Giro Ipiaú

‘Alex Docinho’, o homem que venceu a amargura do bullying

Natural de Ipiaú, morador da Rua da Banca, o vigilante Alex Rosa Júnior comemora uma vitória sobre o bullying. Pessoas amigas lhe mostraram o melhor caminho para elevar a autoestima e tirar de tempo aqueles que ficavam zoando com seu jeito de ser. O biotipo exótico provocava apelidos, gracejos, gozações que lhe irritavam e motivavam reclamações junto às autoridades. Até queixas na Delegacia de Policia ele prestou contra os gozadores, quando a coisa já estava passando do limite, ganhando as redes sociais com áudios.

Foi conversando com o delegado Rodrigo Fernando e pessoas ligadas aos meios de comunicação da cidade que Alex compreendeu como superar o trauma que vinha acumulando ao longo do tempo. Elas lhe ensinaram a não guardar sentimentos ruins e nem ligar para os perturbadores. Teve até um amigo que utilizou a internet a seu favor, criando um canal no Youtube com o titulo de “Docinho”. O novo apelido anulou aqueles que o amarguravam.

Hoje, Alex pouco importa que lhe chamem de “Salsichão”, “Zoião”, ou outras denominações depreciativas. Rir de quem o provoca, pois sabe que o importante é ser ele mesmo. Sua alegria cresce quando a mulherada o trata como “Docinho”. Sua página está repleta de comentários elogiosos, flertes… Alex compreendeu que não existe coisa melhor no mundo do que sentir o que se é de verdade e não o que os outros pensam.

Alto, magro, com 32 anos de idade, funcionário da empresa MB Souza, que presta serviço à Prefeitura Municipal de Ipiaú, Alex Júnior trabalha como vigilante da Escola José Mendes de Andrade, mas também tem seus rompantes de microempresário. Registrou uma firma, com o nome de J.L Segurança, que atua em eventos da iniciativa privada e gera até cinco empregos por ocasião.

Pela necessidade de descolar uns trocados a mais, montou uma bicicleta sonora, com a qual percorria a cidade propagando as promoções de estabelecimentos comerciais e até de candidatos a cargos políticos. A “magrela”, presenteada pelo ex-prefeito José Mendonça, fez sucesso e contribuiu para que Alex ganhasse o status de personalidade folclórica.

Expressando gratidão pela família da prefeita Maria das Graças, e em especial pela empresária Flávia Mendonça que tem lhe auxiliado dentro das suas possibilidades e lhe valorizado como cidadão ipiauense, Alex disse que se sente feliz por tão boas amizades. À reportagem do GIRO ele revelou que a luta pela sobrevivência lhe impediu de continuar os estudos, interrompidos na quinta séria primária.

Disse ainda que é torcedor do Vasco da Gama e que já frequentou a Igreja Pentecostal Fonte da Água Viva, pastoreada pelo apóstolo Marcos Pimentel. Também confidenciou que mora com os avós, e tem uma namorada na cidade de Feira de Santana, mas não pretende casar, por enquanto. Prefere curtir a doce vida de solteiro. ( GIRO/ José Américo Castro).

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Afrodísio com a música e o amor de sete mulheres

Ele se chamava Afrodisio e teve ao mesmo tempo sete mulheres que lhes deram 17 filhos, frutos de uma virilidade descomunal que talvez se explique no significado do próprio nome: “consagrado a Afrodite”, a deusa do amor, da beleza e do sexo. Convivia bem com todas e elas procuravam se harmonizar e compreender seu jeito diferenciado de ser.

O sustento das famílias era garantido pelo cargo de funcionário público estadual num posto de saúde da cidade e pela atividade de músico, além de empreendedor do ramo da construção civil. Ergueu inúmeras casas na cidade, alguns dos antigos imóveis da Rua da Batateira foram construídas por ele. No baba do Barro lhe chamavam de “Tcheca”. Era do tipo de zagueiro que jogava duro, batia muito, estando sempre de prontidão para dá o troco em quem lhe pegava. Torcia pelo Flamengo e gostava muito de contar histórias do brega.

Afrodisio de Sá Barros, 88 anos, primogênito do casal Ramiro Artur de Sá e Elisa de Sá Barros que teve outros seis filhos, nasceu na antiga Rua do ABC, atualmente chamada de Tomé de Souza, centro de Ipiaú, onde desde criança mostrou tendência para a música, cantando e assoviando modinhas da época. Seus dotes de galanteador foram revelados ainda na infância, nas brincadeiras de “esconde esconde” com as meninas da vizinhança. Em cada escondida encontrava o que procurava naquelas ocasiões do despertar da libido. Quando adolescente tinha sempre uma namorada disposta a lhe proporcionar prazer.

O dom da música lhe abriu as portas da boemia, unindo o útil ao agradável. No Jazz Band 15 de Maio, regido pelo Mestre Lôla (Eulógio Santana), criou afinidades com o saxofone, familiarizou-se com os ritmos dançantes (rumba, fox-trots, chá-chá-chá, bolero, chorinho, gafieira…), tocou em diversas cidades, chamou a atenção da mulherada, forjou capítulos importantes da sua própria história. Nas datas cívicas e religiosas o Jazz Band ganhava aspecto de filarmônica.
Ioiô também participou da Filarmônica Alberto Pinto que sob a regência do Mestre Osório formava a vanguarda festiva das campanhas do antigo MDB de Hildebrando Nunes Rezende, Odilon Costa, Euclides Neto e cia.
O melhor da boemia, Afrodisio viveu no Conjunto Lunar, o grupo que ele próprio criou e reuniu músicos como Tonhe Lambança, Mero, Véi, Salvador do Cavaquinho, Sabiá (cantor), Zeca do Trombone e seu filho Nailton que tocava bateria, dentre outros. O Lunar fez sucesso nos cabarés de Ipiaú e região, executando gafieiras, boleros, dando mais clima ao ambiente de luxuria e luz vermelha.
O HARÉM
Em revezamentos visitava as sete mulheres, dando-lhes atenção e sustento. Foi legalmente casado com Jesulina e teve uma convivência mais assídua com Odilia, ambas não lhes deram filhos. Em compensação Flordinice (mãe do ex-vereador Nasser Barros) e Sônia geraram 10 filhos, cinco cada uma. Com Maura (mãe de Nailton) foram três filhos, a mesma quantidade com Ernestina (mãe de Sidnei Batista, o popular “Baleião”) e um com Carmelita. Excetuando Jesulina que era funcionária da Prefeitura, as demais mulheres de Afrodísio trabalhavam como lavadeiras.
Quando Ioiô morreu em 2004, devido a complicações cardíacas, todas compareceram ao velório na casa de Odília e entre lágrimas e gargalhadas rememoraram proezas do amante em comum. Muitas outras também apareceram dizendo que tinham merecidos seus impulsos e safadezas.( Giro/José Américo Castro).

Nego Jairo dos anos 70 e de todos os tempos

Na Ipiaú de todos os tempos fica a figura impar do negro Jairo. Singular, raquítica, tropicalista, repleta de sonhos e fantasias. Síntese distorcida das lisergias dos anos 70. Um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Curtia Jimi Hendrix, Renato e Seus Blue Caps, Jerri Adriane, Mach Five e Embalo 4, Grupo Imaginação. Frequentava as portas do Éden, os chás dançantes do Rio Novo Tênis Clube, o bar e boite “Barcaça”, os bancos da Praça Rui Barbosa.

O olhar fixado na torre blue da igreja de Ipiaú , acima da qual “um céu de estrelas sempre a brilhar”, ia além do que as vistas alcançavam. Colírios, delírios, viagens… Xaropes, opiodes, ondas de baixo custo, baratos que custaram caro à sua pessoa. Navegação sem bússola no vasto oceano da existência. Buscando “um Oriente ao oriente do Oriente”. O poeta lusitano Fernando Pessoa, em seu heterônimo Álvaro de Campos, certamente o compreenderia.

Aos 59 anos de idade Jairo perambula pelas ruas, pede um trocado, estende a mão. Anos 70 tão distantes e tão presentes nas vestes, nas ideias e gírias, nas estradas que percorre. O personagem neles, em eternidade. Hippie, Hendrix , rock and rool. Tudo isso lhe mantendo vivo, em resistências. Anos 60, pós revolução (golpe) militar: Jairo ainda criança, morando na Rua Floriano Peixoto, brincando de gude, jogando pião, triangulo… Correrias de picula, de “salvar”, com sua turma: Tonhe Saci, Luizinho (seus irmãos), os filhos de Hildebrando, Breia, Adelson Negão, Carlos Jordan, de Walter Hollewerger, Robertinho e Kleber Muniz. Frequentando a casa de Pedro Haage, de dona Filinha, fazendo favores à vizinhança.
Seu pai, João Vaqueiro, e sua mãe, Celina Lavadeira, davam muito duro para sustentar a família de oito filhos. Batizaram-lhe com o nome de Jalon dos Santos Marques, mas sempre foi chamado de Jairo, nego Jairo para os mais próximos. Fez o primário em três escolas, ingressou no GEI, no entanto não completou o curso ginasial pois os acordes dissonantes lhe conduziram a outros rumos. Fabricou uma guitarra de madeira, conseguiu um pandeiro sem couro, e se disse músico, cantor e compositor. Achou-se cineasta com muitas idéias na cabeça e nenhuma câmera na mão. Ator de filmes de espionagem.
Não tardou um pauzinho na coisa, uma onda diferente pra curtir as neblinas da festa de São Roque. Queria proximidades com os jovens da burguesia, mas sofreu descriminações. Preto, pobre e xarope, sem alternativas e malícias. Intensificou viagens, materiais e mentais. Transitava em Jequié, Itabuna, Ilhéus e outras cidades da região. “Perdeu-se em transparências latejantes”. O alimento minguado era garantido com a atividade de engraxate, lavagem de carros, faxinas, mendicância. O que sobrava era do “bagulho”. Na capanga: frascos, comprimidos, registros. Sofreu relento, ficou estrunchado, dormiu na rua, perdeu os dentes, sobreviveu.
Em pose tântrica no banco da praça, ou no meio fio da rua, observa a cidade, transeuntes e veículos, gente apressada que nem lhe olha. Com cara de sofrimento reafirma ser artista e diz estar cansado. “ Não quero mais saber de curtição, pois agora eu tenho a ciência da natureza na minha ideia. De vez em quando tomo um remedinho para melhorar a cabeça”, filosofa. *Por José Américo
Jairo morreu no mês de junho de 2019, no distrito do Japomirim, município de Itagibá.

Personalidade Folclórica de Ipiaú – Seu Davi do ‘Bumba Boi’

Pisa na linha levanta o boi, levanta meu boi do chão… O refrão da toada era a senha para o Boi Estrela entrar em cena e mostrar o valor de um folguedo brasileiro que teve início no século XVIII, misturando aspectos das culturas portuguesa, negra e indígena. Seu Davi, comandava o espetáculo com amor de devoção pela tradição que ele trouxe de Maracás e fez história em Ipiaú. O amor e dedicação a essa arte lhe renderam esse ano (2018) uma homenagem da prefeitura nos festejos de São Pedro.

A sonoridade (tambores, pandeiros e pífanos) ficava a cargo de Valdomiro Coveiro, Val, Miguel, Gaso e Vardo que também se encarregavam de fazer o coro masculino das toadas puxadas por seu Davi. As vozes femininas ficavam por conta de dona Eulina (esposa de seu Davi), Noemia, Maria Baixinha e Tute. O figurino, confeccionado por dona Eulina, completava a riqueza do cenário.

O “Boi Estrela”, saia da residência de seu Davi, na Rua da Batateira, percorria diversos pontos da cidade e chegava até a zona rural. Seu grande incentivador foi o ex-prefeito Hildebrando Nunes Rezende. Davi de Souza Menezes também conhecido como Davi do Bumba Boi, nasceu no município de Santa Inês, foi criado em Maracás e chegou a Ipiaú no inicio da década de 1950. Com sua esposa Eulina Maria da Silva gerou 21 filhos que multiplicaram a descendência em dezenas de netos, bisnetos, tetranetos.

Fiscal da Prefeitura

Durante muitos anos, seu Davi trabalhou como fiscal da Prefeitura Municipal de Ipiaú, mantendo-se fiel cumpridor dos deveres. Também foi feirante, vendedor de tomates e outras verduras, sendo um dos pioneiros da antiga “Ferinha”, no Bairro da Democracia. Era de temperamento sóbrio. Não usava bebidas alcoólicas e nem fumava, mas gostava de política. Se dizia um legitimo “garrancho”, militante do velho MDB ipiauense, seguidor de Hildebrando e Euclides Neto. Quando tinha oportunidade subia no palanque e mostrava seus dons de bom orador. Era devoto de Bom Jesus da Lapa e todo ano seguia em romaria para o famoso santuário.

No apoteótico desfile em homenagem ao cinquentenário de emancipação política de Ipiaú, na ensolarada manhã do dia 2 de Dezembro de 1983, seu Davi, e todo seu séquito, esteve presente mostrando a grandeza da tradição. Durante o cortejo soprava um pífano e se mostrava honrado em participar da homenagem.

Chapéu panamá, lenço vermelho no pescoço, respeitável bigode branco, o homem do bumba boi faleceu em Ipiaú, no dia 10 de julho de 2002, aos 83 anos de idade. Um ano antes, comandou, na Avenida São Salvador, a última apresentação do seu Boi Estrela. Ficou na história, na memória de tantos que testemunharam a arte da sua luta em defesa de tão importante manifestação folclórica. O Boi Estrela ainda brilha, cintila em tantas lembranças. (Giro/José Américo Castro)

Sérgio Marley e os seus “milésimos” de gols

O GIRO encontrou na tarde dessa terça-feira (25), no Campo da Baixada, o autodeclarado “maior artilheiro de Ipiaú”, Sérgio Marley. Ele já contabiliza trinta e nove mil, setecentos e cinquenta e sete milésimos de gols. Calma, se você não entendeu a contagem, ele explica melhor no vídeo abaixo.

Figura folclórica em Ipiaú, Sérgio está de visual novo. Na cabeça ele traz o símbolo de uma montadora de veículos, sua nova patrocinadora, e as iniciais WC, em homenagem à cantora Wanessa Camargo, que o boleiro afirma ter encontrado em 94 no Aeroporto de Ipiaú.

Sérgio ainda garante que só esse ano, já jogou 124 partidas e agora se prepara para o Campeonato de Bairros de Ipiaú, previsto para começar no próximo mês. Apesar da fama de goleador, os times da cidade apenas o escalam como gandula, o que pra ele também é honroso.

Caxinguelê: do efêmero atleta ao massagista catimbeiro

Ágil, irrequieto, buliçoso, atrevido, cheio de reboliços. Antônio Gomes da Silva é tudo isso e muito mais. O apelido de “Caxinguelê, define perfeitamente o seu modo de ser. Olhos atentos a todos os movimentos, esperto, criativo e atrevido. Antes lhes chamavam de “Periquito, o que também tinha certo sentido, mas prevaleceu o esquilo. Ipiaú vivia os tempos áureos do seu futebol quando ele chegou de Itabuna com fama de bom de bola.

Se apresentou no fabuloso time do Independente Esporte e Cultura, arrasando no primeiro treino. Correu, driblou, fez gol, encheu os olhos de todos. O veloz Waldir (Di), titular da ponta direita ficou preocupado com a possibilidade de perder a posição quando soube que Jaime Cobrinha, diretor de futebol, havia recomendado a contratação do novato. Mais prudente, seu Edval, o treinador, pediu um tempo para melhor avaliar a promessa grapiúna.

A primeira impressão não foi a que ficou. No treino seguinte Caxinguelê pipocou, pisou na bola, frustrou as expectativas. Escalado no elenco titular, ao lado de Gajé, Bueirinho, Tanajura e outros craques lendários, ele teve como marcador o viril lateral Zé Branco. E este chegou junto, não lhe deu trégua, nem tempo de sassaricar.

Caxinguelê tocava na bola e era logo desarmado. Zé Branco lhe cutucava, peitava, arremessava no alambrado. Diante da marcação pesada o jeito foi pedir clemência. Chegou pra Zé Branco e disse: – Pega mais leve porque eu tou cheio de verme -. Em seguida pediu pra ser substituído e mudou de ramo. Virou roupeiro. Daí chegou à condição de massagista em outros clubes, pois no Independente a função era de Américo Pintor.

Antes mesmo do time entrar em campo ele já estava no gramado protagonizando suas patacoadas. Galhos de pião roxo, folhas de arruda, queima de pólvora, simulações de descarrego… Foclorizava à torto e à direito. E desse modo foi convidado a trabalhar na Seleção de Ipiaú que então desfrutava excelente conceito no campeonato Intermunicipal. Suas catimbas eram fundamentais em determinadas situações.

Certa vez no Estádio Pedro Caetano o escrete ipiauense ganhava por 1 X 0 e precisava do resultado para obter a classificação e seguir em frente no certame. O jogo estava tenso com o adversário crescendo nos minutos finais. Quando um dos principais jogadores da equipe local foi derrubado e parecia gravemente machucado, o técnico Chinesinho deu ordem para Caxinguelê entrar em cena. Os maqueiros não apareceram e o atendimento do massagista se prolongou na famosa ‘cera’. Caxinguelê é pressionado pelo arbitro a sair imediatamente do campo. Obedece e se retira correndo, mas antes de chegar na linha divisória finge que tropeça, joga a caixa com gelo para o alto e cai gritando de dor. Não contavam com a sua astúcia.

Sabendo que era teatro, os jogadores de Ipiaú arrodeiam o massagista, solicitam atendimento médico e impedem que lhe toquem. Os maqueiros continuaram sumidos. Começou a escurecer. A falta de refletores no estádio não permitiu os descontos da paralisação e sob protestos da equipe adversária a partida foi encerrada. No barzinho em baixo da arquibancada, Caxinguelê comemorou o feito. Bebeu todas, contou altas vantagens.

Em outro jogo do Intermunicipal, na casa do adversário, quase apanhou de um torcedor que invadiu o campo e tomou os apetrechos com os quais simulava um despacho. Quando veio treinar a Seleção de Ipiaú o disciplinador Geraldo Pereira exigiu que Caxinguelê parasse com tais presepadas, conscientizando-lhe de que não devia cutucar o diabo com vara curta.

Caxingelê também fez história na política. Animou comícios em Ipiaú e Ibirataia, ajudando a eleger, respectivamente, os prefeitos Hildebrando Nunes Rezende e José Antônio. Dividia a cantoria com Messias e quando entoava o refrão: ”Hildebrando é gente fina ôôô…”. A multidão vibrava fazendo o coro.

Galvão o poeta dos Novos Baianos, foi candidato a deputado federal pelo PMDB, na eleição de 1982. Chegou a Ipiaú para participar de um comício e ficou mais tempo do que havia planejado. Foram quase vinte dias, mantendo contato com a malucada, batendo baba no areão do Arara, curtindo as ondas locais. Seus principais cabos na cidade eram Caxinguelê, Barãozinho e eu. Num carro de som Caxinguelê propagava a exótica candidatura: “Vote em Galvão e ganhe um morrão. É ele o candidato da massa”. Galvão perdeu a eleição, mas ganhou em Ipiaú nada menos que 300 votos. Somente em Salvador e Juazeiro, sua terra natal, obteve uma votação mais expressiva.

Antes de ir para São Paulo, onde mora atualmente, Caxinguelê ingressou numa religião evangélica. Vestiu terno, gravata, adotou um jeito pastoral e sempre era visto com uma Bíblia na mão. Certamente continua na fé cristã. Assim aproximou-se do artista itagibense Waldomiro de Deus, grande referência da pintura nacional.

Do futebol, Caxinguelê nunca se afastou. Fez amizade com atletas profissionais e até colocou-se à disposição de equipes de veteranos. Uma foto lhe mostra com o tradicional uniforme de massagista ao lado de Ademir da Guia (da inesquecível academia do Palmeiras) e outros jogadores históricos, em um jogo dos Amigos do Eduardo Araújo. Faz tempo que não vem a Ipiaú, esperamos um dia revê-lo.*Por José Américo Castro/GIRO.

Personalidade Folclórica: Deledel, macunaíma de Ipiaú

De del em del ao léu, papel crepom Babel, torre de Rapunzel, seu nome é Deledel. E foi com esse apelido que Josenildo Pereira da Silva ficou conhecido na cidade. Até hoje o povo lembra dos seus aprontes e presepadas. O estilo escancaradamente malandro se não conquistou as elites conseguiu admiradores nos circuitos intelectuais. A boemia o acolhia numa boa. Filho de Quiquinha, irmão de Gói , tio de Digolino, amigo de Berekexéu, coligado de Todo Feio, comparsa de Lixo e Coceirinha, Deledel entrou na história ipiauense muito mais pela ousadia do que os estereotipados padrões de cidadania.

Passou fome, sofreu discriminações, mas não se curvou. Morava em um frágil barraco na beira do Rio de Contas. A cada enchente sua casa era invadida pelas águas. Ia tudo correnteza abaixo. Nem por isso ele se desesperava: “sentava na beira do rio e danava a fazer poesia”. A cena foi descrita pelo saudoso poeta Fauzi Maron em um dos seus versos mais célebres.

Tinha sempre alguém para acolher a família desabrigada e auxiliar na reconstrução da moradia. Deledel frequentava a Praça Rui Barbosa, fazia ponto nas portas do Cine Éden, assistia os filmes, trocava revistas em quadrinhos, discutia futebol, era torcedor do Botafogo e absorvia cultura. Muita cultura. Participou de grupos de teatro, curtiu muito rock and rool, deitou e rolou em cima dos otários.

Com ele era assim: vacilou dançou. Afinal precisava manter-se vivo, sem trabalho pesado. Desse modo reproduzia táticas de Macunaíma, Malasartes e outros heróis sem caráter. Atos de rebeldia, provocações à sociedade, eram rotineiros em sua vida. Quando aprontava e a policia chegava, a rota de fuga já estava traçada. Poucas vezes lhe pegaram.

Após as festas no Rio Novo Tênis Clube, Deledel insistia em prosseguir nos pesados embalos de sábado. Ia até a casa de Zebrinha, mas, dependendo do que estava rolando por lá, o anfitrião não lhe permitia o acesso. Ele então implorava: ”Joga as tranças Rapunzel”. Do alto do sobrado, o aristocrático artista plástico respondia: – Vá embora Delendas, este ambiente não te pertence!

Barrado no baile, o representante da plebe rústica, renegava a luta de classes e pegava o rumo dos “Dez Quartos”, onde terminava a noitada com alguma quenga de plantão. O viés intelectual fez com que Deledel editasse uma gazeta mimeografada que recebeu o nome de “LOCA DO ACARÍ”.

A publicação não passou do segundo número, já que na edição de estreia seu editor havia colocado um anuncio do Restaurante Pouso do Jacu, sem a devida autorização da dona da casa. Cheia de razão a comerciante recusou-se a pagar o anuncio. Sem êxito na cobrança ilegal Deledel deu o troco: no mais autentico estilo extorsivo de Assis Chatobriand, estampou, na segunda edição da Loca, a sensacionalista manchete: “NIÊTA VENDE GATO POR LEBRE”.A ousadia lhe custou caro. A ultrajada empresária saiu em sua caçada pelos quatro cantos da cidade. Deledel não teve outro jeito a não ser o de se esconder e tirar o pasquim de circulação.

Nem os acaris passaram por tanto aperto quanto ele naqueles dias de sufoco e exílio. Quando os ânimos acalmaram ele saiu da toca e manteve toda distancia de Niêta.

A Prefeitura de Ipiaú, logo no inicio da gestão de Miguel Coutinho, promoveu uma grande festa de micareta. Para que o evento obtivesse sucesso contratou alguns trios elétricos, artistas famosos e anunciou incentivo aos blocos, cordões e batucadas. Recursos financeiros seriam liberados para cada um deles. De olho na grana Deledel organizou “A Turma da Lazinha”.

Garantiu que o novo bloco concorreria à altura com a Turma do Funil, o Trem da Alegria e outras entidades tradicionais. Durante o período que antecedeu a folia ele promoveu uma intensa publicidade do bloco estreante. Todo dia estava na Rádio Educadora, Voz da Cidade e outros meios de comunicação. Pichou muros, distribuiu panfletos, caprichou no marketing e guardou segredo quanto às fantasias e o numero de participantes da turma.

A micareta aconteceu com muita animação. Os blocos se apresentaram em alto estilo. Cada um com centenas de foliões. Somente a Turma da Lazinha não aparecia. A pulação na maior expectativa, o pessoal da Prefeitura visivelmente impaciente. Dúvidas pairavam no ar, quando no último dia da folia, quase noite da terça-feira, Deledel botou o seu bloco na rua.

Vestido de branco, lembrando um pai de santo, com uma fita verde- amarela na cabeça, um galho de arruda na orelha, ladeado por três meninos (Boy, Ronnie Von e Digolino) que carregavam cartolinas e tendo na retaguarda a cachorra Faísca. Deledel subiu a ladeira dos Dez Quartos, desceu a Floriano Peixoto e adentrou na Praça Rui Barbosa, proclamando em alto e bom tom: “Del Silva tá na área. Ui,ui,ui, diga que ui… O séquito não teve os aplausos pretendidos, mas, em compensação as gargalhadas foram gerais. Em uma das cartolina estava escrito; “Turma da Lazinha”. Na outra o slogam: “ACARÍ, O RANGO DO FUTURO” e na terceira o agradecimento: “Este bloco tem o apoio da Prefeitura Municipal de Ipiaú”.

Não foi do que jeito que Deledel tinha anunciado nos meios de comunicação, mas também ele não deixou de honrar o compromisso com o município. Naquela altura da folia a grana do erário publico já estava devidamente desviada pra outras curtições. Cansado de viver em Ipiaú, Deledel mudou-se para Salvador. Lá conheceu uma hippie boliviana chamada “Charo” e conviveu com ela por um bom tempo. Moravam na ladeira da Preguiça e faziam constantes visitas à lendária Maria das Cobras, na encosta da Avenida do Contorno.

Depois de muita batalha Deledel conquistou um ponto próximo ao Elevador Lacerda, na cidade baixa, onde vendia fichas e cartões telefônicos. Ali, naquele pedaço, era conhecido pelo apelido de “Reggae”. Quando terminava o expediente Del transitava pelo Maciel, zoava no Pelourinho, curtia a Ladeira da Montanha, fazia presença na Misericórdia. De vez em quando dava uma esticada até a Praça da Piedade e exibia suas virtudes de poeta.

Ao encontrar alguém de Ipiaú, procurava saber das novidades da sua terra. Dizia que estava com saudades, mas não queria voltar. Uma noite lhe encontraram caído na calçada de um beco escuro. Agonizava e fixava o último olhar no prateado mar da Bahia.

De del em del, ao léu
De del em del, ao léu
Papel crepón, Babel
Torre de Rapunzel
Resolução rapel
Seu nome é Deledel
Seu nome é Deledel.
De lá, Dali, daqui!
Da Loca do Acari.
De longe se percebe
Nas Portas do Éden
Eva, Caim e Abel
Seu nome é Deledel
Macunaíma, Malasartes
Mais um herói sem caráter
Nessa parte do hemisfério.
Falando sério
Se o mistério da palavra
Fosse a pá que lavra a alma
Não seria assim ao léu.
Seu nome é Deledel.
De lá, daqui, de onde?
Dos becos underground.

 

*José Américo Castro / Giro Ipiaú

Personalidade Folclórica: conheça as histórias de Patêca

Aos domingos, antes da sessão soirée no Cine Éden, a rapaziada se concentrava na Praça Rui Barbosa para paquerar, discutir futebol e ouvir piadas contadas por Patêca. No repertorio: aventuras ingênuas, conquistas gratuitas, trapalhadas do povo da roça, cinderelas desiludidas, dias de galã, caricaturas do cotidiano. Era ele o protagonista de cada caso. As empregadas domésticas caiam nas armadilhas dos seus galanteios que também impressionavam as moças da classe média e até beldades das elites.

Nos cortejos às ingênuas donzelas, Patêca apresentava-se como industrial, empresário, artista, ou simplesmente herdeiro de fortunas. Dizia ser filho de alguma autoridade, preferencialmente prefeitos, sobrinho do governador Lomanto Junior e amigo de celebridades artísticas. A uma turista carioca se passou como vizinho de Gal Costa e primo de Caetano Veloso.

Adotava o nome de Liedholm, jogador da Suécia que marcou o primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1958 contra a Seleção Brasileira. Prometia “mundos e fundos”. Nas cidades vizinhas também bancava o maioral, aplicava sua capacidade de convencer. O mesmo acontecia quando acompanhava a Seleção de Ipiaú nos jogos do Campeonato Intermunicipal em lugares mais distantes.

“Mirinho”, “Barata” e “Sossiveno”, atletas do Fluminense de Homero, time mais famoso de Itagibá, recebiam por seu intermédio fictícias propostas de grandes clubes nacionais. Prosperino W da Silva, primeiro prefeito de Barra do Rocha, não ficava fora das anedotas e o seu primo Zuti ganhava destaque de fiel escudeiro, parceiro nas inúmeras façanhas.

Charlatanices, invencionices, gargalhadas gerais, Patêca reinava absoluto naquelas noitadas da Praça Rui Barbosa. Era no tempo da Jovem Guarda. Roberto Carlos cantava: “Olha o Brucutu… A Ditadura Militar endurecia, caçava comunistas, estabelecia a censura, torturava rebeldes. Um agente das forças repressivas se passava pelo doido “Dor de Barriga”, e investigava tudo na cidade. A galera no jardim, em frente às portas do Éden, não se importava com nada disso, apenas queria rir. Patêca era o centro das atenções.

Segunda-feira de manhã ele já estava no balcão da Casa Vitória, propriedade do seu cunhado Nel Matos, atendendo a freguesia de secos e molhados. Enquanto trabalhava contava piadas. Dunga, João, Fontoura, Marialdo e outros mais chegados, entravam no elenco das suas personagens. Quando a coisa tava demais seu Nel dava uma bronca, mostrando que durante o expediente não se brinca.

Patêca trabalhou na Casa Vitoria por cerca de 50 anos. Nos períodos de férias viajava para rever parentes em São Paulo. Viu o rei Pelé jogar na Vila Belmiro e também assistiu aos espetáculos do fenomenal Mané Garrincha. Passeou de bonde, curtiu os agitos da “paulicéia desvairada”.

Observando Didi, um dos mais elegantes meio-campistas da história do futebol, aprendeu a técnica da “folha seca “que aplicava nos babas do Rio Novo Tênis Clube e no campinho ao lado da Maçonaria. Patêca torcia pelo Ipiaú Esporte Clube e não perdia um clássico contra o rival Independente. Ainda preserva a paixão pelo futebol torcendo pelo Bahia. Acredita que o “tricolor de aço” conquistará mais um titulo nacional.

Seguindo a tradição da família frequentava a 1ª Igreja Batista de Rio Novo, ficando atento às pregações do pastor Paulo. Não deixava de inventar alguma piada após o culto.

No famoso Circo Nerino, Patêca conheceu o palhaço Picolino que muito influenciou seu talento humorístico, e se encantou com Alicinha, destaque entre as estrelas do picadeiro. Observando a sua capacidade em inventar piadas o dono de outro circo chegou a lhe propor emprego. Patêca nasceu na Fazenda Monte Amor, município de Itagibá, sendo o mais velho dos seis filhos do agricultor Severiano Correia e sua esposa Jardelina. O casal lhe deu o nome de Samuel Correia. Ninguém sabe por qual motivo dona Jardelina colocou em seu primogênito o apelido que o celebrizou.

Um dia, na porta do cinema, Patêca conheceu Jailma Pires. A moça fez seu coração brincalhão bater de uma maneira diferente. Depois de um tempo de namoro aconteceu o casamento. Tiveram três filhos: Lorena, Laércio e Samuel Filho. Presepadas paternas foram herdadas pelos dois meninos. Há 30 anos a família vive unida e em paz numa modesta casa na Rua A do Bairro Constança, em Ipiaú. A situação não é melhor porque uma grave doença atingiu Patêca.

Aos 77 anos de idade ele luta contra um câncer de próstata que foi detectado há mais de uma década. A enfermidade lhe deixou fisicamente debilitado, alterou sua rotina de vida, mas não abalou seu bom humor. Quando chega ao Hospital Manoel Novaes, em Itabuna, para as sessões diárias de rádio e quimioterapia é recebido com alegria pelos demais pacientes. Chamam-lhe de “Samuca” e encontram nas suas piadas um bom motivo para elevar a auto-estima.

Médicos e enfermeiras reconhecem sua importância no processo de cura de toda a turma, inclusive dele próprio. As lastimas são anuladas pelas gargalhadas. Patêca conta piadas, mostra na simplicidade de sua alegria a voluntariedade de um espírito grandioso. Deus lhe abastece de amor, humor e esperança. *Por José Américo Castro

Personalidade folclórica: Jaime Cobrinha, o mais astuto dos cartolas

Ipiaú só teve futebol de respeito no tempo de Jaime Cobrinha! A frase, repetida por inúmeros desportistas que viveram a bela época do nosso esporte mais popular, indica a importância do personagem. Ele foi o mais abnegado dos dirigentes, o mais versátil dos “cartolas”, o garimpeiro dos grandes craques. Mais que a sutileza do réptil homônimo, Cobrinha tinha a astúcia das raposas, a habilidade das águias e o bom veneno das vitórias. Jamais jogou bola, porém definiu o destino de clubes, contribuiu para que a Seleção de Ipiaú ganhasse títulos no Campeonato Intermunicipal e até emprestou seu nome a uma importante honraria do município.
Jaime Araújo Andrade, nasceu em 3 de abril de 1927, na cidade de Jequié, no entanto desde criança tornou-se morador de Ipiaú. Seu pai chamava-se Geraldo Galvão de Andrade e sua mãe Judith Araújo Andrade.
O casal mantinham em casa, na Rua Borges de Barros, uma produção artesanal de fogos de artifício. Fabricavam foguetes, bombinhas, traques e cobrinhas. Destas veio o apelido de infância que lhe acompanhou pra sempre e ganhou mais autenticidade após um acidente de trabalho.
Ao cair de um poste enquanto exercia a função de “guarda fios” da companhia de Correios e Telégrafos, Jaime sofreu uma lesão na coluna vertebral que comprometeu o seu jeito de andar. Caminhava numa espécie de zig e zag, sempre de cabeça baixa. Devido a isso fizeram piadas em relação à sua pessoa. Supunham que estava constantemente embriagado, ou algo parecido. Mero engano, a aparência frágil escondia a fortaleza de um grande guerreiro.
Em 1959, Cobrinha idealizou o campeonato estudantil do Ginásio de Rio Novo e de lambuja conquistou o titulo do certame, treinando o time da Primeira Série. Foi o passo inicial de uma trajetória vitoriosa. Pouco tempo depois se via dirigente do poderoso Independente Esporte e Cultura. Exerceu o cargo de Diretor de Futebol com plenos poderes.
Os resultados dos jogos não só dependiam do bom desempenho dos atletas nos gramados, mas também das suas manobras nos bastidores. Bons tratos aos árbitros antes e depois das partidas, generosos brindes aos maiorais da Federação Baiana de Futebol, transito livre no Tribunal da Justiça Desportiva, facilitavam vitórias no “tapetão”. Garantir mandos de campo, transferências de atletas e reversões de profissionais para o amadorismo, nunca foram problemas pra ele, ainda mais porque a diretoria do Independente tinha cacife para bancar o famoso jeitinho brasileiro.
Cobrinha articulava tudo com a sua educação refinada. Amplo, geral e irrestrito, assim pode definir o bom relacionamento que adotava cotidianamente. Era mesmo um gentleman. Além de um cavalheiro, Jaime Cobrinha era um dos cartolas mais espertos da Bahia. Osório Villas Boas costumava dizer que só o nome não condizia com o seu currículo: “ele não é cobrinha, Jaime é um cascavel quando se trata dos times de Ipiaú”. Visando a formação de um bom elenco, Jaime percorria a Bahia garimpando craques.
Foi desse modo que trouxe para o futebol ipiauense atletas como Dilermando e Tanajura (de Paramirin), Maíca (de Jequié), Gino, Bidinho e Adilson Paredão (de Valença), Zé Plínio, Bocão e Bueirinho (de Feira de Santana), Jorge Campos (de Itororó), Gajé (de Ibicaraí), Davi(de Poções) e o lendário goleiro Betinho (de Ilhéus).
É vasto o folclore que envolve a figura de Jaime Cobrinha. Contam que nas vésperas dos jogos, principalmente os clássicos, ele ficava de plantão noturno na concentração do time para que os jogadores não escapulissem em busca de farras. Nesse encargo de sentinela avançada chegou a passar uma noite inteira sentado na escadaria de um hotel em Valença.
Quando o Independente ou a Seleção de Ipiaú chegava a alguma cidade e os moradores locais avistavam Jaime caminhando, após o desembarque do ônibus que conduzia a delegação, era habitual o comentário:
-Se o dono do time já está tropicando de bêbado, imaginem os jogadores-.
Em Ituberá, a proprietária de um hotel não deixou de repreendê-lo:
-O senhor deveria tomar vergonha. Embriagado desse jeito como pode dá bom exemplo aos atletas?
Após a primeira impressão percebiam que estavam julgando errado e pediam desculpas. Eram imediatamente perdoados. No coração de Jaime não cabia mágoas. A melhor resposta vinha, durante o jogo, com o Independente mostrando o seu valor, demolindo adversários, encantando plateias.
Um dia, Jaime Cobrinha recebeu uma proposta de trabalhar em Ubatã onde teria melhores condições no exercício da sua profissão de contador e ao mesmo tempo cumpriria a missão de soerguer o futebol local. O prefeito Almenizio Braga Lopes (MIL) lhe dava todas as garantias. O projeto experimentava o êxito desejado, mas foi interrompido no dia 22 de janeiro de 1987 quando ao atravessar a pista da BR-330, o astuto Jaime, aos 69 anos de idade, morreu atropelado por um veiculo que transitava em alta velocidade. Deixou a mulher Alice Santana Andrade, os filhos: Ana Maria, Jaiminho, Eliana, Maialú, Geraldo e Paulo César (Kaco) e uma incrível história de amor pelo futebol.
A Lei Municipal nº 2.215, de 25 de junho de 2015 criou , no âmbito da Câmara Municipal de Ipiaú, a Medalha do Mérito Desportivo Jaime Araújo de Andrade, a ser concedida a entidade ou cidadão que comprovadamente tenha prestado relevantes serviços em favor do desenvolvimento dos esportes neste município. A honraria decorre de um Projeto de Lei do vereador Adelfran Bacelar -PR- que assim confirma a tradição desta Câmara de “batizar”, suas medalhas com o nome de personalidades que sintetizam o espírito da homenagem. Jaime Cobrinha não ficou no esquecimento. (GIRO/José Américo Castro)

Personalidade Folclórica: Zezito Amaral, o amigo da cidade

Ele foi exemplo de superação e competência profissional. A poliomielite lhe deixou paraplégico aos dois anos, mas não deteve a sua caminhada na vida. Movimentou-se como pôde na busca dos objetivos e encontrou na oratória a principal razão da sua história.

Nascido em Ilhéus, no dia 06 de junho de 1935, recebeu dos seus pais, Manoel Nonato e Egle Amaral,  o nome de José Marques Amaral, porém ficou mais conhecido como  “Zezito”. As cidades de Ubaitaba, Ubatã, Brasília e Ipiaú estiveram em seu caminho e ecoaram a potencia da sua voz, testemunharam o exercício da sua cidadania.

Zezito Amaral gerou três filhas (Nara, Sara e Jussiara), cultivou muitas amizades, formou discípulos, lutou pelos direitos dos deficientes físicos, tornou-se um grande desportista. Também se deu à boemia, conviveu com artistas, freqüentou cabarés, curtiu farras homéricas. Seu nome jamais será esquecido por aqueles que lhe conheceram e cultivam o sentimento da gratidão.

Ainda criança, aos dez anos de idade tornou-se morador de Ubaitaba. Para que isso acontecesse teve que viajar num trem de ferro, de Ilhéus até Aurelino Leal, e atravessar de canoa o Rio das Contas. A antiga Itapira lhe traria novas perspectivas de vida. Ali desfrutou os melhores momentos da infância: ingressou na escola da professora Alice de Magalhães, ganhou a primeira cadeira de rodas, doada por Petrônio Amorim, gerente da firma Correia Ribeiro, assistiu os primeiros filmes no Cine Lux, conseguiu o primeiro emprego, como  auxiliar do agente de seguros Clodoaldo Santana (Coló), e também a oportunidade de falar pela primeira vez em um microfone.  A “canja” foi proporcionada pelo locutor Raimundo, do Parque Estrela do Norte, cujo dono, Ângelo Nunes (“Mestre Anjo”) inauguraria, tempos depois ,  o famoso Parque Ouro Verde. Os venturosos dias da adolescência de Zezito também foram vivenciados em Ubaitaba.
O Serviço Social e Propagandista de Ubaitaba ficou desfalcado do locutor José Bessa Leite, baleado durante uma briga no cabaré de Deon, em Poirí (atual Aurelino Leal). Foi então que o jovem Zezito teve a chance de começar a exercer a profissão que tanto sonhava. De imediato provou seu talento criando uma programação diferente, com sessões de esporte, cultura, religião e noticiais em geral. É nesse período que estabelece amizade com o cantor e compositor Fernando Lona que se tornaria um ícone da cultura nacional  a partir da conquista do primeiro lugar no Festival Nacional de Música Popular da TV Excelsior (SP) com a marcha rancho “Porta Estandarte”, em parceria com Geraldo Vandré.  Entusiasta do futebol,  Zezito Amaral  engajou  na  diretoria  do Grêmio Esportivo Almirante Barroso, o time dos canoeiros de Itapira, cujo maior rival era o  Palmeiras de Poirí. Sua constante dinâmica permitiria realizar inúmeras outras façanhas na “Cidade das Canoas”.
Em março de 1958, Sandoval Alcântara, prefeito do recém emancipado município de Ubatã (antigo Dois irmãos), oferece  boa proposta para Zezito assumir o serviço de alto falante  desta cidade que então vivia a euforia da construção da Usina do Funil. Mais de mil homens trabalhavam na obra e muito dinheiro circulava no município. Gente de todos os quadrantes chegava até ali. Só de prostitutas eram cerca de 800, conforme atestou uma pesquisa feita, na época, pela Prefeitura Municipal e registrou o próprio Zezito num esboço da sua autobiografia. A Boate Copacabana era o ponto chic daquele momento de efervescência.
Zezito Amaral tornou-se muito querido em Ubatã. Estimulado pelo crescente carisma ele resolveu, no ano de 1962, ingressar na política local, buscando uma vaga na Câmara de Vereadores, pelo PTB. Os votos recebidos foram suficientes para lhe garantir uma suplência, entretanto em algumas ocasiões chegou a assumir, interinamente, a vaga do titular. O espírito desportista de Zezito também se manifestaria em Ubatã, onde  junta-se  a Androsil Silva, Geraldo Bahiana Machado, dentre outros cidadãos, para tornar o Botafogo um clube de muitos títulos. Em 1963 o Rio de Contas transbordou causando estragos nas cidades ribeirinhas, principalmente em Ubatã que foi parcialmente destruída pela  grande enchente.  Zezito compreendeu que era tempo de buscar novos rumos.
O sonho por melhores dias lhe conduziu até Brasília, onde se pagava o melhor salário do país. A longa viagem, em um caminhão pau de arara, durou cinco dias. Chegando ao Distrito Federal, Zezito Amaral busca contato com Waldir Pires, Consultor Geral da República, gente grande no governo do Presidente João Gulart (Jango), e consegue emprego na Rádio Educadora, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Aconteceu, naquele conturbado ano de 1964, o golpe militar que derrubou o governo de Jango, democraticamente eleito pelo povo brasileiro. Execuções, prisões, torturas, exílios, perseguições, foram consequências do arbítrio perpetrado pelos milicos que também puniram Zezito, tirando-lhe o emprego. O locutor não esmoreceu: buscou alternativas em São Paulo, mas não se adaptando à metrópole retorna à Ubatã, permanecendo outra temporada nesta cidade. A obra de construção da Usina do Funil tinha sido concluída e a euforia na economia local já não era a mesma. A necessidade impôs que Zezito Amaral  continuasse caminhando.
Em 25 de setembro 1969 ele chega em Ipiaú. Instala a “Voz da Cidade”, reativando assim o serviço de alto falante que estava paralisado desde o fechamento da Voz de Rio Novo, empreendimento de Moacir Carvalho que tinha como locutor o vibrante Jota Hermano. Durante 34 anos, Zezito Amaral mostra seu valor prestando relevantes serviços à comunidade local. Acumulando a função de locutor com outras atividades sociais, Zezito se torna cada vez mais atuante: ingressa no Rotary Clube, molda-se ao perfil ipiauense,  candidata-se a vereador pelo PDC, mostra seu espírito público, dá exemplos de cidadania. A sua paixão pelo futebol não deixaria de eclodir no Município Modelo. Organiza campeonatos, divulga eventos, promove espetáculos, dirige clubes.
Tanta contribuição lhe rendeu algumas homenagens, inclusive o nome de uma área de lazer e o da cabine de imprensa do Estádio Municipal. Na Rádio Educadora de Ipiaú realiza diariamente, das 14 às 17, um programa de variedades com grande audiência. No mesmo período lidera um movimento pela construção de rampas para cadeirantes e auxilia Dr. Roberto Nascimento, da Clinica São Roque, nas solenidades de doação de cadeiras de rodas às pessoas necessitadas. A entrega dos equipamentos acontecia, invariavelmente, no dia 16 de agosto, dedicado ao padroeiro da cidade. O vozeirão de Zezito Amaral tornou-se intimo da população que passou a lhe identificar pelo slogan:  “O AMIGO DA CIDADE”.
Foi em Ipiaú que Zezito adquiriu sua primeira cadeira de rodas motorizada. Antes, ele sempre dependia de alguém para empurrar o veiculo. Quando era criança lhe conduziam num carrinho de mão, daqueles que antigamente utilizavam para carregos nas feiras livres. Depois foram as cadeiras de rodas convencionais, as quais eram empurradas por meninos contratados para o singular serviço. Alguns desses jovens absorveram os ensinos do inteligente cadeirante e se deram bem na vida.
O  locutor  Julio Souza, o mestre de capoeira Gideon Borges de Souza, hoje residente na Bélgica, o funcionário público Edvaldo de Souza Barreto, apelidado de  “Fia Gasa”,  o aposentado Humberto Barra  e o jornalista Walmir Damasceno,  dirigente do Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu, constam desse elenco. Eles ficavam de prontidão, aguardando Zezito onde quer que estivesse.  Aos domingos, o locutor tomava suas cervejinhas: corria freguesias, contava causos, rememorava fatos e quando estava “molhado” despencava a cabeça para o lado, curtindo o  avançado estado daquela  onda etílica. Era então que auxiliar de plantão entendia que estava na hora de levar o homem pra casa.
Zezito Amaral morreu no dia 27 de janeiro de 2004, em Ipiaú, aos 69 anos de idade. O serviço de alto falante que implantou passou a ser explorado pelo musico Clóvis Reis com a denominação de “Voz da Cidade Zezito Amaral”. Pelo tanto que fez em beneficio de Ipiaú, Zezito Amaral é merecedor de muitas homenagens. Colocar seu nome em uma das ruas de Ipiaú é um dever das autoridades do município, afinal era ele. “O AMIGO DA CIDADE”. (Giro/José Américo Castro).

Personalidade Folclórica de Ipiaú: A história de Dren

A magia do cinema lhe encantou desde criança. Em caixas de sapatos simulava projeções de imagens de revistas em quadrinhos e estampas do sabonete Eucalol. Viajava naquelas figuras lendárias. Também utilizava uma lanterna para projetar essas imagens desenhadas em uma tela de vidro e ampliadas por uma lente.

Foi batizado com nome de José de Assis Filho, mas prevaleceu o apelido de Dren, dado pelo médico radiologista José Maria Rodrigues durante um baba à beira rio. No ano de 1948 assistiu ao filme “A Grande Aventura” de Charlie Chaplin e apaixonou-se de vez pela “Sétima Arte”.

O Cine Éden que originalmente funcionava no armazém do italiano José Miraglia, na Praça Rui Barbosa, tornou-se a principal motivação da sua juventude. Em 1954, o cinema já estava instalado em novo prédio e Dren arranjou um emprego por lá.

Aperfeiçoou-se naquilo que mais gostava: Remendar as fitas, pintar cartazes, cuidar da bilheteria, operar a máquina de projeção, organizar a sala, enfim, realizar todas as tarefas que lhe permitissem manter-se no ambiente de trabalho. Diz que aprendeu tudo isso com “Leto”, um sujeito de estatura alta e magricela, cujo tino artístico acentuava-se à proporção em que se embriagava.

Os filmes de Tarzan, com o ator Johnny Weissmullhe, atraiam grande público, enquanto a produção nacional procurava se firmar com as chanchadas de Oscarito, Ankito e Grande Otelo. Vieram os épicos, os faroestes… Dren assistindo tudo, tirando proveito, até chegar o tempo (1964) de adquirir um projetor de 16 mm e iniciar sua grande aventura. Realizava sessões no auditório do Ginásio de Rio Novo e outros locais da região.

Em seu carro de som percorria os arruados anunciado a atração da noite. Os anúncios às vezes eram mais vibrantes do que a película em cartaz. Dele dizia o patriarca Jorge Cunha: ”Esse rapaz nasceu pra fazer zoada”. A resposta do barulhento marketing era sempre animadora: casa cheia, bilheteria com boa arrecadação, lucro.

Dren levava o cinema aonde somente os pequenos circos tinham ido. Ibitupã, Tapirama, Itaibó, Itajurú, Santa Terezinha, Algodão… Povoados em êxtase com aquela novidade. A fixação era tanta que confundiam a ficção com a realidade e até interferiam na cena. Xingavam o vilão, ameaçavam de arma em punho, queriam invadir a tela.

Às quintas feiras, Dren exibia seus filmes na Fazenda São José, de José Hagge Midlej. Lá, por recomendação do proprietário, os homens sentavam à direita e mulheres à esquerda. Zé Hagge entendia que “prevenir era melhor que remediar”.

“Cine Bufa”

No ano de 1969, Dren inaugura na Rua Castro Alves, em um antigo armazém de cacau, uma sala com o seu próprio nome. O CINE DREN roubou do Cine Éden o público mais vibrante e ganhou, por motivos óbvios, o honroso apelido de “Cine Bufa”. Não tinha sanitários, o mobiliário era constituído por grotescos bancos e tamboretes, a ventilação muito deficiente e a esculhambação generalizada.

O calor excessivo permitia que a plateia tirasse a camisa enquanto assistia ao filme. No meio da projeção costumava-se ouvir: -Ô Dren, eu quero mijar! Ou então: -Bufaram aqui, tá um fedor retado!. Dren respondia aos gritos:-“Tapa o nariz, aperta o rabo, porque se eu for lá é pra enrolhar o toba de um”. Quando a coisa chegava às raias do insuportável, ele interrompia a projeção e saia cheirando o cangote de cada cinéfilo. Aos cascudos, o principal suspeito era expulso do recinto. Na troca de carretel, a turma podia ir até o terreno baldio no fundos do prédio pra fazer necessidades fisiológicas. Alguns voltavam com os pés melados de bosta e aí era que a coisa fedia mesmo.

O Cine Dren tinha sessões à tarde, à noite e quase de madrugada. Na última sessão eram projetados os chamados filmes de putaria. Foram eles que motivaram uma intimação do delegado de policia ao proprietário da sala. A queixa foi prestada pelas freiras do Instituto Sagrada Família, que moravam na vizinhança do cinema. Elas estavam incomodadas com os chiados indecentes dos atores em cena e com as frases ditas em voz alta pela plateia. As mais moderadas eram do tipo: ”vai sacaninha…”

A Volta de Tarzan
Alguns filmes ficavam em cartaz durante semanas. Um exemplo disso foi “Tarzan: O Rei das Selvas”. De tanto assistir a fita, um garoto decorou a cena. O herói estava sendo perseguido por índios bravos quando no auge do suspense o assistente gritou: “Tarzan ô Tarzan. O personagem dá uma paradinha, volta a cabeça e, no close hollywoodiano, olha em direção à platéia. Satisfeito com a atenção dispensada, o rapaz emenda:  Não é nada não Tarzan, se manda  porque   os índios tão quase te pegando”.
Nessa mesma época o Rio de Contas encheu a ponto de cobrir a ponte próxima ao “Areião do Arara” , na via de acesso a Jequié, cidade  onde se buscava novos filmes. Sem alternativa Dren anunciou no carro de som que aconteceria a espetacular estréia de “A Volta de Tarzan”. Não deu outra:  casa cheia,  filas para a segunda sessão, gente querendo entrar de qualquer jeito.
Descoberta a farsa, as reclamações foram imediatas e a explicação também: “Vocês entenderam errado, eu queria dizer que o mesmo filme estava de volta”.  O advogado e pesquisador Paulo Andrade Magalhães lembra que “além de exercer sozinho quase todas as atividades no âmbito do cinema, Dren também era dotado de uma prodigiosa criatividade. No próprio ingresso esclarecia, implicitamente, ao espectador, de que ali não se tratava de uma sala comum e sim do “Palácio dos Bons Filmes”, patrimônio dos municípios de Ipiaú, Ibirataia, Itagí e Jitaúna.
Apostador   
Parte do dinheiro que ganhava com o cinema, Dren perdia em apostas. Optava sempre pela “zebra”, dava vantagens absurdas, mas quando acertava tirava o maior sarro. Jogando futebol no Estádio Pedro Caetano, pelo Vasco da Avenida,  recebeu o apelido de “Tupanzinho”. Um dia fez um gol de bicicleta. Em homenagem à façanha, mandou  pintar em sua lambreta a figura de um atleta realizando a famosa jogada inventada por Leônidas da Silva. A zoada que fazia no carro de som, o homem do cinema repetia no salão da sinuca. Ficaram famosos seus embates com Jorge Montanha, Fran, Bita, Chopp, Luis Barão e Miguel Tannus.  Achava-se o  bamba do taco, mas nem sempre encaçapava a bola da vez.
The End
O filão do Cine Teatro Eden foi explorado por diversos empresários, no entanto, por ironia do destino, coube a Dren ser o  último deles. Alugou a sala na segunda metade dos anos 70 e resistiu até março de 1984. Tentava vencer a concorrência da televisão em cores, exibindo filmes de artes marciais e pornografias, mas não suportou aos aumentos sucessivos do custo do aluguel do prédio. Entregou as chaves, chorou. Lágrimas de despedida, saudades eternas. Fecharam as portas o Edén, encerrou-se uma importante época da cultura ipiauense.
Dren ( O Último dos Moicanos), mudou de ramo. Hoje revende alimentos industrializados aos supermercados e mercearias da região. Percorre os mesmos caminhos que fazia com o seu cinema mambembe. Encontra velhos cinéfilos, recorda antigas façanhas e assegura com pureza d’alma: “Aquele foi o melhor tempo da minha vida”. (Giro/José Américo da Matta Castro).

Cesão de Alfredo e a pulsante cantina do ABC

Ele estava para a Cantina do ABC, em Ipiaú, do mesmo jeito que Clarindo Silva esteve para a Cantina da Lua, no centro histórico de Salvador. Paulo César Rocha Sá, o popular “Cesão de Alfredo”, tornou seu estabelecimento comercial, no Alto da Prefeitura, num bar tão pulsante quanto o famoso point do Terreiro de Jesus, guardando as devidas proporções, é claro. A denominação original foi em homenagem à antiga Rua do ABC, atual Rua Tomé de Souza, onde a cantina estava localizada. Ocorreu que alguns dos seus criativos frequentadores, no auge da empolgação etílica, apressaram em dizer que a sigla tinha outro significado: “Aprenda Beber Cachaça”. Prevaleceu esta hipótese.

A Cantina do ABC era um cubículo pouco ventilado, sem conforto material e muito disputado por intelectuais, artistas, políticos, atletas, boêmios e vagabundos. Durou quase uma década, tempo suficiente para contribuir com a grande efervescência cultural que o “Município Modelo” experimentava naquela época de reflexos tropicalistas. Foi inaugurada no Dia de Finados, 02 de novembro de 1975 e fechou suas portas em abril de 1982.
Dali surgiram músicas, poesias, movimentos, candidaturas, articulações, jogos, fofocas, piadas, coisas que marcaram a cidade e ganharam destaque na historia local. A vida dos outros nunca deixou de ser poupada. Cesão assistia a tudo em fiel cumplicidade. Opinava, incentiva e às vezes se ‘retava’ com os bebuns mais inconvenientes, ou quando algum atiçado maconheiro acendia um baseado , barrufando o ambiente inteiro.

Joelma: A transexual do Sítio do Pica-Pau

Considerado um dos primeiros transexuais da região, Joel Patrício Novais, mais conhecido como “Joelma”, é uma das tantas personagens folclóricas de Ipiaú. Sua controvertida história motivou o cineasta Edson Bastos a produzir um filme que faturou o premio de “Melhor Curta Metragem Nacional” no 19° Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual, ocorrido em São Paulo. O curta continua fazendo sucesso por todo o país e até mesmo no exterior. O personagem é interpretado pelo ator Fábio Vidal. Residente no Sitio do Pica-Pau Amarelo, periferia de Ipiaú, Joelma é mística, exótica e emblemática. Edificou a Igreja das 13 Almas, da qual é, ao mesmo tempo, fiel e sacerdotisa.

Multiplica-se. Todos respeitam o seu jeito de ser. Goza de muito carisma na comunidade onde habita. Por não querer ser Joel e continuar catando carvão na região do Burí, zona rural do município, resolveu ainda adolescente, fugir pra São Paulo. Foi na paulicéia desvairada que se liberou de vez e conheceu o português João Freire Leal que ela afirma ser avô do cantor Roberto Leal. Com o dito lusitano conviveu por 22 anos. Recebeu atenção, boa vida e diz até ter sido alfabetizada. Em defesa do fidalgo Dom João, Joelma cometeu um homicídio. Isto lhe rendeu muito tempo de cadeia. João Leal chegou aos 101 anos de idade. Depois que ele morreu, Joelma conviveu com outro ancião: Esperidião de Souza Brito, tio de um dos seus advogados.

Dramática, performática, geriátrica, Joelma, a original, diz que já escapou de 78 feitiços e que não tem preconceito em exibir seu corpo. Escancara, mostra as partes, garantindo serem dotadas do mais autêntico silicone. Aos curiosos avisa: ”Se olhar com maldade não vai enxergar nada”. Joelma assegura que o sucesso do filme inspirado em sua pessoa não interferiu no seu cotidiano. Para alivio dos protagonistas de plantão, conclui: “Eu vivo do meu suor e não quero ser uma artista”. Siliconada, maquiada, pervertida, mal ou bem vestida, Joelma tem seu ponto de vista, seu estilo de Chiquita, bacana e sacrista. Mulher Maravilha da periferia ipiauense. “ O avesso, do avesso, do avesso… (Giro em Ipiaú/José Américo Castro).

Chico Zoin, o voraz comedor de copos

Foto: Giro em Ipiaú

Ele mereceu uma crônica de Euclides Neto, no livro “O Tempo é Chegado”, o último do grande escritor ipiauense. Tamanha era a sua excentricidade que chegava ao ponto de mastigar pedaços de copos, arrancados com firmes dentadas, e cuspir fragmentos de vidro para que ninguém tivesse duvida daqueles atos que nem o mais atiçado dos “metaleiros” ousava praticar. Não ficava por aí. Queimava e rasgava dinheiro, esculhambava nos puteiros, aprontava muito mais do que se possa imaginar.

Foi registrado com o nome de Francisco Paulo Santos, tem 63 anos de idade, e devido a um defeito de nascença na instalação (olho) ficou conhecido como Chico Zoin. A condição de excelente mecânico em um lugar onde inexistia concorrência lhe permitiu prestigio e fama, entretanto pouca importância deu a tais valores. “Estaria muito rico se soubesse juntar”, avaliava Euclides Neto, no entanto, Chico Zoin, na lógica do seu raciocínio contábil, concluía: – Não preciso de muito dinheiro. Ganhei duzentos. Só vou precisar de cem-, e sem nenhuma preocupação de poupança, picotava a ruma de cédulas que seria disputada a tapas pelas rameiras do Vapt/Vupt, um brega no meio de um mundo distante. O quebra cabeça da reconstituição das notas era problema delas.

Foto: Giro em Ipiaú

Os setecentos e cinquenta quilômetros que separam Ipiaú de Montalvania, nos gerais de Minas, seriam percorridos na C10 pelo médico Dezidério Teixeira (irmão de Euclides Neto)que seguia na boleia do carro dirigido por Dubinha, afamado motorista do sul baiano. Na carroceria, Rubalo, Jairo (pegador de jacaré), Tõe (irmão de Dizidério e Euclides)e Chico Zoin se seguravam em cada curva, dando altas gargalhadas, contando piadas e falando da vida dos outros. O veiculo e seus ocupantes necessitavam de muito combustível para cumprir a jornada. Em cada parada um abastecimento: a C10 na bomba de gasolina e a tripulação nos botecos da beira da estrada. O poeirão do sertão era pretexto pra muitas outras “tiortinas” e assim seguiam viagem.

Pela sua condição de único mecânico do lugar, Chico ganhou fama em Montalvania. Não lhe faltava o que consertar, de trator a bomba de puxar água. O dinheiro entrava aos montes, mas saia em extravagâncias de quem não tinha onde gastar e nem gostava de economizar. No Vapt/Vupt, suas façanhas ficaram famosas. Não foram poucas às vezes em que tocava fogo nas notas para acender os candeeiros que alumiavam aquela casa de tolerância. Desse modo, Zoin, autenticava na pratica a caetanica filosofia do “não me amarro a dinheiro não”.

Foto: Giro em Ipiaú

Beleza pura, decerto, não estaria no seu repertório. Senhor dos motores, Chico Zoin tinha clientela crescente e nunca bebia em serviço. Quando o expediente encerrava as garrafas eram esvaziadas e ele se esbagaçava. Um dia depois de tomar muita pinga, Chico chegou em casa tropeçando. Deu uma de brabo e apanhou feio da mulher, da sogra e da cunhada. Pra completar a cacetada familiar, foi preso e virou noticia na imprensa regional. Na página policial do jornal Tribuna do Vale estamparam a manchete: “MARIDO ESPANCA A ESPOSA”.

O restante da matéria tinha o seguinte teor: -No dia 13 do mês corrente o individuo Francisco Paulo Santos, de vulgo “Chico Zoin” , espancou sua esposa Hilda Ramos Santos, por motivo de aguardente. O individuo foi guardado na 17ª Depol, enquanto sarava da dita cuja. Depois recebeu um sabão do Dr. Mário Novaes, delegado da comarca-.

Foto: Giro em Ipiaú

A inversão dos valores apresentada pela imprensa sertaneja foi um alivio no seu orgulho machista. “Ê porra, sair por cima”, teria pronunciado, ao tomar conhecimento do texto. Essa não foi a única detenção que Chico Zoin sofreu. Uma outra, em caráter preventivo, aconteceu no povoado do Rumo, município de Itaetê, onde todo domingo ele ia fazer feira, se embriagar e aprontar suas presepadas. Totalmente sóbrio, tão logo pisou no arruado, recebeu voz de prisão, por parte do policial de plantão. Sem entender aquela atitude Zoin argumentou : ”Preso porque se eu não fiz nada”. O policial, então respondeu: -Por isso mesmo, por ainda não ter feito!

A saudade de Ipiaú bateu forte e Chico resolveu voltar. Chegou cheio de prosa e com fama de milionário, mas tão logo arriava as malas já exibia seus dotes de bom pingunço. Mostrou-se um autêntico come copo. Engolia a cachaça e quebrava o vidro nos dentes. Mastigava os cacos e cuspia as partículas na palma da mão para provar a veracidade do fato. Às vezes perguntava aos que apreciavam a cena: “Quer com sangue ou sem sangue? Numa noite de Natal foi visitar uma família amiga e não resistiu quando lhe ofereceram vinho em uma fina taça de cristal. Traçou a dita como se fosse casquinha de sorvete. Repetiria o gesto com outras que estavam na cristaleira se não fosse a enérgica intervenção de dona Olga (mãe de Pantera) que não queria perder seu mimado acervo.

Foto: Giro em Ipiaú

Quando os copos não lhe bastavam, Chico Zoin mastigava os gargalos das garrafas. Chegou uma época de seu apetite voraz desejar os para-brisas e retrovisores dos carros estacionados nas proximidades dos bares que frequentava. Ito Curuca, Rogério de Fran, Espartacus Teixeira e Miguel Banda Rôxa (atual vice prefeito do município), são alguns dos muitos que testemunharam os estranhos banquetes de Chico Zoin. Tudo tem seu tempo e veio o tempo de Chico descobrir que é na lucidez que a vida se revela mais bela. Parou de beber, perdeu o apetite pelos copos. Hoje, sobrevivente do flagelo, vive o bom tempo da realidade. Já não ganha tanto dinheiro, lhe bastam os proventos de mecânico da Prefeitura Municipal. Mostra sua ciência no conserto dos motores e está determinado a fazer funcionar o antigo FNM que Ipiaú ganhou como prêmio por ter conquistado do titulo de Município Modelo da Bahia. (Giro/José Américo Castro).

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Jeré, o titã dos lábios de brasa

Foto: Arquivo

E o gigante tombou na senda da existência. Tinha algo de Atlas, o titã, e muitas vezes se mostrava como o próprio Rei Zulu, com sua nobreza tribal, pelas ruas de Ipiaú. Perambulando, aprontando, filosofando, aplicando pegadinhas, confirmando que “o doido vê a vida pelo ponto de vista original”, ele resistiu com bravura àquele suplício, mas, por não ser eterno, tombou! Não suportou o peso que lhe impuseram. Sexta Feira da Paixão, dia 18 de abril de ano de 2014, após algum tempo internado no Hospital do Estado (HGI), Jeremias Almeida Oliveira, o descomunal “Jeré”, expirou.

Saía da cena do cotidiano da cidade mais uma personalidade folclórica. Agora é só história, memória. “Cadê a liberdade de imprensa Zé? Perguntava toda vez que me encontrava. Eu tinha que admitir que a tal liberdade continuasse engessada e restrita, devido ao comprometimento da mídia com os interesses de grupos empresariais e de políticos que insistem em camuflar a verdade nas emissoras subvencionadas com verbas públicas.

Grande Jeré, figuraça! Jorge Camafeu o descreveu com precisão:- corpanzil de negro estivador, calção abaixo da linha da cintura, peito desnudo, lábios avermelhados, brasas vivas’. Lambada de serpente, tal qual cantava na “noite fria, tempo quente”. (José Américo Castro / GIRO)

Personalidade Folclórica de Ipiaú: As artimanhas do incrível Chupilha

Bem que seu Amâncio e dona Joana procuraram criar Aurenito no bom caminho. Fizeram-no freqüentar a Igreja Batista, ouvir as pregações do pastor Abílio e ler a Bíblia todos os dias, além de providenciarem seu ingresso no internato do Colégio Taylor Egidio, em Jaquaquara. No entanto, nem os conselhos paternos, nem a doutrina cristã e muito menos o exemplo de probidade e honradez do professor Carlos Dubois, “o lapidador de homens”, deram jeito no rapaz. Proveitosas mesmo foram as aulas extracurriculares da professora Stela Câmera (musicista e teatróloga) “que faziam o Taylor Egidio cantar, sonhar e sorrir”.

Os belíssimos corais e peças teatrais marcaram a vida dos alunos, tornando o estabelecimento uma experiência inesquecível. Foi nessa pegada artística que Chupilha aperfeiçoou seus dotes de ator e descobriu o talento de tocador de gaita que exibia nas incontáveis farras e servia de trilha sonora ao extenso repertorio de piadas. Cômico, dramático, Chupilha escreveu em linhas tortas o que considerava certo, mesmo sabendo que “malandro demais se atrapalha”. Seus causos ainda são lembrados, contados e até estudados. Vamos a eles.

Chupilha tinha muita semelhança física com o pastor José Sales, homem de caráter ilibado e fama de grande pregador evangélico. Certa vez, em Ubatã, alguns membros da Igreja Batista avistaram Aurenito e o confundiram com o líder religioso. De imediato formularam convite para fazer uma pregação no culto que se realizaria na noite daquele mesmo dia. O convite foi prontamente aceito e o desempenho teológico do suposto pastor obteve o reconhecimento de toda a irmandade que, em gratidão, providenciou uma coleta (a popular vaquinha) repassando-a ao sósia de José Sales.

Quando a farsa foi descoberta Chupilha já estava em Ipiaú gastado a grana em atos profanos nos botecos da Rua do Sapo. Outro caso: Seu Amâncio era dono da Fazenda Oceania que também já foi de Urbano Cem Contos e hoje pertence ao empresário e ex prefeito José Mendonça. Nessa fazenda o respeitável senhor criava um boi de arrasto chamado “Mimoso”.

Um dia Aurenito botou a canga no bicho e passou a realizar alguns serviços que seu Amancio pretendia. O feliz fazendeiro achou aquilo bom demais e até elogiou a iniciativa voluntaria do filho caçula. No dia seguinte, ao vistoriar o rebanho, seu Amâncio deu por falta de “Mimoso”. Após rápida investigação ficou sabendo que o animal tinha sido arrastado com canga e tudo para o matadouro e a sua carne já estava em algum açougue da Praça da Feira.

Falando de carne contaram-me que Chupilha tinha dentre seus vizinhos mais próximos um casal cuja libido era um tanto escandalosa. Parede e meia ele ficava ouvindo aqueles ruídos da luxuria. Não durou muito tempo esse batente, pois o casal mudou de endereço e Chupilha ficou na mão. Algum tempo depois encontrou o ex-vizinho e foi logo reclamando: ”Que falta vocês estão fazendo naquela rua. Era aquela chiadeira, aquele ui ui ui, que me estimulavam a ter prazer!

A extraordinária competência de Chupilha como corretor de imóveis permitiu que ele vendesse um mesmo terreno a oito clientes diferentes. É da sua autoria o nome de “Má Rapado”, dado a uma rua da periferia de Ipiaú. Nesse local ele vendia alguns lotes para habitações populares e buscando melhorias para a área solicitou ao prefeito Zequinha Borges que ali realizasse um serviço de terraplanagem. O pleito foi atendido, mas sem o devido esmero. Ao constatar o armengue administrativo, Chupilha, cheio de espirituosidade, definiu: “ta má rapado igual aos pentelhos dele”. Com tanta artimanha Aurenito não poderia ficar fora da política ipiauense.

Candidato a vereador, participava de um comício na Rua do Cruzeiro quando no auge da emoção foi dizendo em seu discurso: “Vejo esse povo e fico tão emocionado que até sinto arrepios nos cabelos… ” Antes de completar a frase, um gaiato, ao pé do palanque, gritou:- do c… Sem perda de tempo Chupilha retrucou:” da tua mãe f.d.p! Em mais outro caso, dizem que ao entardecer de certo dia alguém procurou o famoso corretor com o intuito de comprar, às pressas, tipo “urgência urgentíssima”, uma fazenda de gado. Horas depois, sob o clarão da lua cheia, estava Chupilha e o pretenso pecuarista num mirante admirando uma baixada cheia de rezes branca.

Entusiasmo com a visão o precipitado cliente fez questão de efetuar a transação naquela mesma noite. Na manhã seguinte a escritura do imóvel foi lavrada em cartório. À tarde, o comprador resolveu verificar de perto a sua nova propriedade e chegando lá constatou que ao invés de gado no pasto tinha era muita pedra pintada de cal. Enorme era a capacidade de Chupilha em ser querido. Até mesmo suas vitimas mais prejudicadas não conseguiam odiá-lo.Um Sete Um” de verdade é assim mesmo! Nem sempre o pau que nasce torto morre torto.

Quando a necessidade exige ele se alinha e fica no prumo. Chupilha mudou de vida, sossegou. Hoje mora em São Paulo, tem o aconchego da família, filhos que lhe acolheram e amam com intensidade. Religou-se à doutrina cristã, voltou aos estudos teológicos. Sentado no trono de um apartamento, assiste televisão, toca violão, ler o “Estadão” e outros jornais de Sampa. Curte a garoa e vive numa boa. Quando lembra de Ipiaú: “ui ui ui, chega chora”! (Giro/José Américo Castro).

Personalidade Folclórica de Ipiaú: Chico do Jornal

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Antonio Francisco Menezes, ou simplesmente “Chico do Jornal”, mantêm o mérito de ter sido o principal e mais famoso jornaleiro de Ipiaú, e região. Sorriso largo, andar apressado, gingado de velho marinheiro, embora nunca tenha navegado, ele é prato pra todo papo: política, esportes, religião, segurança pública, diversão e arte. Um jornal em forma de gente. Tinha apenas 15 anos quando abraçou a profissão que lhe rendeu alguns trocados, muitos amigos e a condição de personalidade folclórica da cidade.

Nunca teve carteira assinada e muito menos gozou férias, mas nada disso lhe fazia esmorecer. Percorria as ruas, antecipava aos leitores as notícias impressas nos periódicos, manifestava sua opinião e não poupava criticas aos que bem as mereciam. O ex-prefeito José Mendonça, a quem chama de “doido” foi um dos seus alvos prediletos. Quando o assunto é futebol, Chico não esconde sua paixão pelo Vasco da Gama, embora tenha que admitir que o time carioca anda mesmo “caindo das pernas’.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Chico lembra que foi o saudoso comerciante Pedro Cardoso, da Livraria Brasil, quem lhe arranjou o primeiro emprego. “No mês de dezembro de 1976, comecei distribuindo o jornal A Tarde e não parei mais. Fiquei entregando A Tarde durante 29 anos e trabalhei com vários representantes comerciais desse jornal em Ipiaú. Também vendi o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo, o Estadão, Tribuna da Bahia e muitos outros. Já houve tempo em que eu saía com 150 jornais e vendia tudo em poucas horas’, recorda. O volumoso fardo era equilibrado na cabeça e parecia não pesar.

Chico acelerava os passos, o suor corria no rosto, encharcava o corpo, e a energia se redobrava, num percurso de aproximadamente 20 Km que fazia diariamente, por toda a cidade. As notícias da morte de Clériston Andrade, em 1982, do Plano Cruzado, com a tabela dos preços, em 1986, e da instalação da Assembleia Constituinte, em 1988, ganharam mais repercussão na voz de Chico do que nas paginas da grande imprensa. A mais badalada de todas foi a chacina no Complexo Policial de Ipiaú, quando os taxistas invadiram o prédio e executaram cinco assaltantes.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

O advento da internet impôs novos hábitos ao público leitor que aos poucos foi abdicando do jornal impresso, já que é muito mais cômoda a leitura no computador. Chico buscou alternativas de sobrevivência, ingressou em outra profissão. Há cinco anos presta serviços para o município como vigilante noturno do Posto de Saúde Elvidio Santos. A mudança dos tempos, com todo o avanço tecnológico, não mudou o jeito de Chico. Ele continua o mesmo: ligeiro, conversador, trabalhador, devoto de São Roque e amante da sua cidade. “Pra mim, Ipiaú é a melhor terra do mundo”, arremata com muita convicção. (Giro/José Américo Castro).

A hora e a vez de Ailton Gospel

Só para situar: A dupla de cartunistas norte-americana William Hanna e Joseph Barbera, criadora da empresa Hanna-Barbera, tem entre seus personagens de desenho animado uma hiena, de nome Wardy, cuja principal característica é ser altamente pessimista. Ao contrario das outras de sua espécie, Ward quase ou nunca ri e nitidamente é marcada pelas frases: – Oh dia! Oh azar! Isso não vai dar certo. A hiena Ward forma dupla com um leão armador chamado Lipi que vive tentando se dá bem. Sem o cacife de Hanna-Barbera, mas com a criatividade que Deus lhe deu e Ipiaú confirmou, João Araújo, o homem do “Programa de Calouros”, ou “Show de Talentos”, produziu uma dupla bem parecida com aquela criada pelos gringos.

Ailton Gospel e Sidney Magal (o genérico) não são assim tão amigos, mas estão sempre unidos pela rivalidade no palco. O povo escolhe um ou outro. Quando a escolha não recai em sua pessoa, Ailton reclama tanto que João sempre busca um jeito de agraciá-lo, entretanto mesmo ganhando ele continua reclamando. Magal no seu estilo “Lipi” fica lá no “Má Rapado”, curtindo todas.

Foi no grito, nas lamentações e reclamações que Ailton apressou essa crônica. Eu queria fazer algo melhor, mais digno da sua grandeza folclórica, mas a pressão era tanta que não teve alternativa. Diz o ditado que apressado come cru, então vai esse prato no dia do aniversário dessa grande figura.

Ailton Bispo da Silva, nasceu do outro lado do rio, no município de Itagibá, precisamente na fazenda de dona Branca Pereira, em frente ao Areião do Arara. Lavou carros, concluiu o ensino fundamental e na mais pura das invocações descobriu o dom de cantar.

No ano da graça de 1986, em plena Festa de São Roque, estreou no Programa de Calouros. O tipo meio tímido, as insistências e desafinos apontavam que o seu destino era por ali mesmo. O povo gostou, se divertiu. Nos anos seguintes a presença de Ailton se tornou imprescindível no espetáculo.

Criou fama, virou figura típica da Rua Dois de Julho, ingressou no folclore de Ipiaú e se declarou torcedor do Flamengo. Sabendo que tudo no tempo é passageiro, Ailton aproveita boa parte do seu tempo passeando nos ônibus que fazem o transporte coletivo urbano deste município. É turista em sua própria cidade. Nessas viagens ele busca avistar, pela janela, a mulher que tanto procura.

Ailton quer uma companheira de qualquer jeito, embora tenha sempre alguém querendo contrariar essa fixação. Ele lamenta a azaração, jura que é perseguição, acusa os desafetos, aguça o protesto, ameaça recorrer ao Ministério Publico. “Com sentimento não se brinca”, adverte.

Brincadeira ou verdade o certo é que algumas mulheres já lhe paqueraram. Acontece que algo sempre atrapalha. Oh dia! Oh azar! Isso não vai dar certo… Tem um momento que as portas se abrem e tudo de bom acontece. Quem sabe hoje seja a hora e a vez de Ailton realizar esse sonho. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Feliz Aniversário grande cantor. (Giro/José Américo Castro)

Vitalina: a Rainha do Celestina

Foto: Arquivo

Igual a ela só ela mesmo, se existiu outra foi contrabando do Paraguai. Entretanto não existiu, pois era única. Energizada, vitaminada, virada num traque, tal qual cobrinha junina, Vitalina Maria de Jesus era muito mais do que o seu corpo franzino, na baixa estatura, poderia sugerir.

Era a própria vitalidade. Severidade, pontualidade no trabalho, responsabilidade com o dever atribuído, foram traços marcantes do seu caráter. Chegava junto, rente igual a pão quente. A profissão de zeladora não cabia tão bem em outra pessoa.

Quem estudou no Grupo Escolar Celestina Bittencourt, entre 1959 e 1990, sabe disso com certeza. Vitalina não media esforços para manter a ordem, fazer prevalecer disciplina, auxiliar na administração do estabelecimento. Puxões de orelha, broncas, denuncias, constavam do seu oficio.

Não adiantava reclamar, pois ela tinha moral com a diretora. Além do mais era a mãe de um padre e pertencia à tradicional Congregação da Oração do Sagrado Coração de Jesus, lugar de honra entre as senhoras católicas da ordeira Paróquia de São Roque.

Charge: Junier Costra

Acontece que menino tem arte do impossível. Não faltavam aqueles que, escondidos ou escancarados, traziam a cantoria provocativa: “Vitalina canela fina, toma leite que é vitamina”. A prestimosa zeladora despirocava de vez. Vassoura na mão, velocidade máxima, saía em disparada no rastro do moleque atentado. Haja canela! Sebo nela porque lá vem a fera! Não adiantava correr, se esconder…

Vita que também se irritava quando lhe chamavam de “Vitamina”, chegava junto, puxava a orelha e dizia compenetrada: “Me respeita porque eu sou otoridade”. O cascudo comia solto, enquanto o provocador era encaminhado à Secretaria, quando não conduzido até a sua própria residência, pela valente disciplinadora. Diuturnamente Vitalina se dedicava ao colégio, mesmo estando de folga.

De sua casa, na Rua Anchieta, ficava de olho no prédio, acompanhando o movimento, espiando todos que por ali transitavam e tudo que acontecia na área. Os que filavam aulas não saiam da sua mira. Nos dias de festas lá estava ela: jeito de marreca, fazendo graça, arrancando risadas, mostrando o lado alegre.

A capacidade artística se revelava em improvisos, danças e até imitações de apresentadoras da TV. Nem assim dormia no ponto: ficava atenta e a qualquer sinal de desordem ou agito da rapaziada, mostrava as garras, encarnava a jararaca, destilava o veneno, saia correndo pra resolver a situação.

Sucederam-se as diretoras, as professoras, os alunos, mas permaneceu a zeladora. Passaram-se os párocos, as confissões, as procissões, no entanto a fervorosa beata prosseguia em suas obrigações: ornamentando o templo, comparecendo às missas, atualizando fofocas. O padre, seu filho, apesar da identidade eclesiástica, ficou mesmo conhecido como “João de Vitalina”.

A autoridade materna falava mais alto do que o comando do Vaticano. Durante seu longo tempo de serviço, Vitalina fez valer a missão que lhe confiaram e recebeu carta branca para agir como quisesse. Desse modo sentia-se Rainha, mesmo que fosse da cocada preta que vendia aos estudantes durante os intervalos das aulas. Durou mais de 30 anos o seu reinado no Celestina.

Corpo franzino, canela fina, com a vitamina que Deus lhe deu. Vitalina animou inesquecíveis momentos da nossa infância, proporcionou intensas emoções, razões de muita felicidade. Autenticou a mais pura e desvairada expressão da palavra dedicação. Assim entrou na historia, ficou na memória. Ipiaú agradece: “Gracias a la Vita”. (Giro/José Américo Castro)

Edinho Thiara; o Sultão do Guloso

Charge: Jurnier Costa

Sherazade, a narradora das Mil e Uma Noites poderia muito bem anexar ao seu fantástico repertorio a extravagante historia de Edinho Thiara, “Digolino, o Sultão do Guloso. Miragens do Saara no jardim da Praça Rui Barbosa, em Ipiaú, Oasis ocidental, descortinando as portas do Éden. Tapetes mágicos sobrevoando paisagens e tardes nordestinas, carros importados capotados e desprezados nas estradas vicinais de Ibirataia, camelos, onças, galos de briga, cavalos árabes em corridas colossais e belas odaliscas, fazem parte dessa fantástica fábula.

Foto: Arquivo / José Américo Castro

Edson Gonçalves Thiara, 70 anos, filho do lendário José Thiara que veio da distante Tatras, na Síria, fazer fortuna na terra do cacau e se tornou um dos mais ricos homens da região, é o exótico personagem deste capitulo. A magnífica fortuna do pai ele não conseguiu gastar em sua totalidade, mas contribuiu com o consumo de uma boa fatia. Estonteante extravagância.

Nas suas andanças pelo mundo, Edinho manteve relações com inúmeras mulheres, odaliscas do seu exótico harém. Morou na Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e muitos outros países. Visitou Beirute, montou num camelo, viveu emoções dos antepassados, gerou 10 filhos. Nesse tempo de filho prodigo estourou muito dinheiro, promoveu farras homéricas, ganhou a fama de playboy internacional. Aprontou tanto na Suíça que acabou sendo deportado de volta para o Brasil.

No auge da extravagância, Edinho Thiara gostava de alugar boates e promover orgias, festas imensas que duravam dias seguidos. Trocava de carros a cada mês, quase sempre após um acidente que deixava o antigo veiculo esbagaçado. Fez muitas peripécias nos “pegas” do Farol da Barra, em Salvador. Em menos de 15 anos torrou uma grande herança deixada pelo velho Thiara. Dessa riqueza constava a famosa Fazenda Corcovado, em Ipiaú, com 750 hectares de plantações de cacau e uma produção de cinco mil arrobas.

Fanático por galos de briga e cavalos de corrida, Edinho Thiara chegou ao ponto de trocar um carro importado por algumas dessas aves e de dar banho de cerveja e champanhe nos seus cavalos que venciam as corridas. Certa vez, durante uma farra no Restaurante Galo Vermelho, Edinho atirou um relógio (marca Rolex) de ouro, nas águas do Rio de Contas, só para testar o fôlego de alguns mergulhadores. Quem achasse ficava com o precioso objeto. Ninguém teve essa sorte, nem mesmo o lendário Cassiano, senhor das profundezas.

Em outra ocasião, invertendo os papeis, atacou a dentadas, um feroz cão de guarda. Não ficou só nisso, criou uma onça sussuarana e costumava passear com o felino pelas ruas de Ipiaú. Pouca gente se arriscava a ficar por perto, mesmo a fera estando na coleira e corrente.

Edinho Thiara também foi goleiro da Seleção de Ibirataia e nunca dispensava  uma garrafa de cachaça junto a trave. Um dia, no auge da sua viagem etílica, Edinho Thiara aceitou o desafio de uma luta livre, em um circo, armado na Praça Dr. Salvador da Matta, contra Salomé Garcia, a fera feminina dos ringues mambembes. Aplicando golpes violentos “Digolino”, ganhou o combate e os aplausos de uma bairrista platéia que lhe chamou de herói e carregou nos ombros até o “Bar de Fran”, onde bancou a farra durante a noite inteira.

Brigas eram habituais na vida de Edinho. Batia mas também tomava muita porrada  e, vez por outra, esbarrava no xilindró. Era o preço de tanta ousadia. Sempre que aprontava em Ipiaú e Ibirataia, Digolino buscava refugio na Fazenda Gulôso, a sede do seu reinado, onde tinha a proteção do gigante Brazilino e de outros pajens do seu pai.

São tantas, tantas e tontas, as estórias de Digolino que nem mesmo Sherazade daria conta de contá-las em suas mil e uma noites de astucia. O Sultão do Guloso não lhe deixaria impune. Atualmente Edinho Thiara atravessa momentos de dificuldade financeira, mas confessa que não se arrepende das suas extravagâncias e assegura que um dia voltará a ser rico, muito rico.

A riqueza que, porventura, venha lhe contemplar no tempo da velhice, dará mais segurança à esposa Aída com quem convive há mais de 30 anos e aos filhos inúmeros filhos.Falando destes Edinho garante. “Eles representam a minha felicidade”. (Giro/José Américo)

Zé de Moraes, ao vivo e a cores

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Trabalhador, muito trabalhador, e esperto também, embora tenha seus momentos de cochilos. José Gomes Moraes, 60 anos, uma  trajetória cheia de causos, negócios, fogos, artifícios, folclore. Legitima personalidade da nação ipiauense. Firma atestada e reconhecida com o timbre de “Zé de Moraes”. Isso por ser filho do padeiro e ex-vereador Antonio Moraes, marido de dona Yayá que era devota do santo casamenteiro.

Zé de Morais é muito mais do que se pensa. Na sua pluralidade profissional  constam as atividades  de padeiro, comerciante, organizador de romarias, locutor, cabo eleitoral, garçom e tantas outras artes que poderiam constar num almanaque. Também é pai de um padre.

Foto: Arquivo / Giro Ipiaú

Nas festas de largo, micaretas, carnavais, sua barraca tinha lugar garantido e era muito frequentada. Dela diziam: “A barraca de Zé de Morais é a primeira que chega e a última que sai”. Aturava bêbados, enrolava outros, amanhecia o dia. “Vendia fiado mais cobrava dobrado”, afirmavam  as más línguas.

Arvorando-se na política Zé de Moraes se candidatou a vereador, tendo como concorrente mais próximo o próprio pai. Perdeu a eleição, entretanto ganhou projeção no anedotário local em decorrência dos hilariantes discursos. No Circo Palácio do Riso que tinha um palhaço chamado “Supapo”, chegou a ser locutor, experiência repetida em palanques de políticos das localidades circunvizinhas, nos anúncios de produtos comerciais ou das romarias e excursões para Bom Jesus da Lapa, Milagres, Canavieiras, Itacaré e outras paias. No sagrado ou no profano, sempre encontrava um meio de faturar.

No período junino vende fogueiras, fogos de artifícios. Certa vez sua barraca de fogos explodiu causando pânico na população. Escapou ileso. Refeito do susto voltou à luta. Quando a padaria, herdada do pai, estava em declínio, resolveu colocar uma placa que denunciou uma prática. “Agora sob nova direção, com água da Embasa”. Nos fundos do estabelecimento instalou um dormitório, ponto de encontros de casais clandestinos.

Nas tarde quentes do verão ipiauense  “Zé de Moraes” tira os seus cochilos perante o publico. Disso aproveitam os meninos traquinos e lhe aplicam pequenos furtos. Esbraveja, mas acaba se conformando. Um dia disseram que ele tinha morrido. Ao saber disso pegou o microfone e avisou em alto e bom tom: ”Estou vivo, de carne e osso”.  Ao vivo e a cores Zé de Moraes é símbolo no que Ipiaú tem de mais essencial.  José Gomes Moraes faleceu no dia 10 de abril de 2013. (Giro/José Américo Castro)

Vocês querem Bacalhau?

Charge: Jurnier Costa

“Vocês querem bacalhau? Repetimos o famoso bordão do celebre comunicador Abelardo Barbosa (Chacrinha), para apresentar o espalhafatoso Salvador Pereira Monteiro, cujo apelido tem tudo a ver com a mercadoria que o “Velho Guerreiro” ofertava aos gritos à delirante plateia de um dos seus programas da Rede Globo de Televisão. “Bacalhau”, é uma dessas figuras que fazem de Ipiaú um extraordinário celeiro de personalidades folclóricas.

A ele também se aplica a expressão: -Eu vim para confundir e não para explicar-. Sendo assim  vamos em frente, afinal “quem não se  comunica se trumbica! Pipoqueiro, vendedor de quebra-queixo, aguadeiro, servente de pedreiro, marceneiro (especializado em urnas funerárias), jornaleiro, berganheiro e tantos outros jeitos de ser, Bacalhau é múltiplo, sintético e absurdo.

Nesse cartel de vivencias consta a sobrevivência de uma queda do quinto andar do inacabado Edifício Santa Paula e a diferenciada condição de marido de uma anã. “Já fui quase tudo nessa vida, só não fui ladrão, maconheiro e viado”, adverte o personagem, antes que alguém generalize de vez.

Foto: Arquivo

Dentre os inúmeros causos que contribuíram para que Bacalhau tivesse graduação folclórica, destaca-se o enterro de “Macarrão, figura do mesmo naip que também marcou época na presepada local. Grandão, pesado, o defunto foi colocado em um caixão construído em uma funerária local.

Bacalhau acompanhava o cortejo fúnebre contando vantagens, relembrando outros “presuntos” e exaltando a sua capacidade na arte de fazer o paletó de madeira. A prosa seguia animada até que, na esquina da Praça dos Cometas com a Ladeira do Cemitério, o fundo do caixão arriou e o morto foi ao chão antes da hora. Inicio de pânico, risos incontidos, piadas dos bêbados que haviam exagerado durante o velório, olhares de repreensão para Bacalhau.

O jeito foi a colocar o finado dentro de uma rede e seguir viagem para “a cidade do pé junto”, onde Candola, o coveiro, lhe esperava. Devido à cumplicidade com os fabricantes do caixão, Bacalhau não pensou duas vezes: deu meia volta e sumiu da área. Refugiou-se em Salvador, onde vendendo o Jornal da Bahia, na Baixa dos Sapateiros, aperfeiçoou a gritaria que lhe é peculiar.

Foto: Arquivo
Nos tempos de aguadeiro (anos 60), Bacalhau tinha uma jumenta, chamada “joaninha” que além de transportar a água do Rio de Contas para abastecer os tanques da casa de Ataíde Ribeiro, era dotada de outras serventias… Todo dia a dita cuja recebia em audiência uma turma de admiradores. Isso deixava Bacalhau na bronca.  Às vezes ele queria cobrar pedágio, agregar valores, mas acabava  compreendendo  que era preciso democratizar, afinal  a jeguinha se tornara utilidade pública municipal.
Na “Feira do Rato”, Bacalhau revendia relógios, enrolava os mateiros, sentia-se importante e nunca dava trabalho a policia, pois sabia que malandro demais se atrapalha. Do tradicional Programa de Calouros, apresentado  na Festa de São Roque pelo locutor João Araújo, o velho “Baca” foi pioneiro.
Um show que o famoso Luis Gonzaga faria no largo da Igreja Matriz tinha sido cancelado de última hora e o público se mostrava insatisfeito. A Comissão da Festa recorreu ao locutor que, não vendo outro jeito, improvisou o  concurso:”aquele   que  imitasse algum cantor famoso  ganharia um premio”. Bacalhau e Jaime Piau se habilitaram. O primeiro imitou Silvinho e ficou em segundo lugar, Piau optou por Orlando Dias e foi o vencedor.
Miltinho, irmão do tabelião Protógenes Jaqueira, resolveu contratar Bacalhau como pipoqueiro. Não durou muito tempo para que o contratado pedisse as contas e abrisse o seu próprio negócio. Foi vendendo pipocas que Salvador Pereira Monteiro, testemunhou momentos importantes da história de Ipiaú e conheceu inúmeras pessoas, dentre as quais a pequenina Raimunda Monteiro Lima com a qual convive há mais de 30 anos, dando provas de um  amor incondicional.
Raimunda é a mãe do anão Ral, cujo enterro todos viram. Excentricidades da nossa cidade. Outro detalhe: Bacalhau foi ganhador, por duas vezes, da antiga Loteria Esportiva. O dinheiro faturado com os 13 pontos foi literalmente torrado no “roi couro”, com as meninas de Tia Ló, a cafetina mais famosa da região. O apelido de Bacalhau, Salvador ganhou quando ainda era um menino magricelo, tipo o famoso peixe seco. A partir de então lhe dedicaram a modinha: “Bacalhau assado, da espinha dura, que fedor de bufa nessa criatura”. Isso o irritava até que Chacrinha apareceu na televisão valorizando a tal mercadoria. (Giro/José Américo)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Magal “O Genérico”

Foto: Giro Ipiaú

Era na Festa de São Roque, território do Programa de Calouros, invenção genial do saudoso apresentador João Araújo, que ele costumava emplacar seus sucessos. O show continua nas campanhas eleitorais quando levanta a bandeira dos candidatos e mostra sua habilidade de pé de palanque. A façanha se repete desde os tempos dos “garranchos”.

Sidney Magal, por engano de percurso, ou por pura ironia, tem algo que lembra o homônimo famoso, aquele da cigana Sandra, Rosa, Madalena. Só lembranças…. O cantor daqui mora no “Marrapado”, perto do “Cantinho do Céu”. Correu chão, foi a São Paulo, passou sufoco, ralou na construção civil, rolou nos corredores do metrô, cantou na garoa e concluiu que seu negocio era Ipiaú. Um dia voltou.

O pedreiro Manoel Vieira nem sabia que a fama lhe esperava nestas bandas do hemisfério. Foi quando, numa Festa de Santo Antônio, em Japomirim, aceitou o desafiou de participar de Show de Calouros. Subiu no palco e a plateia entendeu de imediato que ali nascia uma estrela. Mesmo às avessas.

Charge: Junier Costa

O seu estilo caricato é um prato feito ao gosto do povo, sempre ávido por bizarrices. O jeitão de cigano por engano, o rebolado improvisado e a escolha de uma musica do autentico Sidney Magal, estimularam João Araújo e lhe cravar o apelido que ficou em definitivo.

Naquela noite foi desclassificado do programa, mas ganhou cadeira cativa no rol dos folclóricos. A partir de então, em todas as edições do Show de Calouros, sempre encontramos Magal (o genérico) tentando imprimir seu charme, procurando convencer os jurados, desafinando e desafiando as vaias. Insistiu tanto que se tornou atração especial.

João Araújo criou um quadro (O Povo Decide), onde, invariavelmente os finalistas são Magal e Ailton Gospel, outra figura que o folclore desenhou.

Nas campanhas eleitorais do PMDB, lá está Magal com seu estilo genérico, marcando presença, rebolando, improvisando, animando o pé de palanque, fazendo a multidão rir, provando que na democracia tem lugar pra tudo e todos. Lhe basta uma brecha para cantar, pois é assim que se sente feliz.

Nessa disposição ajudou a eleger Hildebrando Nunes Rezende, Ubirajara Costa e Deraldino Araújo. Considera “Dera”, o melhor prefeito que Ipiaú já teve. “Ele me deu Cesta Básica e Bolsa Família”, justifica a consideração.

Na condição de genérico, Magal desmistifica que seja admirador do original : “Eu não sou fã desse cara, porque o meu sangue não se uniu com o dele. Eu gosto mesmo é de Raul Seixas ”.

De Ipiaú ele diz: “É uma terra boa, mas o desemprego tá demais. Pra ganhar a vida tenho que rebolar no pesado, quebrar pedra na pedreira, fazer brita e vender barato”.

Botas, em estilo roló, cabelos cheios, topete, costeletas, barba rala, cara de pau que só ele mesmo. Magal é assim na sua originalidade genérica, no seu amor pela musica, na franqueza do seu sentimento. Da dança, com os famosos rebolados travotianos, ele revela: “Gosto muito, até ganhei medalha em Itagí, mas os nervos tão ficando duros. Nem sebo de carneiro dá jeito”. (Giro/José Américo)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Zebrinha

Foto: Arquivo

Exagerado, o verso de Cazuza enquadra-lhe bem”, disse Osires Vieira Rezende (Zarú) ao referir-se ao refinado intelectual  Antonio José Pinheiro que ao mesmo tempo era o debochado  “Zebrinha”, uma figura que muita gente de Ipiaú jamais esquecerá e terá sempre uma  história a contar.  Homossexual assumido e escancarado, ícone das orgias locais, sincero, apaixonado, objetivo, sarcástico, criativo, escandaloso, demolidor, clássico e folclórico, Zebrinha era assim, em preto e branco e a cores, exagerado em todos os sentidos. Amado e admirado por muitos, temido (quando resolvia aprontar), por todos, Zebrinha escandalizou tudo e de todo o jeito.

Seus detratores eram de imediato enquadrados como homossexuais enrustidos, travestidos de machões e varões de Plutarco. Ninguém lhe escapava. Certa vez um delegado de policia, de nome Calazans, ousou lhe prender  e se arrependeu amargamente dessa audácia em nome da lei, pois sua  autoridade policial foi ridicularizada numa série de caricaturas coladas nos muros da cidade e intituladas de “Zans-Trans: o Delegado”.

As festas do Rio Novo Tênis Clube sempre acabavam com um show de Zebrinha (botas de caudilho, cachecol esvoaçante, cravo vermelho na lapela) e seu séquito depravado. Dessa maneira também acontecia nas micaretas, exposições, festejos de São Roque, nos bares, na barraca de Zé de Moraes, no Galo Vermelho  e  em tantos outros lugares da escandalizada Ipiaú dos anos 70 e 80.

Zebrinha escandalizou até depois de morto. Não queriam que seu corpo fosse velado na Casa Paroquial, pois sabiam que naquela noite de sentinela ia rolar de tudo. Seus amigos insistiram e, após um acordo com a cúpula eclesial, o velório ocorreu no local, mas somente durante o dia, antecipando assim o momento do enterro. Na hora do sepultamento Tadeu Ribeiro discursou, soltou as frangas contra o pároco de plantão.

No sobrado da Rua Siqueira Campos, esquina com o Beco de Ornellas, Zebrinha reinava absoluta. A noite zumbideira descia em aspirais sonoras delirantes, enquanto a orgia rolava solta. Lane Dale, Dzi Croquettes, Veras, Leão, João Kleber e outras celebridades se misturavam aos nativos da periferia da cidade e aos malucos da porta do cinema, um cortejo infindável de bacantes. “Deledel”, que por motivos óbvios não tinha acesso ao local do auê, ficava lá em baixo, ao pé da torre, implorando, gritando: -Joga as tranças Rapunzel, joga as tranças Rapunzel… Zebrinha respondia: “Vá embora Delendas, esse meio não te pertence…

Quando a Seleção Brasileira perdeu a decisão da Copa do Mundo de 1982 (na Espanha) Zebrinha, todo de preto, se fantasiou de “Viúva de Telê” (o treinador) e foi aprontar na Praça Rui Barbosa. Os que choravam a derrota do escrete nacional acabaram sorrindo, curtindo aquela ironia. Suzi Caramelo apelido que ele deu a “Bocão”, estava ao seu lado, valorizando a curtição, revelando-se excelente coadjuvante. Vulgaridades à parte, Antônio José Pinheiro era um extraordinário intelectual e acima de tudo uma maravilhosa figura humana.

Quando Ipiaú completou 50 anos ele promoveu no Rio Novo Tênis Clube uma exposição de artes plásticas que reuniu alguns dos mais brilhantes artistas baianos, a exemplo de Carlos Bastos, Gilson Rodrigues e Luis Jasmin. Foi uma rara oportunidade de a cidade contemplar algumas das suas obras. Seu traço, elaborado, pesquisado, anárquico,
delicado e de muito bom gosto, era fiel à sua concepção estética de sublimação do belo.

Antonio José Pinheiro (Zebrinha) foi o mais importante artista plástico de Ipiaú. “Uma perola de poesia e criatividade, refinamento e cultura. Um exemplo de Dorian Gray (personagem de Oscar Wilde) que o tempo não
teve o prazer de ver envelhecer”. Sua arte explica melhor sua existência. Dizem que não morreu, virou purpurina, rodopiou nos ares e depois  misturou-se ao pó da terra. (Giro/José Américo Castro)

Personalidades Folclóricas de Ipiaú: Veras; de milionário a mendigo

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A extravagância era a sua marca registrada. Do mesmo jeito que tratou as celebridades que compartilharam os seus momentos de fausto, considerou os mendigos que lhe acolheram nos obscuros espaços das sarjetas. Divaldo Angelin Veras cunhou a sua imagem nos dois lados da moeda. Nunca evidenciou qualquer tipo de arrependimento e anarquizou enquanto pode. Escandalizou de todo jeito. “É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso”.

Repetia os dizeres do poeta inglês Charles Baudelaire como a própria afirmativa de sua existência. A história de Veras foi contada pelos mais importantes órgãos da imprensa nacional (Fantástico, Isto É, Jornal do Brasil, A Tarde), tornou-se tema de filmes e documentários, motivou debates e até estudos sociológicos. Esnobava ao dizer que tinha ensinado os cacauicultores da região de Ipiaú a gastar dinheiro. Estes nem sequer assistiram “ao formidável enterro da sua ultima quimera”. Quase foi sepultado como indigente.

“Nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do seu quarto” Veras plantou provocações. Percorreu o mundo, desfrutou luxurias, promoveu festas imensas, teve “amigos” famosos: Pelé, Fernanda Montenegro, Amália Rodrigues, Sônia Braga, Carlos Bastos, Michael Douglas, Lennie Dale, Dzi Croquettes.

Brindando com a
escritora Regina Echeverria
Morou em Nova York, tinha apartamento no Leblon, desfilou em carrões pela Avenida Paulista, trajou-se como príncipe, cortejou mulheres lindas, guapos de encomenda. Tinha aviões e era habilidoso pára-quedista. Nos psicodélicos anos 60/70 foi dono da boate Anjo Azul, point da vanguarda e fermentação cultural soteropolitana. Ali, em uma noite de muita loucura, namorou a pop star Janes Joplin a qual, tempos depois, definiu como “Feia e Fedorenta”. A roqueira estava passeando na Bahia.
Veras falava cinco idiomas, fazia poesias, colecionava obras de arte e casou-se com Popó, uma das filhas do milionário Edízio Muniz Ferreira, o maior cacauicultor individual do mundo. Nas sucessivas orgias “cheirou” toda a fortuna que fisgou. Ficou duro, mas não perdeu a ternura. Sem grana foi abandonado pelos famosos, em compensação ganhou o acolhimento dos mendigos. No Porto da Barra, em Salvador, era o único, dentre eles, que pedia esmola em inglês. Isso lhe garantia a proteção dos demais.  Dividia com todos o que recebia dos gringos.
Trouxeram-lhe de volta a Ipiaú. Não aceitou tutelas e passou a morar em um beco dos “Dez Quartos”, antigo brega da cidade. Ali bebia, fumava, atendia à malandragem, concedia entrevistas, escrevia e lia. Lia muito. Jean Ginet, Rimbaud e Baudelaire eram os seus autores prediletos.
De Baudelaire repetia: “Para não sentirdes o horrível fardo do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar”. A escritora Regina Echeverria escreveu a biografia de Cazuza e queria fazer o mesmo em relação a Veras. A Editora Corrupio publicaria o livro. Poesias inéditas e outros relatos completariam a obra. O projeto não vingou e os originais se perderam. Vera pouco se importou com isso. A ele bastava declamar os poemas que ainda guardava na memória: “Habita em mim um ser que veste hábito.
Que prometeu sempre me levar em direção ao puro e sacrossanto, quando o meu eu pensa que não há. Espero sempre o meu, eu, velho monge, adormecer para o meu eu jovem na vida, se atirar. Se arriscando às ilusões da vida que o meu eu, velho monge, sabe que há”. Nas ilusões da vida Veras viveu seu tempo de sonhos e pesadelos e se algum dia acordou para a realidade teve imediata vontade de dormir! Morreu aos 67 anos de idade. ( Giro/José Américo Castro)