Corria o fatídico ano de 1964, tempo em que o Brasil mergulhava nas trevas do autoritarismo militar e o prefeito Euclides Neto ousava implantar o socialismo em Ipiaú, quando chegou, por estas bandas, um sujeito chamado Gildásio Batista Santos. Vinha de lá da beira dos mangues de Camamu, com aquele jeito de que tinha planos de ficar. E ficou.
Fincou residência na Avenida São Salvador, perto de Léo Carpina, quase defronte a casa de seu Spinola, onde hoje funciona o Bar de Valtemir, e por ali permaneceu durante 18 anos. Exercia a profissão de ferreiro, auxiliando seu pai, Antenor Batista Santos, em uma tenda na esquina da Praça Antonio Linhares com a Rua Celso Barreto. A freguesia não era de tudo farturenta, mas dava para tirar os trocados do gasto.
De vez em quando alguém levava uma bicicleta quebrada pra ele dá um jeito. E assim foi pegando gosto pela coisa. A fama de consertador de bicicletas se espalhou pela cidade e quando Gildásio percebeu, já tava envolvido até a alma no negócio. O jeito foi montar uma pequena oficina, ao lado da sua casa, na Avenida.
A tarefa de consertar bikes aguçou a vontade de usá-las. Descobriu o prazer de pedalar. Percorria ruas, estradas, ia longe, até em outras cidades da região. Na maioria das vezes viajava sozinho, com seus sonhos e pensamentos. Fazia manobras radicais, pedalava de costas, participava de competições, chamava a atenção de todos com sua Monark incrementada.
Nas pedaladas, inclinava o corpo à esquerda, num estilo todo seu. Assim de banda tirava onda. A magrela era cheia de acessório: micro lâmpadas, três buzinas, quatro espelhos retrovisores, farol à dínamo, bagageiro enrolado com fitas plásticas. Sobre o pára-lama dianteiro uma imagem de São Jorge, de quem era devoto. A cada dia ganhava um novo enfeite. Em homenagem ao santo guerreiro colocou o nome de um dos seus filhos. Jorginho, como era conhecido o garoto, se tornou um grande percussionista e faleceu em acidente automobilístico.
Em dois casamentos Gildásio teve nove filhos. Com dona Iraci da Silva foram seis: Gildésio, Gilda, Jurandir, Gildádio Filho, Jorge e Lívia. Do segundo casamento, com dona Railda Pereira, vieram Antonio, Ramon e Geisa. O mais velho desta prole: Antonio Pereira Santos, mais conhecido pelo apelido de Juninho, tem 22 anos, e já ingressou no ensino superior, cursando a Faculdade de Engenharia Eletromecânica.
A criatividade de Gildásio rendeu à bike o apelido de “Bumba Boi”. A cada dia ela ganhava mais acessórios. Chamava mais atenção, contribuía para que seu dono ocupasse espaço no folclore ipiauense e ganhasse fama no rol da presepada. Com o dinheiro que faturou consertando bicicletas, Gildásio comprou um Jeep. Dirigia o veiculo com a mesma postura que pedalava a bicicleta. Paquerava de montão, curtia pra caramba.
Igual a Gildásio existem, em diversos lugares, outras pessoas que adoram um bicicleta enfeitada. Uma das fotos que ilustram este texto mostra um cidadão de Salvador com seu cobiçado objeto de desejo participando da festa da Lavagem da Igreja do Bonfim.
Tudo tem seu tempo. A juventude ficou pra traz, no passado, visível apenas no retrovisor da recordação. Hoje aos 77 anos de idade, Gildásio reside no final da Avenida Getúlio Vargas, trecho da Rua do Sapo, vizinho ao prédio do Reciclão, onde funcionou o primeiro laticínio de Ipiaú. Está aposentado, torce pelo Flamengo e não perdeu a mania de pedalar. Três bicicletas fazem parte do seu patrimônio. Ainda se acha capaz de manobras radicais, mas a prudência recomenda que é melhor não se arriscar. *Por José Américo Castro/GIRO