Os jogos emocionais para além de uma conduta isolada, podem também revelar as influências socioculturais por trás desse comportamento.
Desde que passamos a aprender sobre relacionamentos românticos, os jogos emocionais fazem parte dos recursos de conquista. Os filmes e novelas com a clássica cena da mulher que performa a queda do seu lenço ao chão como sinal de interesse no homem, era um indicativo de sua disponibilidade e abertura para ser cortejada, já que as mulheres viviam em uma época em que deveriam ser discretas em suas intenções, para que fossem bem vistas socialmente. Assim, a mulher assumia a posição de caça e o homem de caçador, e ambos estabeleciam suas fantasias de conquista e sedução.
Mas, estamos falando de um tempo em que as mulheres deveriam ocupar uma posição passiva na sociedade, afinal, não era apenas no relacionamento amoroso que ela deveria aguardar ser escolhida e aprovada por um homem, mas em todas as esferas sociais. Lembrando que aqui estamos falando apenas de relações regidas por padrões heteronormativos e monogâmicos, que eram as relações que possuíam validação e visibilidade na época.
Atualmente com muitas transformações geracionais, a posição da mulher na sociedade passa a mudar, os lugares que ela consegue ocupar e a possibilidade de fazer escolhas e tomar atitudes nas diversas esferas de sua vida, mudam a posição subjetiva de como essa mulher também passa a ser vista e dos mecanismos de conquistas utilizados agora nas relações.
Nesse contexto, as mulheres passam a exercer e a experimentar uma posição mais ativa em seus interesses relacionais e sexuais, e os homens passam a ter que lidar com essas mudanças, que atingem diretamente seu senso de controle da situação e dos corpos femininos, muitos deles passam a sentir a sua virilidade e masculinidade em um contexto ameaçador, sentindo-se inseguros ou desmotivados. Para muitos homens, ainda é muito difícil aceitar e lidar com mulheres que bancam o seu próprio desejo.
Em meio a tantas mudanças ocorrendo e a facilidade de relações casuais, nos deparamos com a explicação do filósofo Zygmunt Bauman para este tempo, a de que vivemos uma modernidade líquida, em relações mais fluidas, estabelecidas de forma superficial, sem profundidade nas trocas e onde a única certeza são as mudanças rápidas que podem ocorrer, onde os relacionamentos escorrem entre os dedos. Afinal, sem diálogos, conhecimento real sobre o outro e acordos claros, não se pode estabelecer uma relação com vínculos seguros e responsáveis. E é justamente nesse ponto que se justifica a ausência da responsabilidade afetiva que muitos se queixam em meio a essas relações.
Nesse cenário de muita performance relacional e pouco conhecimento sobre o outro, os jogos emocionais vão moldando essa nova forma de interação que é facilitada pelas redes e aplicativos virtuais, onde cada um mostra um recorte forjado da realidade.
Os comportamentos dos jogos emocionais já se tornaram conteúdo crescente de consumo na internet, tanto em vendas que ensinam a aplicar técnicas de conquista baseada nesses jogos, quanto para reconhecê-las quando são aplicadas. Enquanto muitas mulheres se empenham em aplicar técnicas que tem como objetivo seduzir e manter homens em relacionamentos a longo prazo, os homens aplicam técnicas de conquista a curto prazo e de baixa manutenção, para estabelecer relações casuais, esporádicas, ou até relacionamentos sérios onde em alguns casos, alimentam a fantasia de várias mulheres ao mesmo tempo sem que nenhuma delas saibam umas das outras.
Ao analisar esses eventos é possível perceber que por mais que mudanças tenham ocorrido em nossa sociedade no que diz respeito a liberdade de escolha das mulheres, ainda existe uma forte influência do domínio masculino na construção dessas relações heteronormativas, seja na forma como se relacionam casualmente ou em relações com pactos de monogamia.
As mudanças seguirão acontecendo, os desejos das pessoas seguirão circulando, mas certamente performar jogos emocionais só criará barreiras ainda maiores dentro dessa busca efêmera por vínculos afetivos.
No final das contas, todos querem ser amados e desejados, mas é preciso lembrar que o amor só acontece com o que sobra depois que as fantasias desmoronam. Sem pactos honestos e transparentes não é possível haver amor.
Simone Souza é formada em História e Psicologia, possui especialização em psicopatologia clínica, pós-graduação em Psicanálise, Parentalidade e Perinatalidade. Atualmente também é pós-graduanda em Neuropsicologia. Realiza atendimentos clínicos com o público de adolescentes e adultos em sua clínica – Espaço Curar, com uma equipe multiprofissional que abrange a saúde mental, fisioterapia, nutrição e estética dermato e orofacial. Para agendamentos, entre em contato via WhatsApp : (73) 998336007