Na Ipiaú de todos os tempos fica a figura impar do negro Jairo. Singular, raquítica, tropicalista, repleta de sonhos e fantasias. Síntese distorcida das lisergias dos anos 70. Um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Curtia Jimi Hendrix, Renato e Seus Blue Caps, Jerri Adriane, Mach Five e Embalo 4, Grupo Imaginação. Frequentava as portas do Éden, os chás dançantes do Rio Novo Tênis Clube, o bar e boite “Barcaça”, os bancos da Praça Rui Barbosa.
O olhar fixado na torre blue da igreja de Ipiaú , acima da qual “um céu de estrelas sempre a brilhar”, ia além do que as vistas alcançavam. Colírios, delírios, viagens… Xaropes, opiodes, ondas de baixo custo, baratos que custaram caro à sua pessoa. Navegação sem bússola no vasto oceano da existência. Buscando “um Oriente ao oriente do Oriente”. O poeta lusitano Fernando Pessoa, em seu heterônimo Álvaro de Campos, certamente o compreenderia.
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Aos 59 anos de idade Jairo perambula pelas ruas, pede um trocado, estende a mão. Anos 70 tão distantes e tão presentes nas vestes, nas ideias e gírias, nas estradas que percorre. O personagem neles, em eternidade. Hippie, Hendrix , rock and rool. Tudo isso lhe mantendo vivo, em resistências. Anos 60, pós revolução (golpe) militar: Jairo ainda criança, morando na Rua Floriano Peixoto, brincando de gude, jogando pião, triangulo… Correrias de picula, de “salvar”, com sua turma: Tonhe Saci, Luizinho (seus irmãos), os filhos de Hildebrando, Breia, Adelson Negão, Carlos Jordan, de Walter Hollewerger, Robertinho e Kleber Muniz. Frequentando a casa de Pedro Haage, de dona Filinha, fazendo favores à vizinhança.
Seu pai, João Vaqueiro, e sua mãe, Celina Lavadeira, davam muito duro para sustentar a família de oito filhos. Batizaram-lhe com o nome de Jalon dos Santos Marques, mas sempre foi chamado de Jairo, nego Jairo para os mais próximos. Fez o primário em três escolas, ingressou no GEI, no entanto não completou o curso ginasial pois os acordes dissonantes lhe conduziram a outros rumos. Fabricou uma guitarra de madeira, conseguiu um pandeiro sem couro, e se disse músico, cantor e compositor. Achou-se cineasta com muitas idéias na cabeça e nenhuma câmera na mão. Ator de filmes de espionagem.
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Não tardou um pauzinho na coisa, uma onda diferente pra curtir as neblinas da festa de São Roque. Queria proximidades com os jovens da burguesia, mas sofreu descriminações. Preto, pobre e xarope, sem alternativas e malícias. Intensificou viagens, materiais e mentais. Transitava em Jequié, Itabuna, Ilhéus e outras cidades da região. “Perdeu-se em transparências latejantes”. O alimento minguado era garantido com a atividade de engraxate, lavagem de carros, faxinas, mendicância. O que sobrava era do “bagulho”. Na capanga: frascos, comprimidos, registros. Sofreu relento, ficou estrunchado, dormiu na rua, perdeu os dentes, sobreviveu.
Em pose tântrica no banco da praça, ou no meio fio da rua, observa a cidade, transeuntes e veículos, gente apressada que nem lhe olha. Com cara de sofrimento reafirma ser artista e diz estar cansado. “ Não quero mais saber de curtição, pois agora eu tenho a ciência da natureza na minha ideia. De vez em quando tomo um remedinho para melhorar a cabeça”, filosofa. *Por José Américo
–Jairo morreu no mês de junho de 2019, no distrito do Japomirim, município de Itagibá.