A magia do cinema lhe encantou desde criança. Em caixas de sapatos simulava projeções de imagens de revistas em quadrinhos e estampas do sabonete Eucalol. Viajava naquelas figuras lendárias. Também utilizava uma lanterna para projetar essas imagens desenhadas em uma tela de vidro e ampliadas por uma lente.
Foi batizado com nome de José de Assis Filho, mas prevaleceu o apelido de Dren, dado pelo médico radiologista José Maria Rodrigues durante um baba à beira rio. No ano de 1948 assistiu ao filme “A Grande Aventura” de Charlie Chaplin e apaixonou-se de vez pela “Sétima Arte”.
O Cine Éden que originalmente funcionava no armazém do italiano José Miraglia, na Praça Rui Barbosa, tornou-se a principal motivação da sua juventude. Em 1954, o cinema já estava instalado em novo prédio e Dren arranjou um emprego por lá.
Aperfeiçoou-se naquilo que mais gostava: Remendar as fitas, pintar cartazes, cuidar da bilheteria, operar a máquina de projeção, organizar a sala, enfim, realizar todas as tarefas que lhe permitissem manter-se no ambiente de trabalho. Diz que aprendeu tudo isso com “Leto”, um sujeito de estatura alta e magricela, cujo tino artístico acentuava-se à proporção em que se embriagava.
Os filmes de Tarzan, com o ator Johnny Weissmullhe, atraiam grande público, enquanto a produção nacional procurava se firmar com as chanchadas de Oscarito, Ankito e Grande Otelo. Vieram os épicos, os faroestes… Dren assistindo tudo, tirando proveito, até chegar o tempo (1964) de adquirir um projetor de 16 mm e iniciar sua grande aventura. Realizava sessões no auditório do Ginásio de Rio Novo e outros locais da região.
Em seu carro de som percorria os arruados anunciado a atração da noite. Os anúncios às vezes eram mais vibrantes do que a película em cartaz. Dele dizia o patriarca Jorge Cunha: ”Esse rapaz nasceu pra fazer zoada”. A resposta do barulhento marketing era sempre animadora: casa cheia, bilheteria com boa arrecadação, lucro.
Dren levava o cinema aonde somente os pequenos circos tinham ido. Ibitupã, Tapirama, Itaibó, Itajurú, Santa Terezinha, Algodão… Povoados em êxtase com aquela novidade. A fixação era tanta que confundiam a ficção com a realidade e até interferiam na cena. Xingavam o vilão, ameaçavam de arma em punho, queriam invadir a tela.
Às quintas feiras, Dren exibia seus filmes na Fazenda São José, de José Hagge Midlej. Lá, por recomendação do proprietário, os homens sentavam à direita e mulheres à esquerda. Zé Hagge entendia que “prevenir era melhor que remediar”.
“Cine Bufa”
No ano de 1969, Dren inaugura na Rua Castro Alves, em um antigo armazém de cacau, uma sala com o seu próprio nome. O CINE DREN roubou do Cine Éden o público mais vibrante e ganhou, por motivos óbvios, o honroso apelido de “Cine Bufa”. Não tinha sanitários, o mobiliário era constituído por grotescos bancos e tamboretes, a ventilação muito deficiente e a esculhambação generalizada.
O calor excessivo permitia que a plateia tirasse a camisa enquanto assistia ao filme. No meio da projeção costumava-se ouvir: -Ô Dren, eu quero mijar! Ou então: -Bufaram aqui, tá um fedor retado!. Dren respondia aos gritos:-“Tapa o nariz, aperta o rabo, porque se eu for lá é pra enrolhar o toba de um”. Quando a coisa chegava às raias do insuportável, ele interrompia a projeção e saia cheirando o cangote de cada cinéfilo. Aos cascudos, o principal suspeito era expulso do recinto. Na troca de carretel, a turma podia ir até o terreno baldio no fundos do prédio pra fazer necessidades fisiológicas. Alguns voltavam com os pés melados de bosta e aí era que a coisa fedia mesmo.
O Cine Dren tinha sessões à tarde, à noite e quase de madrugada. Na última sessão eram projetados os chamados filmes de putaria. Foram eles que motivaram uma intimação do delegado de policia ao proprietário da sala. A queixa foi prestada pelas freiras do Instituto Sagrada Família, que moravam na vizinhança do cinema. Elas estavam incomodadas com os chiados indecentes dos atores em cena e com as frases ditas em voz alta pela plateia. As mais moderadas eram do tipo: ”vai sacaninha…”
A Volta de Tarzan
Alguns filmes ficavam em cartaz durante semanas. Um exemplo disso foi “Tarzan: O Rei das Selvas”. De tanto assistir a fita, um garoto decorou a cena. O herói estava sendo perseguido por índios bravos quando no auge do suspense o assistente gritou: “Tarzan ô Tarzan. O personagem dá uma paradinha, volta a cabeça e, no close hollywoodiano, olha em direção à platéia. Satisfeito com a atenção dispensada, o rapaz emenda: Não é nada não Tarzan, se manda porque os índios tão quase te pegando”.
Nessa mesma época o Rio de Contas encheu a ponto de cobrir a ponte próxima ao “Areião do Arara” , na via de acesso a Jequié, cidade onde se buscava novos filmes. Sem alternativa Dren anunciou no carro de som que aconteceria a espetacular estréia de “A Volta de Tarzan”. Não deu outra: casa cheia, filas para a segunda sessão, gente querendo entrar de qualquer jeito.
Descoberta a farsa, as reclamações foram imediatas e a explicação também: “Vocês entenderam errado, eu queria dizer que o mesmo filme estava de volta”. O advogado e pesquisador Paulo Andrade Magalhães lembra que “além de exercer sozinho quase todas as atividades no âmbito do cinema, Dren também era dotado de uma prodigiosa criatividade. No próprio ingresso esclarecia, implicitamente, ao espectador, de que ali não se tratava de uma sala comum e sim do “Palácio dos Bons Filmes”, patrimônio dos municípios de Ipiaú, Ibirataia, Itagí e Jitaúna.
Apostador
Parte do dinheiro que ganhava com o cinema, Dren perdia em apostas. Optava sempre pela “zebra”, dava vantagens absurdas, mas quando acertava tirava o maior sarro. Jogando futebol no Estádio Pedro Caetano, pelo Vasco da Avenida, recebeu o apelido de “Tupanzinho”. Um dia fez um gol de bicicleta. Em homenagem à façanha, mandou pintar em sua lambreta a figura de um atleta realizando a famosa jogada inventada por Leônidas da Silva. A zoada que fazia no carro de som, o homem do cinema repetia no salão da sinuca. Ficaram famosos seus embates com Jorge Montanha, Fran, Bita, Chopp, Luis Barão e Miguel Tannus. Achava-se o bamba do taco, mas nem sempre encaçapava a bola da vez.
The End
O filão do Cine Teatro Eden foi explorado por diversos empresários, no entanto, por ironia do destino, coube a Dren ser o último deles. Alugou a sala na segunda metade dos anos 70 e resistiu até março de 1984. Tentava vencer a concorrência da televisão em cores, exibindo filmes de artes marciais e pornografias, mas não suportou aos aumentos sucessivos do custo do aluguel do prédio. Entregou as chaves, chorou. Lágrimas de despedida, saudades eternas. Fecharam as portas o Edén, encerrou-se uma importante época da cultura ipiauense.
Dren ( O Último dos Moicanos), mudou de ramo. Hoje revende alimentos industrializados aos supermercados e mercearias da região. Percorre os mesmos caminhos que fazia com o seu cinema mambembe. Encontra velhos cinéfilos, recorda antigas façanhas e assegura com pureza d’alma: “Aquele foi o melhor tempo da minha vida”. (Giro/José Américo da Matta Castro).