblou, fez gol, encheu os olhos de todos. O veloz Waldir (Di), titular da ponta direita ficou preocupado com a possibilidade de perder a posição quando soube que Jaime Cobrinha, diretor de futebol, havia recomendado a contratação do novato. Mais prudente, seu Edval, o treinador, pediu um tempo para melhor avaliar a promessa grapiúna.
A primeira impressão não foi a que ficou. No treino seguinte Caxinguelê pipocou, pisou na bola, frustrou as expectativas. Escalado no elenco titular, ao lado de Gajé, Bueirinho, Tanajura e outros craques lendários, ele teve como marcador o viril lateral Zé Branco. E este chegou junto, não lhe deu trégua, nem tempo de sassaricar.
Caxinguelê tocava na bola e era logo desarmado. Zé Branco lhe cutucava, peitava, arremessava no alambrado. Diante da marcação pesada o jeito foi pedir clemência. Chegou pra Zé Branco e disse: – Pega mais leve porque eu tou cheio de verme -. Em seguida pediu pra ser substituído e mudou de ramo. Virou roupeiro. Daí chegou à condição de massagista em outros clubes, pois no Independente a função era de Américo Pintor.
Antes mesmo do time entrar em campo ele já estava no gramado protagonizando suas patacoadas. Galhos de pião roxo, folhas de arruda, queima de pólvora, simulações de descarrego… Foclorizava à torto e à direito. E desse modo foi convidado a trabalhar na Seleção de Ipiaú que então desfrutava excelente conceito no campeonato Intermunicipal. Suas catimbas eram fundamentais em determinadas situações.
Certa vez no Estádio Pedro Caetano o escrete ipiauense ganhava por 1 X 0 e precisava do resultado para obter a classificação e seguir em frente no certame. O jogo estava tenso com o adversário crescendo nos minutos finais. Quando um dos principais jogadores da equipe local foi derrubado e parecia gravemente machucado, o técnico Chinesinho deu ordem para Caxinguelê entrar em cena. Os maqueiros não apareceram e o atendimento do massagista se prolongou na famosa ‘cera’. Caxinguelê é pressionado pelo arbitro a sair imediatamente do campo. Obedece e se retira correndo, mas antes de chegar na linha divisória finge que tropeça, joga a caixa com gelo para o alto e cai gritando de dor. Não contavam com a sua astúcia.
Sabendo que era teatro, os jogadores de Ipiaú arrodeiam o massagista, solicitam atendimento médico e impedem que lhe toquem. Os maqueiros continuaram sumidos. Começou a escurecer. A falta de refletores no estádio não permitiu os descontos da paralisação e sob protestos da equipe adversária a partida foi encerrada. No barzinho em baixo da arquibancada, Caxinguelê comemorou o feito. Bebeu todas, contou altas vantagens.
Em outro jogo do Intermunicipal, na casa do adversário, quase apanhou de um torcedor que invadiu o campo e tomou os apetrechos com os quais simulava um despacho. Quando veio treinar a Seleção de Ipiaú o disciplinador Geraldo Pereira exigiu que Caxinguelê parasse com tais presepadas, conscientizando-lhe de que não devia cutucar o diabo com vara curta.
Caxingelê também fez história na política. Animou comícios em Ipiaú e Ibirataia, ajudando a eleger, respectivamente, os prefeitos Hildebrando Nunes Rezende e José Antônio. Dividia a cantoria com Messias e quando entoava o refrão: ”Hildebrando é gente fina ôôô…”. A multidão vibrava fazendo o coro.
Galvão o poeta dos Novos Baianos, foi candidato a deputado federal pelo PMDB, na eleição de 1982. Chegou a Ipiaú para participar de um comício e ficou mais tempo do que havia planejado. Foram quase vinte dias, mantendo contato com a malucada, batendo baba no areão do Arara, curtindo as ondas locais. Seus principais cabos na cidade eram Caxinguelê, Barãozinho e eu. Num carro de som Caxinguelê propagava a exótica candidatura: “Vote em Galvão e ganhe um morrão. É ele o candidato da massa”. Galvão perdeu a eleição, mas ganhou em Ipiaú nada menos que 300 votos. Somente em Salvador e Juazeiro, sua terra natal, obteve uma votação mais expressiva.
Antes de ir para São Paulo, onde mora atualmente, Caxinguelê ingressou numa religião evangélica. Vestiu terno, gravata, adotou um jeito pastoral e sempre era visto com uma Bíblia na mão. Certamente continua na fé cristã. Assim aproximou-se do artista itagibense Waldomiro de Deus, grande referência da pintura nacional.
Do futebol, Caxinguelê nunca se afastou. Fez amizade com atletas profissionais e até colocou-se à disposição de equipes de veteranos. Uma foto lhe mostra com o tradicional uniforme de massagista ao lado de Ademir da Guia (da inesquecível academia do Palmeiras) e outros jogadores históricos, em um jogo dos Amigos do Eduardo Araújo. Faz tempo que não vem a Ipiaú, esperamos um dia revê-lo.*Por José Américo Castro/GIRO.