Giro Ipiaú

A história de Joana Pombo

Joana Pombo viveu em Ipiaú por muitos anos

– Por José Américo Castro

Na década de 1960 a Rua São Roque, na região central de Ipiaú, ainda não tinha calçamento e contava com poucas casas, além de um posto de saúde e o campo de futebol, Estádio Pedro Caetano. Em uma dessas residências morava uma senhora quase octogenária, chamada de Joana Pombo. Os cabelos brancos, os discretos vestidos longos, normalmente de cor azul marinho, acentuavam seu arquétipo matriarcal e ficaram guardados em minha memória. Saber da história daquela figura emblemática passou a ser uma provocação na minha existência. Um dia haveria de contar.

Ela nasceu em Camamu, Bahia, no dia 10 de março de 1897, lua crescente. O ano foi marcado pelo fim da Guerra de Canudos e a inauguração da Academia Brasileira de Letras, presidida por Machado de Assis, além da fundação de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Lhe batizaram com o nome de Joana Francisca de Jesus. De seu pai não conseguimos saber o nome, mas a mãe se chamava Alvina. Tinha três irmãos: Domingos Mendes, Eduviges e Maria Conceição, a qual, posteriormente, ficou conhecida como “Maria Viúva”.

Joana tinha a idade de 13 anos quando chegou em terras ipiauenses. No incipiente arraial conheceu Manoel Firmo de Santana, 18 anos, e dele tornou-se esposa. Incentivado pelo cunhado Domingos Mendes, o jovem Manoel Firmino, apelidado de Manoel Pombo, atravessou o Rio de Contas e se apossou de terras devolutas nas proximidades da barra do Rio da Onça, município de Boa Nova.

Atualmente a área pertence ao município de Itagibá que foi desmembrado de Boa Nova no dia 14 de agosto de 1958, por força da Lei Estadual nº 1.020, sancionada e promulgada pelo então Governador do Estado da Bahia, Antônio Balbino.

O vigor da juventude permitiu que Manoel e Joana superassem dificuldades e desbravassem a mata virgem, localizada no sopé da serra onde estão instaladas as torres de retransmissão dos sinais de televisão e da rádio Ipiaú FM, perto da mina da Atlântic Nikel. Pouco tempo antes o local foi habitado pelos índios tapuias.

Joana com sua irmã Maria Viúva.

Na floresta pujante e úmida observava-se seculares jequitibás, jacarandás, viroto, mucuri, copaíba, pau d’alho… A caça era farta, a pesca abundante. À tanta diversidade somava-se um terra fértil, muito generosa. Na região trilhavam os bandos de Tranquilino, filho do lendário coronel Marcionilio Souza, e os Cauaçus, comandados pela destemida Anésia, mulher cangaceira de pontaria certeira. O quartel general de Tranquilino era a Fazenda Gruta Baiana, no vale do rio do Peixe, em Destampina. “O rifle de repetição papo amarelo, o trinta e oito, o parabélum fazia suas leis”.

Naquele ambiente, os Pombos plantaram cacau, café, mandioca… Jogavam as sementes nos roçados, colhiam a sobrevivência. Construíram uma casa e outras benfeitorias. Desse modo formaram a Fazenda Jatobá Parafuso, medindo 150 hectares.

O casal teve 14 filhos: Canuto, Juvenal, Ernestina (Necina), Maria, Andreza, Cezário, Crispiniana (Ana), Francisco (Chico Pombo), Joaquim (Quinca), Romana (Mana), Hilario e Luiza(Lú), além de Emília e José que morreram com pouco tempo de nascidos. Desta prole apenas Joaquim, 96 anos, está vivo.

Joaquim Mendes Santana, irmão de Joana.

A descendência já chega a 768 indivíduos. Os meninos cresceram ajudando seu Manoel na roça. Dona Joana se dividia entre os afazeres domésticos e a labuta no campo. Era eximia pescadora e gostava de caçar. A propriedade prosperava, despertando a admiração de alguns vizinhos e a inveja de outros.

No ano de 1930 acontece uma Revolução, movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul. O levante culminou com o golpe de Estado que depôs o presidente da República Washington Luís, em 24 de outubro e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, pondo fim à República Velha. Getúlio Vargas, principal líder revolucionário, deflagrou uma campanha de desarmamento, disseminando a narrativa de que as armas utilizadas pelos cangaceiros seriam oriundas dos coronéis que estavam sempre em pé de guerra. O desarmamento foi transformado em política de estado através do Decreto nº 24.602.

Investido no posto de Capitão Revolucionário e de Delegado de Polícia Regional, um homem de nome Osório Cordeiro que muito contribuiu para a emancipação de Rio Novo (atual Ipiaú), ocorrida em 02 de dezembro de 1933, mandava e desmandava na região, usando sempre em excesso a autoridade que lhe fora conferida. Ele também dava aos seus comandados o consentimento para cometer desatinos, como espancamentos a chicote em plena via pública, fuzilamento e massacres.

Aproveitando dessa situação um desafeto de seu Manoel Pombo o denunciou à polícia sob pretexto de que o mesmo guardava armas na Fazenda Parafuso, quando na verdade ali tinha apenas uma espingarda artesanal, utilizada na caça de animais silvestres.

No dia 24 de agosto de 1932, prepostos da revolução chegaram à propriedade, cometeram barbaridades, torturaram seu Manoel e não encontrando o arsenal que procuravam mandaram que ele corresse, dando uma sensação de possibilidade de fuga. A correria foi interrompida por um fuzilamento sumário, diante dos familiares da vítima. Atingiram Manoel Pombo pelas costas, consumando uma brutal e covarde execução. Manoel Firmo de Santana tinha então a idade de 45 anos.

Dona Joana sofreu, mas não esmoreceu. Assumiu o comando da família, cuidou da fazenda, confiando alguns encargos a Canuto e outros filhos. Criava porcos, galinhas, algumas rezes. Mantinha uma tropa de 20 animais cargueiros e teve o merecimento de ver a roça produzir até 4.000 arrobas de cacau. Nos períodos da pila do café reunia os parentes e agregados numa autentica festa rural.

Joana Pombo gostava das músicas de Luiz Gonzaga, Tônico e Tinôco, Nelson Gonçalves e outros artistas. No seu rol de amizades estavam o poeta Hermes Martins ,gerente da firma, Correia Ribeiro, onde ela vendia o cacau; o fazendeiro Boanerges Brandão, Waldomiro Ornellas e o comerciante Arlindo Matos. Joana tinha muitos afilhados e prezava seus inúmeros compadres e comadres.

Como boa católica, não descuidava das orações e sempre que podia ia à missa na Igreja Matriz de São Roque. Abominava xingamentos, mentiras, pregava a honestidade e a sinceridade. Em tempo de festa vestia roupas claras que realçavam a sua nobreza rural. Alguns dos seus descentes diretos (filhas e filhos) tornara-se evangélicos, batistas e pentecostais, inclusive participando do grupo pioneiro da Assembleia de Deus, em Ipiaú.

Com a idade avançada, dona Joana dividiu a fazenda entre os filhos, comprou a casa na Rua São Roque onde morou por mais de uma década, em companhia de alguns dos seus filhos e netos. Em 1974, aos 77 anos, ela morreu. Deixou um grande exemplo de perseverança e dignidade. Sua imagem continua marcante em minha memória.

Em tempo: As informações foram colhidas junto aos familiares de dona Joana, sendo que a maior parte delas foi passada por Jessé Santana, meu amigo de infância e de muitos babas nas areias da Rua São Roque.

As fotos: Joana Pombo; dona Joana com sua irmã Maria Viúva; dona Alvina, mãe de Joana; o filho Joaquim Mendes Santana(Quinca), único da prole que se encontra vivo.