Giro Ipiaú

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Jeré, o titã dos lábios de brasa

Foto: Arquivo

E o gigante tombou na senda da existência. Tinha algo de Atlas, o titã, e muitas vezes se mostrava como o próprio Rei Zulu, com sua nobreza tribal, pelas ruas de Ipiaú. Perambulando, aprontando, filosofando, aplicando pegadinhas, confirmando que “o doido vê a vida pelo ponto de vista original”, ele resistiu com bravura àquele suplício, mas, por não ser eterno, tombou! Não suportou o peso que lhe impuseram. Sexta Feira da Paixão, dia 18 de abril de ano de 2014, após algum tempo internado no Hospital do Estado (HGI), Jeremias Almeida Oliveira, o descomunal “Jeré”, expirou.

Saía da cena do cotidiano da cidade mais uma personalidade folclórica. Agora é só história, memória. “Cadê a liberdade de imprensa Zé? Perguntava toda vez que me encontrava. Eu tinha que admitir que a tal liberdade continuasse engessada e restrita, devido ao comprometimento da mídia com os interesses de grupos empresariais e de políticos que insistem em camuflar a verdade nas emissoras subvencionadas com verbas públicas.

Grande Jeré, figuraça! Jorge Camafeu o descreveu com precisão:- corpanzil de negro estivador, calção abaixo da linha da cintura, peito desnudo, lábios avermelhados, brasas vivas’. Lambada de serpente, tal qual cantava na “noite fria, tempo quente”. (José Américo Castro / GIRO)

Personalidade Folclórica de Ipiaú: As artimanhas do incrível Chupilha

Bem que seu Amâncio e dona Joana procuraram criar Aurenito no bom caminho. Fizeram-no freqüentar a Igreja Batista, ouvir as pregações do pastor Abílio e ler a Bíblia todos os dias, além de providenciarem seu ingresso no internato do Colégio Taylor Egidio, em Jaquaquara. No entanto, nem os conselhos paternos, nem a doutrina cristã e muito menos o exemplo de probidade e honradez do professor Carlos Dubois, “o lapidador de homens”, deram jeito no rapaz. Proveitosas mesmo foram as aulas extracurriculares da professora Stela Câmera (musicista e teatróloga) “que faziam o Taylor Egidio cantar, sonhar e sorrir”.

Os belíssimos corais e peças teatrais marcaram a vida dos alunos, tornando o estabelecimento uma experiência inesquecível. Foi nessa pegada artística que Chupilha aperfeiçoou seus dotes de ator e descobriu o talento de tocador de gaita que exibia nas incontáveis farras e servia de trilha sonora ao extenso repertorio de piadas. Cômico, dramático, Chupilha escreveu em linhas tortas o que considerava certo, mesmo sabendo que “malandro demais se atrapalha”. Seus causos ainda são lembrados, contados e até estudados. Vamos a eles.

Chupilha tinha muita semelhança física com o pastor José Sales, homem de caráter ilibado e fama de grande pregador evangélico. Certa vez, em Ubatã, alguns membros da Igreja Batista avistaram Aurenito e o confundiram com o líder religioso. De imediato formularam convite para fazer uma pregação no culto que se realizaria na noite daquele mesmo dia. O convite foi prontamente aceito e o desempenho teológico do suposto pastor obteve o reconhecimento de toda a irmandade que, em gratidão, providenciou uma coleta (a popular vaquinha) repassando-a ao sósia de José Sales.

Quando a farsa foi descoberta Chupilha já estava em Ipiaú gastado a grana em atos profanos nos botecos da Rua do Sapo. Outro caso: Seu Amâncio era dono da Fazenda Oceania que também já foi de Urbano Cem Contos e hoje pertence ao empresário e ex prefeito José Mendonça. Nessa fazenda o respeitável senhor criava um boi de arrasto chamado “Mimoso”.

Um dia Aurenito botou a canga no bicho e passou a realizar alguns serviços que seu Amancio pretendia. O feliz fazendeiro achou aquilo bom demais e até elogiou a iniciativa voluntaria do filho caçula. No dia seguinte, ao vistoriar o rebanho, seu Amâncio deu por falta de “Mimoso”. Após rápida investigação ficou sabendo que o animal tinha sido arrastado com canga e tudo para o matadouro e a sua carne já estava em algum açougue da Praça da Feira.

Falando de carne contaram-me que Chupilha tinha dentre seus vizinhos mais próximos um casal cuja libido era um tanto escandalosa. Parede e meia ele ficava ouvindo aqueles ruídos da luxuria. Não durou muito tempo esse batente, pois o casal mudou de endereço e Chupilha ficou na mão. Algum tempo depois encontrou o ex-vizinho e foi logo reclamando: ”Que falta vocês estão fazendo naquela rua. Era aquela chiadeira, aquele ui ui ui, que me estimulavam a ter prazer!

A extraordinária competência de Chupilha como corretor de imóveis permitiu que ele vendesse um mesmo terreno a oito clientes diferentes. É da sua autoria o nome de “Má Rapado”, dado a uma rua da periferia de Ipiaú. Nesse local ele vendia alguns lotes para habitações populares e buscando melhorias para a área solicitou ao prefeito Zequinha Borges que ali realizasse um serviço de terraplanagem. O pleito foi atendido, mas sem o devido esmero. Ao constatar o armengue administrativo, Chupilha, cheio de espirituosidade, definiu: “ta má rapado igual aos pentelhos dele”. Com tanta artimanha Aurenito não poderia ficar fora da política ipiauense.

Candidato a vereador, participava de um comício na Rua do Cruzeiro quando no auge da emoção foi dizendo em seu discurso: “Vejo esse povo e fico tão emocionado que até sinto arrepios nos cabelos… ” Antes de completar a frase, um gaiato, ao pé do palanque, gritou:- do c… Sem perda de tempo Chupilha retrucou:” da tua mãe f.d.p! Em mais outro caso, dizem que ao entardecer de certo dia alguém procurou o famoso corretor com o intuito de comprar, às pressas, tipo “urgência urgentíssima”, uma fazenda de gado. Horas depois, sob o clarão da lua cheia, estava Chupilha e o pretenso pecuarista num mirante admirando uma baixada cheia de rezes branca.

Entusiasmo com a visão o precipitado cliente fez questão de efetuar a transação naquela mesma noite. Na manhã seguinte a escritura do imóvel foi lavrada em cartório. À tarde, o comprador resolveu verificar de perto a sua nova propriedade e chegando lá constatou que ao invés de gado no pasto tinha era muita pedra pintada de cal. Enorme era a capacidade de Chupilha em ser querido. Até mesmo suas vitimas mais prejudicadas não conseguiam odiá-lo.Um Sete Um” de verdade é assim mesmo! Nem sempre o pau que nasce torto morre torto.

Quando a necessidade exige ele se alinha e fica no prumo. Chupilha mudou de vida, sossegou. Hoje mora em São Paulo, tem o aconchego da família, filhos que lhe acolheram e amam com intensidade. Religou-se à doutrina cristã, voltou aos estudos teológicos. Sentado no trono de um apartamento, assiste televisão, toca violão, ler o “Estadão” e outros jornais de Sampa. Curte a garoa e vive numa boa. Quando lembra de Ipiaú: “ui ui ui, chega chora”! (Giro/José Américo Castro).

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Chico do Jornal

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Antonio Francisco Menezes, ou simplesmente “Chico do Jornal”, mantêm o mérito de ter sido o principal e mais famoso jornaleiro de Ipiaú, e região. Sorriso largo, andar apressado, gingado de velho marinheiro, embora nunca tenha navegado, ele é prato pra todo papo: política, esportes, religião, segurança pública, diversão e arte. Um jornal em forma de gente. Tinha apenas 15 anos quando abraçou a profissão que lhe rendeu alguns trocados, muitos amigos e a condição de personalidade folclórica da cidade.

Nunca teve carteira assinada e muito menos gozou férias, mas nada disso lhe fazia esmorecer. Percorria as ruas, antecipava aos leitores as notícias impressas nos periódicos, manifestava sua opinião e não poupava criticas aos que bem as mereciam. O ex-prefeito José Mendonça, a quem chama de “doido” foi um dos seus alvos prediletos. Quando o assunto é futebol, Chico não esconde sua paixão pelo Vasco da Gama, embora tenha que admitir que o time carioca anda mesmo “caindo das pernas’.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Chico lembra que foi o saudoso comerciante Pedro Cardoso, da Livraria Brasil, quem lhe arranjou o primeiro emprego. “No mês de dezembro de 1976, comecei distribuindo o jornal A Tarde e não parei mais. Fiquei entregando A Tarde durante 29 anos e trabalhei com vários representantes comerciais desse jornal em Ipiaú. Também vendi o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo, o Estadão, Tribuna da Bahia e muitos outros. Já houve tempo em que eu saía com 150 jornais e vendia tudo em poucas horas’, recorda. O volumoso fardo era equilibrado na cabeça e parecia não pesar.

Chico acelerava os passos, o suor corria no rosto, encharcava o corpo, e a energia se redobrava, num percurso de aproximadamente 20 Km que fazia diariamente, por toda a cidade. As notícias da morte de Clériston Andrade, em 1982, do Plano Cruzado, com a tabela dos preços, em 1986, e da instalação da Assembleia Constituinte, em 1988, ganharam mais repercussão na voz de Chico do que nas paginas da grande imprensa. A mais badalada de todas foi a chacina no Complexo Policial de Ipiaú, quando os taxistas invadiram o prédio e executaram cinco assaltantes.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

O advento da internet impôs novos hábitos ao público leitor que aos poucos foi abdicando do jornal impresso, já que é muito mais cômoda a leitura no computador. Chico buscou alternativas de sobrevivência, ingressou em outra profissão. Há cinco anos presta serviços para o município como vigilante noturno do Posto de Saúde Elvidio Santos. A mudança dos tempos, com todo o avanço tecnológico, não mudou o jeito de Chico. Ele continua o mesmo: ligeiro, conversador, trabalhador, devoto de São Roque e amante da sua cidade. “Pra mim, Ipiaú é a melhor terra do mundo”, arremata com muita convicção. (Giro/José Américo Castro).

A hora e a vez de Ailton Gospel

Só para situar: A dupla de cartunistas norte-americana William Hanna e Joseph Barbera, criadora da empresa Hanna-Barbera, tem entre seus personagens de desenho animado uma hiena, de nome Wardy, cuja principal característica é ser altamente pessimista. Ao contrario das outras de sua espécie, Ward quase ou nunca ri e nitidamente é marcada pelas frases: – Oh dia! Oh azar! Isso não vai dar certo. A hiena Ward forma dupla com um leão armador chamado Lipi que vive tentando se dá bem. Sem o cacife de Hanna-Barbera, mas com a criatividade que Deus lhe deu e Ipiaú confirmou, João Araújo, o homem do “Programa de Calouros”, ou “Show de Talentos”, produziu uma dupla bem parecida com aquela criada pelos gringos.

Ailton Gospel e Sidney Magal (o genérico) não são assim tão amigos, mas estão sempre unidos pela rivalidade no palco. O povo escolhe um ou outro. Quando a escolha não recai em sua pessoa, Ailton reclama tanto que João sempre busca um jeito de agraciá-lo, entretanto mesmo ganhando ele continua reclamando. Magal no seu estilo “Lipi” fica lá no “Má Rapado”, curtindo todas.

Foi no grito, nas lamentações e reclamações que Ailton apressou essa crônica. Eu queria fazer algo melhor, mais digno da sua grandeza folclórica, mas a pressão era tanta que não teve alternativa. Diz o ditado que apressado come cru, então vai esse prato no dia do aniversário dessa grande figura.

Ailton Bispo da Silva, nasceu do outro lado do rio, no município de Itagibá, precisamente na fazenda de dona Branca Pereira, em frente ao Areião do Arara. Lavou carros, concluiu o ensino fundamental e na mais pura das invocações descobriu o dom de cantar.

No ano da graça de 1986, em plena Festa de São Roque, estreou no Programa de Calouros. O tipo meio tímido, as insistências e desafinos apontavam que o seu destino era por ali mesmo. O povo gostou, se divertiu. Nos anos seguintes a presença de Ailton se tornou imprescindível no espetáculo.

Criou fama, virou figura típica da Rua Dois de Julho, ingressou no folclore de Ipiaú e se declarou torcedor do Flamengo. Sabendo que tudo no tempo é passageiro, Ailton aproveita boa parte do seu tempo passeando nos ônibus que fazem o transporte coletivo urbano deste município. É turista em sua própria cidade. Nessas viagens ele busca avistar, pela janela, a mulher que tanto procura.

Ailton quer uma companheira de qualquer jeito, embora tenha sempre alguém querendo contrariar essa fixação. Ele lamenta a azaração, jura que é perseguição, acusa os desafetos, aguça o protesto, ameaça recorrer ao Ministério Publico. “Com sentimento não se brinca”, adverte.

Brincadeira ou verdade o certo é que algumas mulheres já lhe paqueraram. Acontece que algo sempre atrapalha. Oh dia! Oh azar! Isso não vai dar certo… Tem um momento que as portas se abrem e tudo de bom acontece. Quem sabe hoje seja a hora e a vez de Ailton realizar esse sonho. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Feliz Aniversário grande cantor. (Giro/José Américo Castro)

Vitalina: a Rainha do Celestina

Foto: Arquivo

Igual a ela só ela mesmo, se existiu outra foi contrabando do Paraguai. Entretanto não existiu, pois era única. Energizada, vitaminada, virada num traque, tal qual cobrinha junina, Vitalina Maria de Jesus era muito mais do que o seu corpo franzino, na baixa estatura, poderia sugerir.

Era a própria vitalidade. Severidade, pontualidade no trabalho, responsabilidade com o dever atribuído, foram traços marcantes do seu caráter. Chegava junto, rente igual a pão quente. A profissão de zeladora não cabia tão bem em outra pessoa.

Quem estudou no Grupo Escolar Celestina Bittencourt, entre 1959 e 1990, sabe disso com certeza. Vitalina não media esforços para manter a ordem, fazer prevalecer disciplina, auxiliar na administração do estabelecimento. Puxões de orelha, broncas, denuncias, constavam do seu oficio.

Não adiantava reclamar, pois ela tinha moral com a diretora. Além do mais era a mãe de um padre e pertencia à tradicional Congregação da Oração do Sagrado Coração de Jesus, lugar de honra entre as senhoras católicas da ordeira Paróquia de São Roque.

Charge: Junier Costra

Acontece que menino tem arte do impossível. Não faltavam aqueles que, escondidos ou escancarados, traziam a cantoria provocativa: “Vitalina canela fina, toma leite que é vitamina”. A prestimosa zeladora despirocava de vez. Vassoura na mão, velocidade máxima, saía em disparada no rastro do moleque atentado. Haja canela! Sebo nela porque lá vem a fera! Não adiantava correr, se esconder…

Vita que também se irritava quando lhe chamavam de “Vitamina”, chegava junto, puxava a orelha e dizia compenetrada: “Me respeita porque eu sou otoridade”. O cascudo comia solto, enquanto o provocador era encaminhado à Secretaria, quando não conduzido até a sua própria residência, pela valente disciplinadora. Diuturnamente Vitalina se dedicava ao colégio, mesmo estando de folga.

De sua casa, na Rua Anchieta, ficava de olho no prédio, acompanhando o movimento, espiando todos que por ali transitavam e tudo que acontecia na área. Os que filavam aulas não saiam da sua mira. Nos dias de festas lá estava ela: jeito de marreca, fazendo graça, arrancando risadas, mostrando o lado alegre.

A capacidade artística se revelava em improvisos, danças e até imitações de apresentadoras da TV. Nem assim dormia no ponto: ficava atenta e a qualquer sinal de desordem ou agito da rapaziada, mostrava as garras, encarnava a jararaca, destilava o veneno, saia correndo pra resolver a situação.

Sucederam-se as diretoras, as professoras, os alunos, mas permaneceu a zeladora. Passaram-se os párocos, as confissões, as procissões, no entanto a fervorosa beata prosseguia em suas obrigações: ornamentando o templo, comparecendo às missas, atualizando fofocas. O padre, seu filho, apesar da identidade eclesiástica, ficou mesmo conhecido como “João de Vitalina”.

A autoridade materna falava mais alto do que o comando do Vaticano. Durante seu longo tempo de serviço, Vitalina fez valer a missão que lhe confiaram e recebeu carta branca para agir como quisesse. Desse modo sentia-se Rainha, mesmo que fosse da cocada preta que vendia aos estudantes durante os intervalos das aulas. Durou mais de 30 anos o seu reinado no Celestina.

Corpo franzino, canela fina, com a vitamina que Deus lhe deu. Vitalina animou inesquecíveis momentos da nossa infância, proporcionou intensas emoções, razões de muita felicidade. Autenticou a mais pura e desvairada expressão da palavra dedicação. Assim entrou na historia, ficou na memória. Ipiaú agradece: “Gracias a la Vita”. (Giro/José Américo Castro)

Edinho Thiara; o Sultão do Guloso

Charge: Jurnier Costa

Sherazade, a narradora das Mil e Uma Noites poderia muito bem anexar ao seu fantástico repertorio a extravagante historia de Edinho Thiara, “Digolino, o Sultão do Guloso. Miragens do Saara no jardim da Praça Rui Barbosa, em Ipiaú, Oasis ocidental, descortinando as portas do Éden. Tapetes mágicos sobrevoando paisagens e tardes nordestinas, carros importados capotados e desprezados nas estradas vicinais de Ibirataia, camelos, onças, galos de briga, cavalos árabes em corridas colossais e belas odaliscas, fazem parte dessa fantástica fábula.

Foto: Arquivo / José Américo Castro

Edson Gonçalves Thiara, 70 anos, filho do lendário José Thiara que veio da distante Tatras, na Síria, fazer fortuna na terra do cacau e se tornou um dos mais ricos homens da região, é o exótico personagem deste capitulo. A magnífica fortuna do pai ele não conseguiu gastar em sua totalidade, mas contribuiu com o consumo de uma boa fatia. Estonteante extravagância.

Nas suas andanças pelo mundo, Edinho manteve relações com inúmeras mulheres, odaliscas do seu exótico harém. Morou na Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e muitos outros países. Visitou Beirute, montou num camelo, viveu emoções dos antepassados, gerou 10 filhos. Nesse tempo de filho prodigo estourou muito dinheiro, promoveu farras homéricas, ganhou a fama de playboy internacional. Aprontou tanto na Suíça que acabou sendo deportado de volta para o Brasil.

No auge da extravagância, Edinho Thiara gostava de alugar boates e promover orgias, festas imensas que duravam dias seguidos. Trocava de carros a cada mês, quase sempre após um acidente que deixava o antigo veiculo esbagaçado. Fez muitas peripécias nos “pegas” do Farol da Barra, em Salvador. Em menos de 15 anos torrou uma grande herança deixada pelo velho Thiara. Dessa riqueza constava a famosa Fazenda Corcovado, em Ipiaú, com 750 hectares de plantações de cacau e uma produção de cinco mil arrobas.

Fanático por galos de briga e cavalos de corrida, Edinho Thiara chegou ao ponto de trocar um carro importado por algumas dessas aves e de dar banho de cerveja e champanhe nos seus cavalos que venciam as corridas. Certa vez, durante uma farra no Restaurante Galo Vermelho, Edinho atirou um relógio (marca Rolex) de ouro, nas águas do Rio de Contas, só para testar o fôlego de alguns mergulhadores. Quem achasse ficava com o precioso objeto. Ninguém teve essa sorte, nem mesmo o lendário Cassiano, senhor das profundezas.

Em outra ocasião, invertendo os papeis, atacou a dentadas, um feroz cão de guarda. Não ficou só nisso, criou uma onça sussuarana e costumava passear com o felino pelas ruas de Ipiaú. Pouca gente se arriscava a ficar por perto, mesmo a fera estando na coleira e corrente.

Edinho Thiara também foi goleiro da Seleção de Ibirataia e nunca dispensava  uma garrafa de cachaça junto a trave. Um dia, no auge da sua viagem etílica, Edinho Thiara aceitou o desafio de uma luta livre, em um circo, armado na Praça Dr. Salvador da Matta, contra Salomé Garcia, a fera feminina dos ringues mambembes. Aplicando golpes violentos “Digolino”, ganhou o combate e os aplausos de uma bairrista platéia que lhe chamou de herói e carregou nos ombros até o “Bar de Fran”, onde bancou a farra durante a noite inteira.

Brigas eram habituais na vida de Edinho. Batia mas também tomava muita porrada  e, vez por outra, esbarrava no xilindró. Era o preço de tanta ousadia. Sempre que aprontava em Ipiaú e Ibirataia, Digolino buscava refugio na Fazenda Gulôso, a sede do seu reinado, onde tinha a proteção do gigante Brazilino e de outros pajens do seu pai.

São tantas, tantas e tontas, as estórias de Digolino que nem mesmo Sherazade daria conta de contá-las em suas mil e uma noites de astucia. O Sultão do Guloso não lhe deixaria impune. Atualmente Edinho Thiara atravessa momentos de dificuldade financeira, mas confessa que não se arrepende das suas extravagâncias e assegura que um dia voltará a ser rico, muito rico.

A riqueza que, porventura, venha lhe contemplar no tempo da velhice, dará mais segurança à esposa Aída com quem convive há mais de 30 anos e aos filhos inúmeros filhos.Falando destes Edinho garante. “Eles representam a minha felicidade”. (Giro/José Américo)

Zé de Moraes, ao vivo e a cores

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Trabalhador, muito trabalhador, e esperto também, embora tenha seus momentos de cochilos. José Gomes Moraes, 60 anos, uma  trajetória cheia de causos, negócios, fogos, artifícios, folclore. Legitima personalidade da nação ipiauense. Firma atestada e reconhecida com o timbre de “Zé de Moraes”. Isso por ser filho do padeiro e ex-vereador Antonio Moraes, marido de dona Yayá que era devota do santo casamenteiro.

Zé de Morais é muito mais do que se pensa. Na sua pluralidade profissional  constam as atividades  de padeiro, comerciante, organizador de romarias, locutor, cabo eleitoral, garçom e tantas outras artes que poderiam constar num almanaque. Também é pai de um padre.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Nas festas de largo, micaretas, carnavais, sua barraca tinha lugar garantido e era muito frequentada. Dela diziam: “A barraca de Zé de Morais é a primeira que chega e a última que sai”. Aturava bêbados, enrolava outros, amanhecia o dia. “Vendia fiado mais cobrava dobrado”, afirmavam  as más línguas.

Arvorando-se na política Zé de Moraes se candidatou a vereador, tendo como concorrente mais próximo o próprio pai. Perdeu a eleição, entretanto ganhou projeção no anedotário local em decorrência dos hilariantes discursos. No Circo Palácio do Riso que tinha um palhaço chamado “Supapo”, chegou a ser locutor, experiência repetida em palanques de políticos das localidades circunvizinhas, nos anúncios de produtos comerciais ou das romarias e excursões para Bom Jesus da Lapa, Milagres, Canavieiras, Itacaré e outras paias. No sagrado ou no profano, sempre encontrava um meio de faturar.

No período junino vende fogueiras, fogos de artifícios. Certa vez sua barraca de fogos explodiu causando pânico na população. Escapou ileso. Refeito do susto voltou à luta. Quando a padaria, herdada do pai, estava em declínio, resolveu colocar uma placa que denunciou uma prática. “Agora sob nova direção, com água da Embasa”. Nos fundos do estabelecimento instalou um dormitório, ponto de encontros de casais clandestinos.

Nas tarde quentes do verão ipiauense  “Zé de Moraes” tira os seus cochilos perante o publico. Disso aproveitam os meninos traquinos e lhe aplicam pequenos furtos. Esbraveja, mas acaba se conformando. Um dia disseram que ele tinha morrido. Ao saber disso pegou o microfone e avisou em alto e bom tom: ”Estou vivo, de carne e osso”.  Ao vivo e a cores Zé de Moraes é símbolo no que Ipiaú tem de mais essencial.  José Gomes Moraes faleceu no dia 10 de abril de 2013. (Giro/José Américo Castro)

Vocês querem Bacalhau?

Charge: Jurnier Costa

“Vocês querem bacalhau? Repetimos o famoso bordão do celebre comunicador Abelardo Barbosa (Chacrinha), para apresentar o espalhafatoso Salvador Pereira Monteiro, cujo apelido tem tudo a ver com a mercadoria que o “Velho Guerreiro” ofertava aos gritos à delirante plateia de um dos seus programas da Rede Globo de Televisão. “Bacalhau”, é uma dessas figuras que fazem de Ipiaú um extraordinário celeiro de personalidades folclóricas.

A ele também se aplica a expressão: -Eu vim para confundir e não para explicar-. Sendo assim  vamos em frente, afinal “quem não se  comunica se trumbica! Pipoqueiro, vendedor de quebra-queixo, aguadeiro, servente de pedreiro, marceneiro (especializado em urnas funerárias), jornaleiro, berganheiro e tantos outros jeitos de ser, Bacalhau é múltiplo, sintético e absurdo.

Nesse cartel de vivencias consta a sobrevivência de uma queda do quinto andar do inacabado Edifício Santa Paula e a diferenciada condição de marido de uma anã. “Já fui quase tudo nessa vida, só não fui ladrão, maconheiro e viado”, adverte o personagem, antes que alguém generalize de vez.

Foto: Arquivo

Dentre os inúmeros causos que contribuíram para que Bacalhau tivesse graduação folclórica, destaca-se o enterro de “Macarrão, figura do mesmo naip que também marcou época na presepada local. Grandão, pesado, o defunto foi colocado em um caixão construído em uma funerária local.

Bacalhau acompanhava o cortejo fúnebre contando vantagens, relembrando outros “presuntos” e exaltando a sua capacidade na arte de fazer o paletó de madeira. A prosa seguia animada até que, na esquina da Praça dos Cometas com a Ladeira do Cemitério, o fundo do caixão arriou e o morto foi ao chão antes da hora. Inicio de pânico, risos incontidos, piadas dos bêbados que haviam exagerado durante o velório, olhares de repreensão para Bacalhau.

O jeito foi a colocar o finado dentro de uma rede e seguir viagem para “a cidade do pé junto”, onde Candola, o coveiro, lhe esperava. Devido à cumplicidade com os fabricantes do caixão, Bacalhau não pensou duas vezes: deu meia volta e sumiu da área. Refugiou-se em Salvador, onde vendendo o Jornal da Bahia, na Baixa dos Sapateiros, aperfeiçoou a gritaria que lhe é peculiar.

Foto: Arquivo
Nos tempos de aguadeiro (anos 60), Bacalhau tinha uma jumenta, chamada “joaninha” que além de transportar a água do Rio de Contas para abastecer os tanques da casa de Ataíde Ribeiro, era dotada de outras serventias… Todo dia a dita cuja recebia em audiência uma turma de admiradores. Isso deixava Bacalhau na bronca.  Às vezes ele queria cobrar pedágio, agregar valores, mas acabava  compreendendo  que era preciso democratizar, afinal  a jeguinha se tornara utilidade pública municipal.
Na “Feira do Rato”, Bacalhau revendia relógios, enrolava os mateiros, sentia-se importante e nunca dava trabalho a policia, pois sabia que malandro demais se atrapalha. Do tradicional Programa de Calouros, apresentado  na Festa de São Roque pelo locutor João Araújo, o velho “Baca” foi pioneiro.
Um show que o famoso Luis Gonzaga faria no largo da Igreja Matriz tinha sido cancelado de última hora e o público se mostrava insatisfeito. A Comissão da Festa recorreu ao locutor que, não vendo outro jeito, improvisou o  concurso:”aquele   que  imitasse algum cantor famoso  ganharia um premio”. Bacalhau e Jaime Piau se habilitaram. O primeiro imitou Silvinho e ficou em segundo lugar, Piau optou por Orlando Dias e foi o vencedor.
Miltinho, irmão do tabelião Protógenes Jaqueira, resolveu contratar Bacalhau como pipoqueiro. Não durou muito tempo para que o contratado pedisse as contas e abrisse o seu próprio negócio. Foi vendendo pipocas que Salvador Pereira Monteiro, testemunhou momentos importantes da história de Ipiaú e conheceu inúmeras pessoas, dentre as quais a pequenina Raimunda Monteiro Lima com a qual convive há mais de 30 anos, dando provas de um  amor incondicional.
Raimunda é a mãe do anão Ral, cujo enterro todos viram. Excentricidades da nossa cidade. Outro detalhe: Bacalhau foi ganhador, por duas vezes, da antiga Loteria Esportiva. O dinheiro faturado com os 13 pontos foi literalmente torrado no “roi couro”, com as meninas de Tia Ló, a cafetina mais famosa da região. O apelido de Bacalhau, Salvador ganhou quando ainda era um menino magricelo, tipo o famoso peixe seco. A partir de então lhe dedicaram a modinha: “Bacalhau assado, da espinha dura, que fedor de bufa nessa criatura”. Isso o irritava até que Chacrinha apareceu na televisão valorizando a tal mercadoria. (Giro/José Américo)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Magal “O Genérico”

Foto: Giro Ipiaú

Era na Festa de São Roque, território do Programa de Calouros, invenção genial do saudoso apresentador João Araújo, que ele costumava emplacar seus sucessos. O show continua nas campanhas eleitorais quando levanta a bandeira dos candidatos e mostra sua habilidade de pé de palanque. A façanha se repete desde os tempos dos “garranchos”.

Sidney Magal, por engano de percurso, ou por pura ironia, tem algo que lembra o homônimo famoso, aquele da cigana Sandra, Rosa, Madalena. Só lembranças…. O cantor daqui mora no “Marrapado”, perto do “Cantinho do Céu”. Correu chão, foi a São Paulo, passou sufoco, ralou na construção civil, rolou nos corredores do metrô, cantou na garoa e concluiu que seu negocio era Ipiaú. Um dia voltou.

O pedreiro Manoel Vieira nem sabia que a fama lhe esperava nestas bandas do hemisfério. Foi quando, numa Festa de Santo Antônio, em Japomirim, aceitou o desafiou de participar de Show de Calouros. Subiu no palco e a plateia entendeu de imediato que ali nascia uma estrela. Mesmo às avessas.

Charge: Junier Costa

O seu estilo caricato é um prato feito ao gosto do povo, sempre ávido por bizarrices. O jeitão de cigano por engano, o rebolado improvisado e a escolha de uma musica do autentico Sidney Magal, estimularam João Araújo e lhe cravar o apelido que ficou em definitivo.

Naquela noite foi desclassificado do programa, mas ganhou cadeira cativa no rol dos folclóricos. A partir de então, em todas as edições do Show de Calouros, sempre encontramos Magal (o genérico) tentando imprimir seu charme, procurando convencer os jurados, desafinando e desafiando as vaias. Insistiu tanto que se tornou atração especial.

João Araújo criou um quadro (O Povo Decide), onde, invariavelmente os finalistas são Magal e Ailton Gospel, outra figura que o folclore desenhou.

Nas campanhas eleitorais do PMDB, lá está Magal com seu estilo genérico, marcando presença, rebolando, improvisando, animando o pé de palanque, fazendo a multidão rir, provando que na democracia tem lugar pra tudo e todos. Lhe basta uma brecha para cantar, pois é assim que se sente feliz.

Nessa disposição ajudou a eleger Hildebrando Nunes Rezende, Ubirajara Costa e Deraldino Araújo. Considera “Dera”, o melhor prefeito que Ipiaú já teve. “Ele me deu Cesta Básica e Bolsa Família”, justifica a consideração.

Na condição de genérico, Magal desmistifica que seja admirador do original : “Eu não sou fã desse cara, porque o meu sangue não se uniu com o dele. Eu gosto mesmo é de Raul Seixas ”.

De Ipiaú ele diz: “É uma terra boa, mas o desemprego tá demais. Pra ganhar a vida tenho que rebolar no pesado, quebrar pedra na pedreira, fazer brita e vender barato”.

Botas, em estilo roló, cabelos cheios, topete, costeletas, barba rala, cara de pau que só ele mesmo. Magal é assim na sua originalidade genérica, no seu amor pela musica, na franqueza do seu sentimento. Da dança, com os famosos rebolados travotianos, ele revela: “Gosto muito, até ganhei medalha em Itagí, mas os nervos tão ficando duros. Nem sebo de carneiro dá jeito”. (Giro/José Américo)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Zebrinha

Foto: Arquivo

Exagerado, o verso de Cazuza enquadra-lhe bem”, disse Osires Vieira Rezende (Zarú) ao referir-se ao refinado intelectual  Antonio José Pinheiro que ao mesmo tempo era o debochado  “Zebrinha”, uma figura que muita gente de Ipiaú jamais esquecerá e terá sempre uma  história a contar.  Homossexual assumido e escancarado, ícone das orgias locais, sincero, apaixonado, objetivo, sarcástico, criativo, escandaloso, demolidor, clássico e folclórico, Zebrinha era assim, em preto e branco e a cores, exagerado em todos os sentidos. Amado e admirado por muitos, temido (quando resolvia aprontar), por todos, Zebrinha escandalizou tudo e de todo o jeito.

Seus detratores eram de imediato enquadrados como homossexuais enrustidos, travestidos de machões e varões de Plutarco. Ninguém lhe escapava. Certa vez um delegado de policia, de nome Calazans, ousou lhe prender  e se arrependeu amargamente dessa audácia em nome da lei, pois sua  autoridade policial foi ridicularizada numa série de caricaturas coladas nos muros da cidade e intituladas de “Zans-Trans: o Delegado”.

As festas do Rio Novo Tênis Clube sempre acabavam com um show de Zebrinha (botas de caudilho, cachecol esvoaçante, cravo vermelho na lapela) e seu séquito depravado. Dessa maneira também acontecia nas micaretas, exposições, festejos de São Roque, nos bares, na barraca de Zé de Moraes, no Galo Vermelho  e  em tantos outros lugares da escandalizada Ipiaú dos anos 70 e 80.

Zebrinha escandalizou até depois de morto. Não queriam que seu corpo fosse velado na Casa Paroquial, pois sabiam que naquela noite de sentinela ia rolar de tudo. Seus amigos insistiram e, após um acordo com a cúpula eclesial, o velório ocorreu no local, mas somente durante o dia, antecipando assim o momento do enterro. Na hora do sepultamento Tadeu Ribeiro discursou, soltou as frangas contra o pároco de plantão.

No sobrado da Rua Siqueira Campos, esquina com o Beco de Ornellas, Zebrinha reinava absoluta. A noite zumbideira descia em aspirais sonoras delirantes, enquanto a orgia rolava solta. Lane Dale, Dzi Croquettes, Veras, Leão, João Kleber e outras celebridades se misturavam aos nativos da periferia da cidade e aos malucos da porta do cinema, um cortejo infindável de bacantes. “Deledel”, que por motivos óbvios não tinha acesso ao local do auê, ficava lá em baixo, ao pé da torre, implorando, gritando: -Joga as tranças Rapunzel, joga as tranças Rapunzel… Zebrinha respondia: “Vá embora Delendas, esse meio não te pertence…

Quando a Seleção Brasileira perdeu a decisão da Copa do Mundo de 1982 (na Espanha) Zebrinha, todo de preto, se fantasiou de “Viúva de Telê” (o treinador) e foi aprontar na Praça Rui Barbosa. Os que choravam a derrota do escrete nacional acabaram sorrindo, curtindo aquela ironia. Suzi Caramelo apelido que ele deu a “Bocão”, estava ao seu lado, valorizando a curtição, revelando-se excelente coadjuvante. Vulgaridades à parte, Antônio José Pinheiro era um extraordinário intelectual e acima de tudo uma maravilhosa figura humana.

Quando Ipiaú completou 50 anos ele promoveu no Rio Novo Tênis Clube uma exposição de artes plásticas que reuniu alguns dos mais brilhantes artistas baianos, a exemplo de Carlos Bastos, Gilson Rodrigues e Luis Jasmin. Foi uma rara oportunidade de a cidade contemplar algumas das suas obras. Seu traço, elaborado, pesquisado, anárquico,
delicado e de muito bom gosto, era fiel à sua concepção estética de sublimação do belo.

Antonio José Pinheiro (Zebrinha) foi o mais importante artista plástico de Ipiaú. “Uma perola de poesia e criatividade, refinamento e cultura. Um exemplo de Dorian Gray (personagem de Oscar Wilde) que o tempo não
teve o prazer de ver envelhecer”. Sua arte explica melhor sua existência. Dizem que não morreu, virou purpurina, rodopiou nos ares e depois  misturou-se ao pó da terra. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Veras; de milionário a mendigo

Foto: Arquivo

A extravagância era a sua marca registrada. Do mesmo jeito que tratou as celebridades que compartilharam os seus momentos de fausto, considerou os mendigos que lhe acolheram nos obscuros espaços das sarjetas. Divaldo Angelin Veras cunhou a sua imagem nos dois lados da moeda. Nunca evidenciou qualquer tipo de arrependimento e anarquizou enquanto pode. Escandalizou de todo jeito. “É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso”.

Repetia os dizeres do poeta inglês Charles Baudelaire como a própria afirmativa de sua existência. A história de Veras foi contada pelos mais importantes órgãos da imprensa nacional (Fantástico, Isto É, Jornal do Brasil, A Tarde), tornou-se tema de filmes e documentários, motivou debates e até estudos sociológicos. Esnobava ao dizer que tinha ensinado os cacauicultores da região de Ipiaú a gastar dinheiro. Estes nem sequer assistiram “ao formidável enterro da sua ultima quimera”. Quase foi sepultado como indigente.

“Nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do seu quarto” Veras plantou provocações. Percorreu o mundo, desfrutou luxurias, promoveu festas imensas, teve “amigos” famosos: Pelé, Fernanda Montenegro, Amália Rodrigues, Sônia Braga, Carlos Bastos, Michael Douglas, Lennie Dale, Dzi Croquettes.

Brindando com a
escritora Regina Echeverria
Morou em Nova York, tinha apartamento no Leblon, desfilou em carrões pela Avenida Paulista, trajou-se como príncipe, cortejou mulheres lindas, guapos de encomenda. Tinha aviões e era habilidoso pára-quedista. Nos psicodélicos anos 60/70 foi dono da boate Anjo Azul, point da vanguarda e fermentação cultural soteropolitana. Ali, em uma noite de muita loucura, namorou a pop star Janes Joplin a qual, tempos depois, definiu como “Feia e Fedorenta”. A roqueira estava passeando na Bahia.
Veras falava cinco idiomas, fazia poesias, colecionava obras de arte e casou-se com Popó, uma das filhas do milionário Edízio Muniz Ferreira, o maior cacauicultor individual do mundo. Nas sucessivas orgias “cheirou” toda a fortuna que fisgou. Ficou duro, mas não perdeu a ternura. Sem grana foi abandonado pelos famosos, em compensação ganhou o acolhimento dos mendigos. No Porto da Barra, em Salvador, era o único, dentre eles, que pedia esmola em inglês. Isso lhe garantia a proteção dos demais.  Dividia com todos o que recebia dos gringos.
Trouxeram-lhe de volta a Ipiaú. Não aceitou tutelas e passou a morar em um beco dos “Dez Quartos”, antigo brega da cidade. Ali bebia, fumava, atendia à malandragem, concedia entrevistas, escrevia e lia. Lia muito. Jean Ginet, Rimbaud e Baudelaire eram os seus autores prediletos.
De Baudelaire repetia: “Para não sentirdes o horrível fardo do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar”. A escritora Regina Echeverria escreveu a biografia de Cazuza e queria fazer o mesmo em relação a Veras. A Editora Corrupio publicaria o livro. Poesias inéditas e outros relatos completariam a obra. O projeto não vingou e os originais se perderam. Vera pouco se importou com isso. A ele bastava declamar os poemas que ainda guardava na memória: “Habita em mim um ser que veste hábito.
Que prometeu sempre me levar em direção ao puro e sacrossanto, quando o meu eu pensa que não há. Espero sempre o meu, eu, velho monge, adormecer para o meu eu jovem na vida, se atirar. Se arriscando às ilusões da vida que o meu eu, velho monge, sabe que há”. Nas ilusões da vida Veras viveu seu tempo de sonhos e pesadelos e se algum dia acordou para a realidade teve imediata vontade de dormir! Morreu aos 67 anos de idade. ( Giro/José Américo Castro)

Sem grandes danos após enchente, Centro de Canoagem de Ubaitaba voltará a funcionar na próxima segunda

Foto: Divulgação
*Por Nuno Krause / Bahia Notícias

Dos males, o menor. Apesar de ter sofrido novamente com a enchente do Rio de Contas, causada pelas fortes chuvas que atingiram a Bahia entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, o Centro de Canoagem de Ubaitaba voltará a funcionar na próxima segunda-feira (16).

Segundo a Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), o equipamento já teve toda a água removida de dentro. Diferente do que ocorreu em 2021, quando os danos obrigaram o local a passar por uma reforma geral, desta vez apenas um muro foi destruído. Ele será substituído por um gradio de forma provisória.

“A parede que leva mais água, quando vem a chuva, foi destruída. A prefeitura vai fazer uma contenção provisória para aguardar a reforma”, disse Camila da Conceição Lima, presidente da Federação Baiana de Canoagem (FEBAC), em entrevista ao BN.

Ela informou ainda que a segunda-feira será utilizada para recolocar os equipamentos de ginástica para os atletas, barcos, remos, etc., dentro do local. A ideia é retomar as atividades, paralisadas desde a enchente, entre terça (17) e quarta (18).

O propósito do Centro de Treinamento é iniciar crianças e jovens na modalidade esportiva e estimular a canoagem olímpica. O espaço possui garagem de barcos, deck flutuante, sala de musculação, refeitório, área de serviço, além de outros cômodos para realização de aulas e administração do local.

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Roberto Carlos, o tiete do rei

Foto: Giro Ipiaú

Pense num cara fanático pelo famoso cantor Roberto Carlos. Pois é, em Ipiaú tem um desses. Seu fanatismo é tanto que ele chegou a admitir trocar de nome pra ficar igualzinho ao do astro que idolatra sem nenhum acanhamento. Mas não precisou ir tão longe porque o povo providenciou lhe apelidar do jeito que queria: Roberto Carlos. E o fã vibra quando assim é chamado.

Jorge Lima Alves, 54 anos, dono de um bar e cambista do Jogo do Bicho, natural desta cidade, mais conhecido como “Roberto Carlos”, tem como principal motivo da sua existência a tietagem ao celebre artista da MPB. Conhece toda a trajetória do “Rei”, coleciona os discos, DVDs, recortes de jornais, enfim tudo que se refere ao ídolo e que está ao seu alcance.

O acervo que ele juntou ao longo do tempo, desde criança, é exposto em seu estabelecimento comercial denominado de “Detalhes Bar”, na rua Adenor dos Reis Soares, bairro Euclides Neto.

O ambiente é todo decorado com fotos, capas de discos e outras estampas do cantor. Até um exemplar do primeiro disco de Roberto Carlos, um compacto simples (com as músicas João e Maria/Fora do Tom) gravado no ano de 1959 pela Polidor, ali se encontra. Os frequentadores da casa podem ouvir o repertório completo de Roberto Carlos, assim como assistirem vídeos e filmes sobre a vida do artista. Uma réplica da certidão de nascimento do filho de seu Robertino e dona Laura Braga, é peça importante no acervo. O estabelecimento já foi motivo de reportagens de emissoras de televisão, rádios, jornais e outros órgãos da imprensa baiana.

Como não poderia deixar de acontecer, o súdito fareja as oportunidades de cortejar a sua  majestade. Sendo assim não mede sacrifícios para assistir aos shows do Rei, ficar, ao vivo e à cores, bem juntinho ao palco. Isso já ocorreu em três ocasiões. Numa delas o tiete não conteve a emoção e desmaiou.

Em outra, no dia 11 de junho de 2005, em Salvador, teve o merecimento de adentrar no camarim e ser fotografado ao lado do artista. É o seu grande trunfo, mostra as tais fotografias a todos que tocam no assunto. O que possibilitou o ingresso no cobiçado camarim foi um book que Jorge guarda com muito orgulho e que contem valiosas referências sobre o artista. A produção exibiu o trabalho a Roberto Carlos e este mostrou imediato interesse em conhecer o xará de Ipiaú.

“O Rei me recebeu com muito carinho e até parece que ficou meu fã”, garante o cambista ao lembrar dos momentos em que esteve no camarim do artista. Prosseguindo ele narra: “Após folhear o álbum, Roberto me perguntou por que eu lhe cortejava assim. Então respondi : é porque Deus criou você pra cantar e eu lhe admirar”. Roberto Carlos, o fã, afirma que nunca se esquecerá daqueles momentos de tantas emoções junto ao seu ídolo. Quando trata nesse assunto ele procura ilustrar  com a frase principal  de uma das celebres músicas do do artista. “Essas recordações me matam”. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas: Charles Lima – a metamorfose ambulante

Foto: Giro Ipiaú

Dom Quixote de La Mancha e Charles Lima de Ipiaú simbolizam a presepada universal. Cada qual no seu cada qual. Muda o cenário, mas permanece o estilo. Geniais em seus delírios. Camaleônico, sempre mudando de atitudes, porém preservando o essencial do ser, singular e plural, Charles Lima é uma das mais irreverentes personagens folclóricas dessa surreal cidade baiana. Pelas ruas, praças, repartições, solenidades, atos públicos, ele “arma o barraco”, chama a atenção, provoca, argumenta, irrita e chega a afirmar que não é mesmo deste mundo. Digamos que sempre anda sobre placas tectônicas, tal a explosividade do seu ser.

No perfil multifacetário de Charles constam momentos de capoeirista, fotógrafo, detetive político, blogueiro, pastor evangélico e inúmeras outras manifestações. Ultimamente se apresenta como adepto do judaismo, com direito à longa barba, talite, quipá e um certo aspecto profético. Charles, invariavelmente é alvo de troças, mas ninguém ousa ficar na sua mira. Nem mesmo  o  vereador e ex-prefeito José Mendonça, cujo comportamento é bem parecido com o seu, quando o assunto é política. Guardando as devidas proporções, é claro. Nos períodos de campanha eleitoral, Charles provoca debates, pirraça adversários, apresenta propostas megalomaníacas e pouco convence.

Foto: Giro Ipiaú
Foi candidato a prefeito, pelo obscuro PGT (Partido Geral dos Trabalhadores), e até colheu alguns votos. Também militou no desconhecido PCO (Partido da Causa Operária), mas, nunca se inibiu em estabelecer alianças com a causa patronal. Serviu, com o mesmo fervor, ao prefeito Deraldino e ao oposicionista José Mendonça.

Nesse pula-pula adota uma ética bem sacana: “Sou igual a barata, se não comer eu melo tudo”. Quis ter uma participação mais efetiva na atual campanha eleitoral, entretanto indeferiram sua candidatura a vereador pelo PSD. Esperneou mas acabou aceitando ser cabo eleitoral de José. Vez por outra, Charles ocupa a Tribuna Livre da Câmara Municipal e detona os vereadores, o prefeito, o governador, a rainha da Inglaterra e quem tiver pela frente. É como se fosse uma metralhadora em mãos de macaco. Coisas da democracia provinciana.

Foto: Giro Ipiaú
Quando detetive, Charles Lima dizia que estava investigando ações de grupos terroristas estrangeiros contra a segurança nacional. “Eles planejavam a ocupação da Amazônia e a explosão da Usina Hidroelétrica de Itaipu”, revela.  Quando capoeirista aplicou uma rasteira num ex- vereador que acabou fraturando um braço. Em decorrência desse golpe de mestre foi condenado pela Justiça a prestar serviços comunitários.
Charles também tem seus momentos de vitima. Garante que planejaram um atentado contra a sua integridade física, mas foi rápido e se livrou da tocaia. O prejuízo ficou no campo material. As balas, supostamente a ele direcionadas, atingiram o velho fusca, equipado com um sistema de sonorização mecânica, com o qual no qual percorria a cidade propagando a sua mensagem quixotesca.  Prestou queixa na Delegacia e o veiculo ficou um tempão enferrujando no pátio do Complexo Policial.
Como pastor evangélico chegou a fundar uma igreja na periferia da cidade, entretanto o templo foi fechado pela ausência de fieis. Ninguém sabe até quando Charles pregará o judaísmo, mas é certo que um dia ele se apresentará de maneira diferente, pois prefere “ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. – ”O mundo muda e eu mudo também”, conclui o emblemático anti-herói ipiauense. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades folclóricas de Ipiaú: Olha aqui o Bananão

Foto: Arquivo

Bananão… ô Bananão! A provocação era como acender o pavio curto de uma bomba potente. A explosão vinha de imediato numa intensidade de xingamentos, desde o clássico “é a mãe” ao radical f.d.p. Passava por gestos obscenos, pedradas e chegava ao extremo.

O provocado se despia por inteiro, exibia a semelhança, e gritava: “Olha aqui o bananão, ó! A correria era inevitável, a algazarra crescia. Os portões dos colégios, as portas e janelas das residências se fechavam, a guerra estava deflagrada. De um lado a molecada provocando em gritos, do outro Nil reagindo com raiva, demonstrando vontade de estraçalhar, garguelar, desabafar o sentimento do ego ridicularizado.

Imagem: Junier Costa

Os que, por desventura, caiam em suas garras ficavam sabendo da força que continha e do significado do ditado “o dia da caça”. Às vezes uma crise de epilepsia interrompia o furor e Anísio Souza Santos, nome pelo qual ninguém o chamava, apesar de ter sido assim batizado, ficava se contorcendo, protestando em agonia. Refeito, levantava e continuava sua jornada, caminhando a esmo, aterrorizando os meninos, reagindo aos insultos, plantando a sua história na cidade.

Alto, desengonçado, sensível, dotado de infantilidade, Nil (derivado de Anísio) costumava esboçar um sorriso que era como se estivesse acenando um gesto de paz, uma trégua na batalha cotidiana. Demorava pouco e logo alguém gritava da esquina: Bananão… ô Bananão! A batalha recomeçava com mais ferocidade, o emblemático sorriso logo dava lugar à expressão raivosa. Alvo fácil, o guerreiro insano era encurralado e atingido por pedradas, pauladas, insultos. Lesionado em seu interior Nil batia em retirada, chorando, soluçando, jurando vingança.

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Um dia, outro “doido”, o malhado Juarez, lhe deu uma surra violenta e se sentiu herói diante dos aplausos dos estudantes. Pouco tempo depois Nil foi retirado da sua terra natal. Levaram-lhe para Salvador onde perambulava pelas ruas do bairro de São Caetano, lugar em que ninguém lhe chamava de “Bananão.

A capital tinha seus encantos, mas também oferecia muitos perigos.  Abestalhado no meio de tanto carro Nil acabou sendo atropelado e sofreu grave fratura em uma das pernas. Desde então não mais andou. De volta à Ipiaú, foi recolhido em uma casa do Bairro da Democracia sob os cuidados da sua tia Valdelice.

Há dez anos viveu entre a cama e a cadeira de rodas, quase não falava, aparentava tranquilidade, embora em sua expressão sexagenária uma pitada de ironia lembra o gesto que usava quando lhe chamavam de Bananão e parece dizer: ”ó, ó, ó aqui pra vocês! Nil morreu em 2013. (Giro/José Américo Castro)

Coelba descobre ‘gato’ em fazenda com capacidade para abastecer 1.400 casas por um mês

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Uma fazenda em Juazeiro foi flagrada furtando energia. A carga desviada, de 165 mil quilowatt-hora, é suficiente para abastecer 1.400 casas pelo período de um mês. De acordo com a Neoenergia Coelba, uma ação em conjunto com a Polícia Civil fez a remoção do “gato” de energia na fazenda de cultivo de manga e melão, no Povoado Campo dos Cavalos.

“Neste começo de ano seguimos focados em combater as ligações clandestinas na Bahia. Destacamos que a nossa atuação independe do local ou o tamanho do empreendimento. Todos que estão furtando energia, e que sejam identificados pelos nossos profissionais, serão regularizados e estarão suscetíveis às punições previstas em lei”, destacou o gerente de Gestão da Receita da Neoenergia Coelba, Rodrigo Almeida.

A distribuidora reforça que os “gatos” representam riscos para a segurança de quem os realiza e da população. Além disso, o furto de energia prejudica o fornecimento de energia da região, podendo causar graves problemas para a rede elétrica e ocasionar a interrupção do abastecimento.

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: João Guardinha

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Corpo franzino, baixa estatura, uniforme engomado, quepe vistoso, coldre vazio, posição de sentido. A velha fotografia revela o personagem nos seus melhores dias. A cena foi registrada nos tempos do fusca, anos 60, 70 talvez. Ipiaú ainda colhendo os louros da gloria de ter sido escolhido município Modelo da Bahia.

Natural de Santo Antônio de Jesus, João Gomes de Sá, um sujeito extremamente pacifico, sonhava com a carreira militar e sentiu-se realizado quando o ex prefeito Juca Muniz, nos idos de 1955, lhe nomeou Guarda Municipal. Vestiu a farda, vigiou repartições, tornou-se o valente João Guardinha, calo da meninada, terror da bicharada (jegues, porcos, cachorros) que invadiam os canteiros do jardim da Praça Rui Barbosa.

Qualquer semelhança com o lendário Soldadinho de Chumbo não é mera coincidência. João entrou em cena como coadjuvante da antiga Filarmônica Alberto Pinto. Não na posição de músico, mas na condição de carregador da maleta das partituras. Ia todo compenetrado na rabada da fila, com sua fardinha de general da banda, patente que lhe foi dada pelo regente Mestre Lôla, seu padrinho e conterrâneo.

Sempre de prontidão, batendo continência para a autoridade mais próxima, foi assim que João sentou praça na Delegacia. Fez papel  de Office Boy, cumprindo mandados, transmitindo recados, realizando seu sonho de viver na caserna.

Foto: Arquivo

Vez por outra auxiliava na carceragem ou acompanhava a guarnição em alguma operação de baixíssimo ou nenhum risco. Os relevantes serviços prestados à comunidade lhe conduziram ao Departamento Municipal de Transito. Apito na boca, caneta na mão, moral elevada, o guardinha não titubeava: aplicava multas, dava broncas que nem sempre eram levadas a sério, solicitava “particulares”, conversas ao pé do ouvido.

Num certo dia intimou o prefeito Euclides Neto a “um particular”, sobre o pretexto de que o mesmo estava multado. O celebre escritor e advogado questionou a suposta infração e João Guardinha mansamente explicou: – Foi nada não doutor, apenas quero que o senhor me arranje o trocadinho do charuto”. Por mais de 50 anos João Guardinha fumou charutos que  comprava na venda de Maria do Fumo, na Rua do Sapo.

Em toda sua existência de Guarda Municipal, João disparou um único tiro. Na mira estava um cachorro que lhe atacou em plena via pública. “Desse episódio ele lembrava com bravura: – Saquei da pistola 22 e detonei”. Depois
concluía conformado: Errei o alvo e o bicho saiu correndo assustado”.

Quando João Guardinha solicitava um particular, o assuntoera sempre “o trocadinho” do charuto. Fatura consumada, sentava na porta da sua casa, na Rua da Banca, e dava boas baforadas, com pose de coronel reformado.
(Giro/José Américo Castro)

Joanito da Gráfica: “A Máquina”

Foto: Giro Ipiaú / Arquivo

A Máquina Pra Governar Ipiaú”. Com este slogan, adotado na campanha eleitoral de 1982 quando concorreu a prefeito do município, pelo PDS, o jornalista João Rocha Sales, 88 anos, mais conhecido como “Joanito da Gráfica”, imprimiu, definitivamente, seu nome no folclore político da cidade. A máquina a que ele fazia apologia não era uma locomotiva, como muitos pensam, e sim a velha impressora do memorável Jornal de Ipiaú, periódico tipográfico que circulava quinzenalmente desde o ano de 1960.

Foto: Giro Ipiaú / Arquivo

Dos quatro concorrentes à Prefeitura, naquela eleição (vencida por Hildebrando Nunes Rezende-PMDB- com 800 votos de frente), Joanito foi o menos votado. Nem por isso sentiu-se derrotado, ao contrário, caiu nas graças do povo
e cresceu no anedotário regional. Num certo comício em que dividiu palanque com Waldemar Sampaio e Miguel Coutinho, os dois outros candidatos da oposição, um cabo eleitoral se prontificou a carregar Miguel em seu cangote. O voluntario se preparava para a missão honrosa quando Joanito, entendendo ser para ele tamanha cortesia, pulou na montaria e ergueu os braços saudando a multidão. De outra vez repetiu o gesto ao avistar um rapaz que se encontrava, de cócoras, amarrando o cadarço do sapato.

Foto: Giro Ipiaú / Arquivo

A história de Joanito começa na cidade de Alagoinhas, onde nasceu. Ainda jovem trabalhou em uma tipografia e se interessou pelo jornalismo. Ralou muito até editar a sua própria gazeta. Por sua linha oposicionista “O Nordeste” foi “empastelado”, a mando do chefe político local. Contrariado com a situação, Joanito mudou-se para o sul da Bahia, estabelecendo-se em Ubatã onde fundou, em junho de 1958, o “Jornal de Ubatã”, cujo redator era Adauto Barbalho.

Dois anos depois fundou o Jornal de Ipiaú, cuja tiragem era de mil exemplares e uma equipe de colunistas do calibre de Euclides Neto, Altino Cerqueira, Edvaldo Santiago (Tatai) e Protogenes Jaqueira. Campanhas memoráveis, a exemplo da aquisição da Fundação Hospitalar, construção da arquibancada do Estádio Pedro Caetano e emancipação política de Ibirataia foram encampadas pelo Jornal de Ipiaú. Joanito vivia, então, seus melhores dias. Assistiu a Copa do Mundo, em 1974, na Alemanha, tinha fazenda, gráfica, carrão da moda (a memorável Veraneio Azul) e outros bens patrimoniais. Frequentava bordeis, rodas de coronéis, e sonhava com um cargo eletivo.

Imagem: Junier Costa

A palavra “realmente” sempre esteve presente nos discursos de Joanito. Apesar do grande entusiasmo ele nunca convenceu o eleitorado, nem mesmo quando candidato a vereador. Perdeu eleições, mas preservou a esperança. Ainda hoje acredita ser um líder carismático e não duvida das pesquisas que a cada campanha lhe apontam como o favorito a ganhar o pleito. Os responsáveis por tais previas eleitorais nem imaginam que essas brincadeiras o mantém vivo, reacendem sua honra do cidadão participativo.

Nessas ocasiões Joanito é cumprimentado, aplaudido, taxado de “poca-urna”, imbatível. Ilusão aguçada, máquina lubrificada, ele negocia, propõe conchavos, promete cargos, benfeitorias, grandes projetos. Imprime sonhos, reedita momentos que nunca existiram, mas realmente lhe fazem feliz. Abrem-se as urnas: os milhares de votos esperados
não aparecem. Sem perder a pose, argumenta que foi garfado. Pouco importa a derrota, a luta continua. Na próxima eleição estará mais forte, mais atrevido, mais Joanito. Com suas pernas compridas percorre a cidade para testar a popularidade e estimular instintos machistas. Se alguém lhe questiona a idade avançada, a resposta é repentina: “Galo véi quando perde a espora vai é de bico”. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: No tempo de Joé

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Ficou proverbial. Quem lhe viu jamais esquecerá o gesto magnífico, o jeito profético, o olhar messiânico direcionado ao infinito do céu azul de Ipiaú. Seguia pela Rua Dois de Julho, depois de calibrar os sentidos com duas talagadas de “temperada” ferrada com jurubeba Leão do Norte. Era a medida exata para cutucar lembranças e despertar a oratória. “Naquele tempo”, discursava com voz tremula, evocando momentos marcantes da sua existência e trazendo fatos importantes da História do Brasil.

O povo lhe chamava de Joé. Nasceu em Santa Rita do Rio Preto, perto da cidade da Barra, na região do médio São Francisco. Morou em Lençóis, na Chapada Diamantina, foi garimpeiro, assistiu tiroteios comandados pelo lendário coronel Horácio de Matos, donatário daquela região. Fugiu do barulho, andou centenas de léguas, beirando o Rio das Contas, até chegar em Rio Novo. Lhe disseram que na terra do cacau poderia  ficar rico. Tal sorte não lhe contemplou. Cá também tinha coronéis e jagunços. O cobiçado fruto de ouro estava longe do seu alcance, do mesmo jeito que os reluzentes diamantes. “Naquele tempo…oh naquele tempo”, repetia a frase  em cada parada pela Rua Dois de Julho.

Foto: Arquivo
Cambaleante, apurava as vistas por detrás das grossas lentes (fundo de garrafa) dos óculos com aro de tartaruga e seguia em frente. Adiante, na Praça Rui Barbosa, nova parada, repetição dos gestos, instruções no discurso: “Pensai, Recordai, Maginai… Em sua mente vinham flashes do Estado Novo, da CLT( Consolidação das Leis do Trabalho), de golpes militares e resistências democráticas. Buscava lideranças carismáticas: “Getúlio Vargas, ó Getúlio Vargas….Tropeçava, se erguia, exibia um retrato do ditador e emendava: “Aquela Carta” No centro da praça encarava o busto, em bronze, do celebre jurista baiano. Balançava a cabeça e, talvez descobrindo coincidências, trazia o nome do então prefeito: “Dr. Oclides, Dr. Oclides Teixeira Neto!”.
Joé era meio acaboclado, de estatura baixa, cabeça chata, tipicamente nordestino. Torcia pelo Independente, apreciava trovadores, se encantava com o circo, divertia-se com os palhaços, afogava as magoas na cachaça. Deu muito duro no garimpo, derrubou matas, foi trabalhador rural, leiteiro, aguadeiro, vendedor de pão e serviçal de recados. Tinha a visão comprometida pela catarata e tudo que desejava era  “um par de óculos para enxergar de perto” e a oportunidade de  voltar à  terra natal.
O dourado do sol poente se espalhava no horizonte, a oeste, em direção ao berço dos cristais, distante ninho dos diamantes. Sua luz refletia além, nas barrancas do São Francisco. O velho garimpeiro já tinha corrido as sete freguesias, derramado torrentes de lagrimas, emborcado o copo da “saideira”. A Voz de Rio Novo, serviço de alto falante da cidade, anunciava a hora da Ave Maria:-Cai a tarde tristonha e serena…-. Antes de se recolher ao quartinho modesto, nos fundos da casa de dona Bijuca, na Rua Floriano Peixoto, Joé apontava para o firmamento e declamava : “Deus, ó Deus, criaste o céu, as estrelas, a lua! Tanta beleza fizeste !”. O sino saudoso da velha igreja “murmurava badaladas” enquanto o errante filosofo ajoelhado  rogava   :”tende piedade deste pobre ébrio”. Joé levantava, enxugava as lágrimas, aprumava os passos e novamente  trazia a clássicarecomendação:”Pensai!Recordai! Maginai! Naquele tempo Ipiaú era uma cidade pequena e tranquila.( Giro/José Américo Castro)

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Tonha Doida, ancestralidade tribalista

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Morava sozinha em um casebre na beira do rio das Contas, imediações da praça Salvador da Matta e tinha traços de africana legitima, deve ter vivido 100 anos e  chamavam-lhe de “Tonha Doida”. Invariavelmente usava um torço de pano branco escondendo a carapinha, e resmungava palavras que se referiam  aos tempos do cativo. Coisas que talvez tenha ouvido dos ancestrais vitimas das crueldades da escravidão.

Mascava fumo, pitava um tibero e bebia temperada (cachaça com folhas em infusão), cujo efeito lhe fazia gargalhar, ensaiar passos tribais, resmungar e cantarolar em um dialeto desconhecido.

Até o final de década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 “Tonha” era figura muito popular nessa região da cidade. Apesar de ser  querida por todos, não deixava de ser pirraçada pela molecada. Nos seus momentos de lucidez prestava serviços às famílias das proximidades. Limpava quintais, pilava café, fazia faxinas e em troca ganhava um prato de comida ou mesmo algum dinheiro.

Dentre seus pontos prediletos estava a venda de Jolinda, junto à Padaria de Antonio Morais, pai de Zé Morais. Resgatar a memória de “Tinha Doida” é revisitar Ipiaú em um dos seus períodos mais singelos, quando todos se conheciam e viviam intensamente. O casebre de Tonha se localizava nas proximidades da Pousada Aquarius.(Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Saci em arrotos de valentia e piruetas com a muleta

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A condição de folclórico se revela no apelido adquirido ainda na infância. Tinha apenas seis anos de idade quando foi vitima de ofidismo e em decorrência disso amputaram a sua perna esquerda. O veneno da cobra jaracuçu, cabeça de patrona, decerto lhe invadiu a alma, deixando graves sequelas, dentre elas forte dose de presepada. Tirado a valente, conversador, encrenqueiro, arruaceiro, mas de boa índole, Saci era assim.  Com sua muleta fazia piruetas, jogava capoeira, nadava nas enchentes do rio, desafiava brabos e tinha hospedagem garantida no xadrez da Delegacia de Policia. Muitas vezes, após um apronte no brega dos Dez Quartos, atravessava a Praça dos Cometas e
acordava o carcereiro Nezinho gritando: “Abre a porta que lá vai eu”.

O bicho pegava quando Saci misturava maconha com cachaça e bancava o maioral. Tirava uma de tranca rua, dançava o frevo na frente do trio elétrico, rodopiava a muleta afastando o povo e roubando a cena dos artistas. Seu exótico figurino variava do tipo fazendeiro, com chapéu preto de abas largas e fita na cintura, ao estilo militar, com a farda do Tiro de Guerra que lhe dava semelhança de ex-combatente ou mesmo de guerrilheiro improvisado. Uma pequena cabaça contendo rapé completava a indumentária. Sonhava em ser policial e chegou à condição de vigia de prédios públicos.

Sua fama de valente cresceu quando evitou que o prefeito José Motta Fernandes fosse massacrado em Jequié durante um jogo de futebol da seleção local com o escrete de Ipiaú, pelo Campeonato Intermunicipal, nos idos dos anos 60. No meio da briga generalizada entre as duas torcidas, os agressores recuaram diante dos golpes da sua muleta.

A partir de então Zé Motta ficou lhe devendo favor e retribuiu dando-lhe atenção e o emprego de segurança. No computo geral Saci apanhava muito mais do que batia. A sua coragem se resumia em não correr da briga.

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Trabalhar sempre foi um forte de Saci. Na juventude foi aguadeiro e vendedor de areia extraída no leito do Rio de Contas. Tinha uma tropa de jegues com a qual transportava a areia até os prédios em construções, contribuindo assim com o desenvolvimento da cidade.

Em seu lazer constavam incursões na zona boemia e na jogatina. No bar, no baralho, nunca deixava de contar farromba. As presepadas se estendiam em outras façanhas. Uma vez tomou um banho de sangue de galinha e adentrou num boteco, bradando: “Acabei de despachar um e tô com vontade de matar outro”. Quem não lhe conhecia entrava em pânico. De outra feita, no cemitério, apontou para o tumulo de um valentão e
disse: “Esse aqui deu sorte porque quem ia matar ele era eu”.

”Sai de baixo lá vem Saci”. A meninada corria ao primeiro sinal de alerta, enquanto o homem da muleta cruzava a rua pronunciando frases delirantes, arrotando valentia, escondendo sua essência de boa pessoa, traumatizada pelo veneno da cobra, pela amputação da perna. Nesses momentos devia se lembrar de quando era tão somente o garoto Laudení José dos Santos, morador de uma roça no município de Dário Meira. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Ripa, o enigmático artista dos barrancos

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“A contracultura avançava com suas efervescentes ramificações, a exemplo do tropicalismo, quando deram por conta, na região de Ipiaú, da figura exótica de Ripa, um negro octogenário, truculento e fisicamente saudável que diziam ser louco. Quando bebia umas pingas Ripa aprontava cenas que atemorizavam as pessoas das cidades onde passava. Nos comentários sobre os personagens da rua, sua figura é sempre evocada”, as citações são do escritor e cineasta Lula Martins, em seu livro “Mágicas Mentiras”, e trazem a lembrança de uma antiga personalidade folclórica da região. Muita gente ainda recorda de Ripa, com seus trajes ancestrais e um jeito de realeza africana, caminhando pelas ruas de Ipiaú. Metia medo e ao mesmo tempo fascinava.

Dizem que era tropeiro antes de escolher a vida errante e mística. Com a primeira função estavam relacionados os gritos que dava ao cruzar os arruados e veredas. Já o misticismo provem das abstratas figuras pictóricas que esculpia nos barrancos e pedras que margeavam o antigo traçado da rodovia Ipiaú-Jequié. Seu instrumento nessa arte era um pedaço de facão.

Primitivo, Ripa dormia em cavernas e nas noites de lua cheia cantava tiranas junto à uma fogueira. Seu jeito excêntrico chamou a atenção do cineasta Lula Martins que produziu um documentário de curta metragem tendo como tema a sua arte e sua vida. Nessa ocasião o cineasta descobriu que o verdadeiro nome de Ripa era Teotônio Bispo dos Santos e que ele havia dito que nos painéis que esculpia estavam escritas as palavras de Deus.

Do cartaz do documentário de Lula Martins colhemos a foto de Ripa. A trilha sonora desse documentário que foi exibido na Jornada de Curta Metragem da Bahia (produzida por Guido Araújo) é da autoria do famoso percussionista Djalma Correia. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Néia do Tempero

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Foi no grito que Jucineia Queiroz dos Santos, a “Néia do Tempero”, entrou para o seleto clube das personalidades folclóricas de Ipiaú. “Olha o tempero… olha o tempero freguesa… Assim, há 11 anos, ela merca nas ruas da cidade o produto que garante a sua sobrevivência e o sustento das três filhas menores.

O tempero verde (alface, coentro, cebolinha e outras verduras) vem da Horta Comunitária, é conduzido numa galeota e lhe rende até R$200,00, de comissão, por semana. A batalha começa às seis horas estendendo-se durante boa parte do dia.

Nessa rotina encontra amigos, incompreensões e concorrência, sendo esta cada vez maior. O jeito de anunciar a mercadoria não tardou a ser imitado, mas ninguém conseguiu superar a sua firmeza no grito. : “A original sou eu”, assegura.

Foto: Divulgação

Como tudo começou, ela lembra: “Tava empurrando o carrinho cheio de tempero e não aparecia comprador. Olhei pros quatro cantos da praça e gritei forte: olha o tempero freguesa… Quando a garganta dói, a marcadora cura com chá de romã. “Gargarejo de noite e no outro dia estou boa”.

Moradora da Segunda Travessa Adenor Soares, no Bairro Novo, “Néia do Tempero”, tem um jeito atrevido de ser. Não leva desaforo pra casa e está sempre com uma resposta na ponta da língua.

Um dia na Rua da Batateira, um homem reclamou que os gritos de Néia estavam lhe perturbando o sono. Não tardou a ouvir: – “Tá achando ruim, então me dá um serviço melhor”. De outra vez a reclamação partiu do prefeito Deraldino que do alto da sua residência no Bairro da Conceição, bradou: “Êta mulher zuadenta! Veio o troco: – O senhor reclama aí de cima porque tem tudo nas mãos, mas eu tenho que buscar meu ganha pão é no grito”. Depois disso o então prefeito ficou freguês da mulher do tempero.

É assim no grito que Neia vem ganhando a vida, criando as filhas, fazendo história. Ao lhe entrevistar perguntei :  Qual é o tempero da vida? E ela, cheia de sabedoria, respondeu: – O tempero da vida é o Amor. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Êpa Êpa, olha o pão!

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Êpa êpa olha o pão, êpa êpa olha o pão… Assim ele ia de casa em casa entregando o pão à sua freguesia que garantia o consumo de 1.500 pães diariamente. O marketing era tão eficaz que substituiu seu próprio nome. Se perguntassem por Antônio Ferreira da Silva, ninguém em Ipiaú, com exceção dos seus familiares, saberia dizer quem era. Mas quando se falava em “Êpa Êpa” toda a cidade garantia ser aquele velhinho que de casa em casa entregava o pão. Foram 35 anos, vendendo pão. A mercadoria ia num carrinho de mão.

“Homem simples e de bom coração, fez parte do cotidiano de muitas famílias, pois todos conheciam seu chamado, e de maneira ecologicamente correta, todos pegavam suas vasilhas ou “bornais” para comprar pães devidamente escolhidos por ele”, recorda um dos seus fregueses. Era natural de Itaquara, gerou muitos filhos que lhes deram dezenas de netos, bisnetos… Deu anel de formatura a alguns dos seus descendentes e tinha a honra de dizer que nunca mentiu. Contava histórias de viagens ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Mato Grosso, Salvador, São Paulo, onde visitava filhos e parentes.

”A sua maneira, mostrou-se um homem de fé”. Teve um filho assassinado barbaramente, sofreu muito por isso, mas não perdeu o ritmo do trabalho que lhe fez honrado que lhe garantiu lugar seguro na historia de Ipiaú. Morreu aos 95, deixando boas lembranças.

NOME DE RUA

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Na Sessão Ordinária realizada no dia 28 de junho de 2012 pela Câmara Municipal de Ipiaú, o Plenário aprovou ,em “Acordo de Lideranças”, o Projeto de Lei nº 058/2012, da autoria do vereador Nena Passos -PSC- que dá o nome de “Êpa Êpa”, à uma das ruas do Bairro Aloísio Conrado, nesta cidade. Trata-se de uma justa homenagem e o reconhecimento ao trabalho que um grande homem fez por Ipiaú. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades folclóricas de Ipiaú: A irreverente Maria do Fumo

Foto: Giro Ipiaú

Com mais de 50 anos de atividades no comercio de Ipiaú, dona Maria de Lurdes Morais Moreira, 71 anos, se tornou famosa pela comercialização do produto conhecido como fumo de rolo. Graças a isso ganhou o apelido de “Maria do Fumo”, com o qual passou a ser identificada e entrou definitivamente no folclore da cidade. Sua história é de superação e sempre esteve pautada na força do trabalho, mas também encontra na irreverência um jeito especial de ser. Desbocada, descolada, presepeira, dona Maria propaga : “Eu meto fumo no povo”.

Pernambucana de São Bento do Una, Maria do Fumo passou por muitas dificuldades na vida. Foi retirante da seca, dormiu em baixo de uma loca, armou arapuca para capturar passarinho e se alimentar, pegou em foice, machado, estrovenga, labutou de todo o jeito, desde os 10 anos de idade. Do seu currículo também consta a função de propagandista e vendedora de folhetins da literatura de cordel.

Foi vendendo, nas feiras livres nordestinas, os romances do “Pavão Misterioso”, “A Filha que Bateu na Mãe e Virou Cachorra”, “A Chegada de Lampião no Inferno”, dentre outros títulos do gênero, que juntou dinheiro suficiente para adquirir uma casa, a qual depois trocou por sete toneladas de fumo de rolo. Fretou um caminhão e transportou a carga até Ipiaú. O povo da zona rural comprava fumo fiado e pagava com lenha e carvão das matas derrubadas para o plantio de roças de cacau, daí ela dizer que ajudou a abrir muitas fazendas na região.

Com fibra e coragem, dona Maria meteu a mão na massa, fez tijolos, telhas, e construiu, nesta cidade, a sonhada casa própria. Com o correr do tempo o seu ponto de venda, na Rua do Sapo, ganhou dimensão de loja, a “Força Total”, onde se pode encontrar uma infinidade de itens populares. Ervas medicinais, defumadores, pembas, infusões, artesanatos, etc.., superlotam a prateleiras. Também não falta a sua marca registrada; o famoso fumo de rolo.

Explicando como mete o fumo no povo, Maria diz: “Meto o fumo no povo, pela venta, pela boca e pela bunda. Pela venta com o pó de rapé; pela boca com o cigarro e pela bunda como remédio para hemorroidas”.

*José Américo Castro  / Giro Ipiaú