Série Praças de Ipiaú – Na principal colina da cidade está localizada a Praça Alberto Pinto. Nela foram edificadas as sedes dos poderes Executivo e Legislativo do município e, bem próxima, a sede do Poder Judiciário, isto é, o Fórum da Comarca local. Na área também se encontra o prédio da secular 1ª Igreja Batista de Rio Novo, o que significa uma representação do Poder Eclesiástico. O prestigio do espaço que se configura como um Centro Administrativo aumenta com a presença do marco que indica ter sido Ipiaú detentor do titulo de “Município Modelo da Bahia”. O nome da praça homenageia um homem que investiu na cultura e fez da musica um sacerdócio.
Espaçosa, bonita, histórica, propicia aos atos públicos, a Praça Alberto Pinto tem em suas proximidades alguns estabelecimentos educacionais e a Loja Maçônica Fraternidade Rionovense. Está na rota da BR-330, o que lhe torna palco de intensa movimentação de veículos. O prédio da Câmara de Vereadores ocupa posição privilegiada neste cenário histórico da cidade. O imóvel foi construído para sediar a Prefeitura Municipal e nessa condição permaneceu por um longo tempo. No antigo prédio também funcionou o Museu do Lavrador que posteriormente foi desalojado.
O monumento que marca a conquista do titulo de Município Modelo da Bahia decorreu de uma ideia do ex-gestor Euclides Neto. “Em seu livro 64: Um Prefeito, a Revolução e Os Jumentos”, Euclides lembra que a matéria prima do monumento foi lavrada por obra do acaso em uma pedreira de propriedade da Prefeitura. O Governo Federal, através do INDA exigia que fosse cravado em frente ao prédio da Prefeitura um obelisco que indicasse o titulo recém-recebido. O prefeito pensou num tronco de boa madeira de lei, mas quando visitando a pedreira, notou que após a explosão da dinamite, caiu uma linda espátula de pedra e que ali estava o monumento. A pedra foi enfincada no centro da praça e nela afixada uma placa de bronze com a cópia do telegrama passado pelo Governador Lomanto Júnior: “ Ipiaú acaba de ser escolhido Município Modelo da Bahia”.
Alberto Pinto, o homem que emprestou seu nome à praça, chegou a Ipiaú no ano de 1926, vindo de Santo Antonio de Jesus. Era casado com dona Sinhazinha e teve muito filhos, sendo um deles o compositor Manoel Pinto (MAPIN) que fez o hino da cidade. Alberto Pinto tocava flauta e incentivava a juventude a dançar, cantar, declamar poesias. Desses saraus surgiu o Grupo Musical São Salvador, que adiante evoluiu para a Filarmônica Alberto Pinto, denominação dada em sua memória, do mesmo jeito que fizeram com a praça. *José Américo Castro/GIRO
Série Praças de Ipiaú – De um antigo campinho de futebol, à beira d’uma lagoa, surgiu a primeira praça do Bairro da Conceição. Por muito tempo o logradouro ficou sem nome até que a Câmara de Vereadores aprovou um Projeto de Lei denominando-lhe de Praça Orlando Cardoso Araújo. Algumas pessoas ainda não sabem disso, pois falta uma placa com tal indicação. A Praça Orlando Cardoso Araújo fica bem em frente ao Colégio Maria José Lessa de Moraes, sendo frequentada pelos moradores do bairro e os alunos do estabelecimento. É ampla e pouco arborizada. Se ali plantassem flores ficaria bem mais bonita. Há quem diga que esta praça deveria se chamar Maria José Lessa de Moraes, proprietária da Fazenda Conceição que deu origem ao bairro homônimo, mas foi bem merecida a homenagem a um cidadão que soube lhe aproveitar com toda intensidade. De corpo e alma seu Orlando viveu momentos felizes nesse pedaço da cidade.
Orlando Cardoso de Araújo, avô do goleiro Wladimir, do Santos Futebol Clube, nasceu em Jaguaquara, no sudoeste baiano, e chegou em Ipiaú no ano de 1963, em plena Ditadura Militar. Veio para exercer a função de coletor estadual, cargo que atualmente corresponde a auditor fiscal e nesta cidade ficou pelo resto da sua existência. Bom vivant, intelectual, seu Orlando curtia a literatura russa, com admiração especial pelo poeta Vladimir Maiakovski, não dispensava um carteado e muito menos uma boa pinga.
Foi um dos primeiros moradores do Bairro da Conceição e deu valiosa contribuição ao futebol ipiauense como dirigente da Liga Desportiva Rionovense -LDR-. Quando concluía o trabalho cotidiano que às vezes lhe exigia o uso de terno e gravata, despia-se das formalidades e seminu, apenas com o calção na virilha, exibindo o barrigão que em nada lhe envergonhava, ia bater um baba com a meninada. Brigava, xingava , disputava cada jogada como se fosse a final de uma Copa do Mundo. Tornava-se o menino que os adultos sonham mais não tem coragem de ser. Seu Orlando era casado com Valdelice Porto de Araujo ( dona Valda), teve cinco filhos ( Orlando Filho, Vladmir, Alida, Helvécio e Ariadne), onze netos e cinco bisnetos.Em 2 de Julho,de 1986, data da Independência da Bahia, fez a passagem rumo ao plano espiritual.Contava então com 56 anos de idade. *José Américo Castro/GIRO
Série Praças de Ipiaú – Antigamente, nos primórdios da cidade, ela era conhecida como Praça Tupinambá e comportava o campo de futebol, palco de memoráveis disputas dos times locais. Nessa condição permaneceu até os anos 50. Após a construção do Estádio Pedro Caetano, a área passou a ser chamada de Campo Velho. Circos, touradas, ciganos e turcos passavam temporadas naquele espaço, exibindo espetáculos, encantando crianças e adultos. No início da década de 1960 o prefeito José Motta Fernandes iniciou ali a construção do Mercado Municipal e algum tempo depois foi a vez da Feira Livre fixar-se no local que então já estava denominado de Praça Dr. Salvador da Matta.
Em setembro de 2010 a feira foi transferida para o Centro de Abastecimentos, próximo à Rua do Sapo, e a praça ganhou nova conotação. Consolidou-se como centro de atividades culturais e recreativas. Na Praça Salvador da Matta acontece a badalada Festa de São Pedro, além de outros eventos culturais e esportivos e tantas outras manifestações da cultura ipiauense. Parques de Diversões também a utilizam. O logradouro serve como estacionamento de veículos e centro de treinamento de motoristas. Skatistas e motociclistas costumam usar o local para as suas manobras espetaculares. O prédio do antigo mercado está destinado a um Centro Cultural, comportando o Museu do Lavrador e outros equipamentos.
Salvador da Matta. Com o nome deste homem a praça não poderia ter outra vocação, senão a da cultura. Gerações inteiras foram educadas por ele que trouxe a Ipiaú “a aurora de uma nova manhã”. Natural de Catu, Salvador da Matta chegou em Ipiaú no ano de 1938, iniciando o exercício da medicina, como clínico e obstetra, sempre em partos normais. Trabalhou na Fundação Hospitalar de Ipiaú, onde foi diretor algumas vezes. Clinicou no Sindicato Rural de Ipiaú e também exerceu a função de médico legista. Em 1950 fundou o Ginásio de Rio Novo (GRN) e tornou-se um grande educador, além de forte liderança política. Foi vereador e duas vezes prefeito (1955/59 e 1971/73), muito contribuindo com o desenvolvimento da cidade.
Em 30/11/1952 participou da fundação do Rotary Club de Ipiaú, atuando no mesmo por 50 anos. No ano de 1954 ampliou os horizontes do GRN criando a Escola Normal de Rio Novo nas mesmas instalações do Ginásio. Em 1967 voltou a ampliar os horizontes do GRN criando o Curso de Contabilidade por meio do Colégio Comercial de Rio Novo. Preparou terreno para que a UNEB fosse instalada em Ipiaú. Dr. Salvador da Matta era casado com dona Zélia Maria Martins da Matta, tendo sete filhos: José Alberto. Regina, Helena, Carlos Alberto, Salvador Júnior, Adélia e Virgínia que lhes deram netos e bisnetos. A cidade guarda a sua memória na mais alta consideração. (Giro/José Américo Castro)
Série Praças de Ipiaú – No centro comercial de Ipiaú, fazendo a linha divisória entre as ruas Dois de Julho, Castro Alves, Sete de Setembro e Moisés Santos, encontra-se a Praça Virgílio Damásio. A área é de intenso movimento durante os dias úteis da semana. Nela concentram-se algumas lojas, gráficas, repartições públicas e uma emissora de rádio, a “Educadora AM”. Aos domingos e feriados se pode melhor apreciar o seu traçado, a arquitetura que lhe circunda e visualizar alguns dos seus aspectos históricos. Bem no centro da praça observa-se um prédio em formato das antigas embarcações “gaiola” dos rios Mississippi e São Francisco. Este prédio, construído por Dorgival Castro, é uma das referências históricas do lugar. Atualmente ali funciona o escritório local da ADAB.
Durante muitos anos aconteceu na Praça Virgílio Damásio uma concorrida feira livre. Nesse mesmo período, até a década de 1970, o local também comportava a Delegacia de Polícia e o escritório das empresas do lendário “Urbano Cem Contos”, ou seja, o ex-deputado Urbano de Almeida Neto. Outra referência histórica da praça era o Hotel Glória, cujos tempos áureos foram vivenciados nos 50 e 60 e tinha como proprietário o Sr. Rafael Sampaio. A reunião de fundação do Rotary Clube de Ipiaú aconteceu nesse hotel. Não podemos deixar de mencionar a famosa “Loja Três Irmãos”, propriedade de Odilon Costa, e “A Norma”, loja de ferragens de Nelson Almeida que no próximo Mês de setembro completa 70 anos de existência.
Virgílio Clímaco Damásio (foto), a personalidade que emprestou seu nome à praça, foi médico do famoso jurista Rui Barbosa, de quem era primo. Também se destacou como professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Governador do Estado em dois curtos períodos (18/11 a 23/11 de 1889 e 16/09 a 24/11 1890) e Senador da República. Na condição de governador tempo em que promoveu a reforma do ensino da medicina legal no estado e instituiu a constituinte estadual. (José Américo Castro/GIRO)
Um dos embriões de Ipiaú foi o espaço onde hoje está localizada a Praça João Carlos Hohlenwerger e imediações. Originalmente esta região da cidade era conhecida pelo nome de “Fuá” e aglutinava pessoas simples, muitas provenientes da zona rural que traziam seus produtos para negociar no povoado que no ano de 1916 o povoado passou à condição de Distrito de Paz com o nome de Alfredo Martins.
Décadas depois surgiam duas feiras livres na área do antigo “Fuá”. A primeira na Praça Virgílio Damásio e a outra na Praça João Carlos Hohlenwerger. No decorrer do tempo o local sofreu transformações, ganhando novos estabelecimentos, armazéns de cacau, órgãos públicos, lojas e até uma agência do Banco do Brasil. Enfim, tornou-se um dos pontos mais movimentados do centro de Ipiaú.
A Praça João Carlos Hohlenwerger não é propriamente um espaço de lazer, mas tem uma turma que a utiliza para animadas partidas de dominó. A sua denominação veio em homenagem a um homem que muito lutou pelo processo de emancipação política deste município. Com tanta história não poderia deixar de abrigar em sua parte central o monumento mais significativo da cidade. Tratasse de uma replica da Estátua da Liberdade, tendo em sua base placas com inscrições alusivas ao grande feito.
Ali se encontra o telegrama do então governador Juracy Magalhães anunciando a elevação do então distrito de Rio Novo à condição de município autônomo. Em outra placa está inscrita a gratidão dos munícipes ao Dr. Alfredo Brito (na época Secretário de Saúde do Estado) que contribuiu com a emancipação. Inaugurado em 2 de dezembro de 1934 sob a administração do prefeito Antonio Augusto Sá, o monumento foi inicialmente afixado na Praça Rui Barbosa e depois transferido para a Praça João Carlos Hohlenwerger.
A partir da Copa do Mundo de 1974 a Praça João Carlos Hohlenwerger passou a ser palco de comemorações das vitórias da Seleção Brasileira na maior competição futebolística do planeta. Com isso recebeu o apelido de “Praça Brasil”. Quem promovia a festa, inclusive a sua decoração com bandeirolas e outros adereços, era o artista plástico Herbeth Campos.
João Carlos Hohlenwerger, o homem que emprestou seu nome para a denominação oficial da praça, era de origem suíça-alemã e tinha a patente de Coronel da Guarda Nacional. Chegou na região por volta do ano de 1916. A ele coube a iniciativa de tentar a emancipação política do povoado. Na segunda metade da década de 1920 o distrito já tinha sido elevado à condição de vila com o nome de Rio Novo e João Carlos continuava pleiteando a sua alforria política. Deslocava-se até a capital do estado, onde, em prolongadas audiências, tratava do assunto com o governador J.J. Seabra e outras autoridades.
“O Coronel João Carlos era uma figura impressionante. De estatura baixa, gordo rotundo, vermelho, calvo, farto bigode torcido nas extremidades, parecia um barão”, descreve o historiador Clemilton Andrade em seu livro “Uma vida em várias épocas e lugares”. João Carlos Hohlenweger deixou uma descendência de sete filhos, dezenas de netos, bisnetos, tataranetos e um exemplo de grande amor pelo lugar que lhe acolheu.
*As praças da cidade e os significados dos seus nomes é o tema desta série de reportagens do jornalista José Américo Castro para o GIRO IPIAÚ. A intenção do pesquisador é remontar a trajetória de Ipiaú, por meio da contextualização e das representatividades destes espaços e monumentos, ressaltando a importância de cada cidadão ou acontecimento que emprestou seus nomes a esses logradouros públicos.
Na Praça Rui Barbosa, ao lado da Igreja Matriz de São Roque, um emblemático casarão chamava a atenção de todos que por ali passavam. Sua origem vinha do inicio da cidade. Tinha uma arquitetura adequada àquela época e foi construído pelo italiano José Miraglia. Depois ganhou aspecto mais robusto, com alvenaria alta.
Era um local de decisões políticas, reuniões de notáveis. Nas épocas das campanhas eleitorais sua varanda ganhava a condição de palanque para memoráveis comícios. As fotos registram fatos importantes ali ocorridos. Defensores do processo de emancipação política do município, na década de 1920, posaram para a posteridade em frente à primeira arquitetura do prédio.
Em setembro de 1954 o então candidato ao Governo da Bahia, Antonio Balbino, realizou um grande comício no local, ao lado do então prefeito de Ipiaú, Dr. Salvador da Matta e outras lideranças políticas do município e região. Balbino disputava a eleição com Pedro Calmon e foi eleito governador no dia 3 de outubro do mesmo ano.
Outra imagem que ilustra esta matéria é referente à campanha do polêmico Jânio Quadros à Presidência da República, no ano de 1959. Zé Português, Astrogildo Pinheiro, Zezinho Mendes e José Motta Fernandes, dentre outros janistas se colocaram na varanda/ palanque para apoiar o candidato que utilizava a vassoura como símbolo e prometia “varrer” a corrupção do país.
O homem da vassoura foi eleito e exerceu o mandato por apenas sete meses (de 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961). Renunciou ao cargo atribuindo isso às pressões das forças ocultas. Seu vice, João Goulart foi deposto pelo Golpe Militar de 31 de março de 1964, liderado pelo alto escalão do exército. Os militares favoráveis ao golpe, em geral, os defensores do regime instaurado no dia 1º de Abril daquele ano, costumam designá-lo como “Revolução de 1964”.
Na ocasião, mais um grande comício foi realizado na varanda da casa, cujo novo proprietário era o fazendeiro e político José Motta Fernandes, que exerceu três mandatos na Prefeitura. Nesse conturbado ano de 1964 o prefeito de Ipiaú era Euclides Neto. Estudantes do recém fundado Ginásio Agrícola do Município de Ipiaú (GAMI) e de outros estabelecimentos educacionais da cidade, foram mobilizados para participar da manifestação. Muitos outros comícios da direita ipiauense aconteceram naquela varanda. Por muito tempo a casa foi morada da família de João Motta Fernandes, irmão de Zé Motta, e no cômodo em frente a varanda funcionou o escritório particular do ex-prefeito. Hoje no lugar do casarão existe um prédio onde funciona um escritório de advocacia e outras atividades. (José Américo Castro/Giro Ipiaú)
Os impactos do crescimento. “Na década de 20, a localidade era tão farta que possuía muito mais vendedores que compradores”, observa a historiadora Sandra Regina Mendes. Praticamente todos os moradores tinham sua roça que lhes provinha o sustento básico. Nessa época o aglomerado urbano sofreu vertiginoso crescimento. A chegada de novas pessoas possibilitou a especulação imobiliária e o aumento de número de casas. Com a emancipação (em 1933) e as sucessivas administrações municipais Ipiaú começou a experimentar crescimento e sofrer grandes transformações urbanas.
Surgiam novas ruas, bairros, avenidas, obras de infraestrutura e saneamento básico, prédios escolares, postos de saúde e outros benefícios. Na gestão do prefeito Pedro Caetano Magalhães de Jesus, no período de 1948-1952, foi construído o Estádio de Futebol que atualmente tem o seu nome.
Na gestão do médico Salvador da Matta (1955-59), fundador do Ginásio de Rio Novo, foi construída a ponte sobre o Rio das Contas, ligando Ipiaú à Vila de Japomerim, no município de Itagibá. Seu sucessor José Motta Fernandes (1959/1963) constrói a ponte sobre o rio Água Branca, o Mercado Municipal e outras obras importantes.
Nessa época Ipiaú já contava com 20.000 habitantes. Novas transformações urbanas viriam a acontecer na gestão do prefeito Euclides José Teixeira Neto (1963/67), ocasião em que Ipiaú recebe o titulo de “Município Modelo da Bahia”. Coube a ele a construção do Ginásio Agrícola Municipal de Ipiaú (GAMI), o Parque de Exposições, o Bairro da Democracia. Foi um período de grande expansão urbana.
Nas décadas de 1970/80 são abertos loteamentos, pelos senhores Américo Castro, Waldemar Sampaio e Antonio Luz. Esses empreendimentos resultaram nos bairros da Conceição, Constança, Aloísio Conrado, Santana e ACM. O processo expansionista continuaria impondo transformações urbanas nas décadas seguintes quando Ipiaú foi se consolidando como polo do comercio regional. Antigos prédios residenciais deram lugar a modernas lojas e outros estabelecimentos comerciais.
Com o advento da mineração do níquel no município vizinho de Itagibá, na primeira década do século 21, a especulação imobiliária se intensificou em Ipiaú. Apesar da cidade não lucrar com os royalties com a chegada da mineradora Mirabela, em 2007, já que a empresa está localizada oficialmente na cidade de Itagibá, os impactos se convergiram no centro de Ipiaú. “E ainda assim nosso orçamento continua pequeno”, afirmou o secretário de urbanismo Helvécio Cardoso.
A cidade cresce em todos os quadrantes, de forma desordenada. As bucólicas paisagens dos seus arredores dão lugar a conjuntos residenciais, avenidas, ruas, praças. Alguns bairros surgem de maneira desordenada e contribuem com o inchaço das periferias. Com o crescimento das invasões irregulares, aumentaram a prostituição, os conflitos sociais e a necessidade de mais serviços públicos.
Moradores antigos de determinados bairros precisam, hoje, conviver com lojas comerciais que não existiam e surgiram com a chegada de trabalhadores da empresa Mirabela vindos de outros estados. Essa tendência poderá se manter se a administração do município não aplicar com urgência o que recomenda o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Ainda assim, em Ipiaú não houve crescimento vertical. O único prédio que começou a ser construído permanece inacabado no centro da cidade. Novos bairros começam a surgir em cima das montanhas, com casas luxuosas. (Giro/ José Américo Castro)
No inicio era a mata virgem com seus bichos e índios, estes da nação Tapuia, temíveis pela valentia. Tinha espírito guerreiro, mas não resistiram à invasão do homem branco que chegou, em maior numero, a partir do inicio do Século XX. Os primeiros a pisarem no solo que hoje constituem as terras ipiauense foram extrativistas de óleos de madeiras e outras essenciais da mata virgem. O pesquisador Dilson Araújo, colheu junto a antigos depoentes que essas pessoas viviam em transito pela região e sendo assim a elas não pode ser atribuído o mérito de colonizadores.
O historiador Clemilton Andrade, tio do empresário Cleraldo Andrade, em seu livro “Uma Vida em Várias Épocas e Lugares”, importante fonte escrita primária da História de Ipiaú nos traz ideia dos primórdios da colonização.
-As matas iam caindo, seculares jequitibás, frondosos vinháticos, jacarandás, itapicurus, enfim todas as espécies que constituem a rica flora caiam aos vigorosos golpes dos machados vibrados pelos musculosos braços dos imigrantes. No lugar das matas surgiram então os cacauais, os cafezais e as pastagens. As ruas do lugarejo cresciam, se estiravam,novas levas de imigrantes chegavam, o comercio se expandia,negociava-se,roubava-se,brigava-se e matava-se”. (Giro/ José Américo Castro)
Os pioneiros que um dia chegaram não plantaram somente os cacauais, mas também a cultura, a educação, o comércio, a organização social e fundiária. Nesse time entram em campo Moysés Santos, Servolo Ornellas, Noival Suarez e Evelina Freire, dentre outros. Na foto que ilustra este capítulo alguns deles aparecem no grupo retrato em frente à residência do italiano José Miraglia, na atual Praça Rui Barbosa.
Moysés Santos
No ano de 1916 o lugarejo que veio a se tornar na cidade de Ipiaú foi elevado à condição de Distrito de Paz e recebeu o nome oficial de Alfredo Martins, em homenagem ao presidente da Câmara Legislativa de Camamu. A partir de então teve inicio a instalação de repartições públicas, sendo um delas a Escrivaninha de Paz, a qual foi confiada ao cidadão Moysés Ferreira dos Santos que antes residia em Camamu. Clemilton Andrade descreve Moysés Santos desta maneira: -Individuo de estrutura alta, bem nutrido, alegre, simpático. Dada a representação do seu cargo (o mais elevado da época)Moysés tornara-se por muitos anos a principal figura do lugarejo”. O Juízo de Paz foi entregue ao cidadão Avelino Rocha Galvão de Melo que antes exercia as funções de médico charlatão.
Noival Suarez
Filho de espanhol, negociante em Salvador, Noival Durant Suarez, pai do ex-vereador Normando Suarêz, é outro personagem que faz parte do grupo pioneiro do município de Ipiaú. Noival exerceu a função de agrimensor. “Os imigrantes derrubavam matas e faziam suas plantações em terrenos do Estado. Tinham porem de mandar medir as suas glebas e para isso chamavam os agrimensores, que passavam por engenheiros. Clemilton Andrade conta que Noival era “possuidor de um espírito alegre e extrovertido, humorista nato, gargalhava e fazia gargalhar os seus interlocutores com suas tiradas espirituosas. Adquiriu uma propriedade e também plantou cacau”.
Servolo Ornellas
Por volta de 1920 o povoado já se chamava Rio Novo, nome que segundo a historiadora Sandra Regina Mendes só foi adotado oficialmente, dez anos depois, na ocasião da elevação à categoria de sub-prefeitura. Foi nessa época que chegou por estas plagas um individuo irrequieto chamado Servolo Ornelas, proveniente de Santo Antônio de Jesus. Este homem tinha um prelo manual com o qual compunha e imprimia o jornal “O Democrata”, de conteúdo noticioso, humorístico e político. Clemilton Andrade traça assim o tipo físico de Servolo:-Homem de estatura alta, magro, nervoso, sorrisos e voz estridentes, os dois caninos superiores desmedidamente grandes, recobertos de ouro, faiscavam quando esganiçava a boca com seu alto e largo sorriso”. Além da imprensa Servolo Ornelas em sociedade com Avelino Melo implantou em Rio Novo o trafego postal, isto é, o correio. “Lá por volta de 1922 (conta Clemilton Andrade), foi criada a Agência Postal, sendo essa repartição entregue a Servolo que instalara em sua própria residência e a dirigira como agente até 1936, passando a tesoureiro da referida agência, já então postal telegráfica”. Servolo era avô do ex-senador e ministro da Previdência Social, Waldeck Ornelas.
Evelina Freire
A primeira escola pública estadual de Rio Novo foi instalada no ano de 1923 e teve como regente a professora Evelina Freire. A principio essa escola funcionou na principal sala da residência de Moysés Santos depois foi transferida para uma casa isolada, em um pasto, entre a propriedade dos árabes (nas imediações da atual agencia do Banco do Brasil) e a parte principal do lugarejo. A professora Evelina lecionou até o ano de 1952, quando se aposentou. (Giro/José Américo Castro)
Os árabes (Marons, Midlejs e Atalas) e aos italianos (Grissis e Miraglia) foram os primeiros a se fixarem na localidade que hoje constitui a cidade de Ipiaú. Isso ocorreu por volta de 1916, conforme registro do historiador Clemilton Andrade que prosseguindo em sua narrativa explica: -Chegaram depois Domingos Castro, proveniente de Muritiba, e José Bento, ocupando as extremidades do povoado e ,estabelecendo-se com fazendas para o sul.
Logo após a propriedade de Domingos Castro (no inicio da atual Avenida São Salvador) estabeleceram-se os senhores José Gomes e José Brandão. Um pouco mais adiante rio abaixo, estabeleceram-se os irmãos Hohlemwerger: João e Durval, de origem suíça.
Para a parte de cima, logo após os árabes e italianos que ocupavam a região onde hoje é o centro da cidade, vieram José Bento, Manoel Pedro, Leandro, Epifânio Vieira e já 9 km rio de Contas acima instalara-se Artur Duarte. Esses homens derrubaram matas, construíram casas, instalaram estabelecimentos comerciais, promoveram o crescimento do povoado.
Devido ao uso de armas de fogo por parte dos seus moradores que se envolviam em constantes brigas, o arraial foi batizado com a toponímica de “Rapa Tição”. Uma outra versão indica que a origem dessa denominação decorre da corruptela da palavra repartição. O local se tornara, por volta de 1920, um Distrito de Paz de Camamu, com a denominação de Alfredo Martins.
Os cartórios e escrivaninha de paz constituíram uma repartição que passou a ser uma referência da localidade. O povo da região ao se dirigir para o arraial dizia que ia à rapatição. Fuá e Encruzilhada do Sul foram outros nomes dados ao embrião de Ipiaú. Tem ainda outras versões que veremos adiante. (Giro/ José Américo Castro)
Em 17 de dezembro de 1930 o então distrito de Rio Novo foi elevado à condição de subprefeitura de Camamu. Com isso ganhou uma nova estrutura administrativa, inclusive tendo sido criado o cargo de subprefeito, o qual tinha a função de tratar das questões locais. Foram três os subprefeitos de Rio Novo: Waldomiro Almeida Santos, Osório Cordeiro da Silva que conseguiu que a subprefeitura fosse anexada ao município de Jequié, Leonel Dias Andrade (1931/32) e Antônio Augusto Sá (1932/33) em cuja gestão ocorre a emancipação política de Rio Novo (2-12-1933) continuando no cargo como prefeito nomeado. Ao conquistar a sua autonomia política, Rio Novo passou a contar com o cargo oficial de prefeito. Alguns desses prefeitos, a exemplo de José Mendonça, Hildebrando Nunes Rezende, José Motta Fernandes e Salvador da Matta (foto), também foram vereadores na Câmara Municipal de Ipiaú. Da relação dos prefeitos constam as seguintes personalidades:
Antônio Augusto Sá (17/12/1933-1934) – Quando subprefeito realizou os primeiros calçamentos de ruas (Siqueira Campos e Floriano Peixoto) da localidade. Durante a sua gestão o cenário político nacional estava muito agitado. Fundou o Partido Social democrático (PSD) no município e logo após sai do cargo.
José do Eirado Silva (07/10/1935-1936)- Filho do Coronel Guilherme Silva, um dos fundadores da cidade de Jaguaquara e cunhado de Leonel Dias de Andrade liderança política que o PSD pleiteava atrair para os seus quadros. Dai a substituição de Antônio Augusto Sá por José do Eirado Silva.
Leonel Dias de Andrade (1936-37) – Primeiro prefeito eleito. Em 1932, exerceu a função de subprefeito. Sofreu forte oposição dos integralistas que tinha em Rio Novo as lideranças de Durval Hohlenwerger Filho, Aristóteles Andrade e Dr. Fontana. Os integralistas desafiam as ordens do prefeito que então autorizou ao delegado Domingos Castro a recolher todas as camisas verdes, mesmo através da força. Após o golpe de 1937 (Estado Novo), Juracy Magalhães que não apoiou Getúlio Vargas foi destituído do governo da Bahia e o seu aliado Leonel Andrade exonerado do cargo de prefeito de Rio Novo. Com a ação do delegado teve inicio declínio do partido integralista no município.
Eurico Simões Paiva (17/12/1937-1938) – Era médico e foi responsável pela implantação da iluminação elétrica em Rio Novo. Em sua gestão também foi implantado o Posto de Higiene, com direção do médico Jaldo Reis. Esse trabalho promoveu a erradicação de varias epidemias na região. Exonerou-se do cargo de prefeito, depois que saiu sua nomeação como médico legista do estado.
Jaime Pontes Tanajura (11/03/1940-1943)-Médico e membro de família tradicional de Caetité. Fez o primeiro calçamento a paralelepípedos, na Rua Dois de Julho.
Agostinho Cardoso Pinheiro (26/03/1940-1943)- Advogado, natural de São Miguel das matas. Ampliou os calçamentos a paralelepípedos e promoveu melhorias em vários distritos. Na década de 1960 foi eleito deputado estadual. Era pai do artista plástico Antônio José Pinheiro e da professora Ana Maria Pinheiro.
Antônio Lisboa Nogueira (12/06/1945-1946)-Sergipano de Laranjeiras foi o primeiro cirurgião dentista a se instalar na região. Lutou pela emancipação política do município. Durante o seu mandato foi instalada a Comarca de Ipiaú, sendo o primeiro Juiz de Direito, Dr. Milton Costa. Mandou construir currais de matança (abatedouros bovinos) na sede e em todos os distritos do município. Auxiliou na fundação da Loja Maçônica, Rotary Club de Ipiaú e agencia local do Banco do Brasil.
José Borges de Barros (28/04/1946-05/12/1946)- Primeiro médico de Ipiaú. Chegou na localidade em 1923, atraído pelo desenvolvimento da região e pela demanda de médicos devido ao alto índice de malária. Tornou-se muito querido pela população e deixou numerosa família.
Sandoval Fernandes Alcântara (05/12/1946-1948)-Comerciante em Ubatã, pessedista, foi indicado pelo ex-prefeito Antônio Nogueira. Nomeado no período de transição para a redemocratização do país, após o fim do Estado Novo. Trabalhou na construção de estradas no interior do município e promoveu o calçamento da Rua Silva Jardin.
Pedro Caetano Magalhães de Jesus (1948-1952)-Natural de Senhor do Bonfim, advogado, foi o primeiro prefeito eleito em Ipiaú após o fim do Estado Novo (ditadura de Getúlio Vargas).Sua administração foi marcada pelo investimento na educação, sobretudo no ensino primário. Construiu várias escolas no município, dentre elas o Colégio Celestina Bittencourt. Durante a sua administração foi fundado o Ginásio de Rio Novo e construído o Estádio Municipal de Futebol que posteriormente recebeu o seu nome.
José Muniz Ferreira (1952-1955)- Mais conhecido como Juca Muniz, genro do coronel Durval Hohlenwerger e irmão de Edízio Muniz Ferreira. Promoveu a ampliação da rede de esgotos das ruas Anchieta, Rio Branco, Castro Alves, a colocação de meios fios da Rua Juracy Magalhães e a remodelação da Praça Rui Barbosa.
Salvador da Matta (17/04/1955 14/04/1959 e 1971-1973)-Natural de Catú foi um dos maiores intelectuais da região. Homem culto, formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia com apenas 22 anos de idade, em 1937. No ano seguinte instala-se em Rio Novo passando a exercer a sua profissão. Em 1950 fundou o Ginásio de Rio Novo, marcando uma nova fase na educação do município. Sua primeira administração municipal se caracterizou por investimentos em obras de saneamento básico, ampliação de rede de esgotos, calçamento de ruas e construção de escolas. Construiu a ponte sobre o rio das Contas, ligando Ipiaú à vila de Japumirin, no município de Itagibá. Na segunda gestão construiu o Centro Administrativo do Município, pavimentou diversas ruas e concluiu a iluminação da cidade com lâmpadas a vapor de mercúrio.
José Motta Fernandes (14/04 /1959 a 07/04/1963 e 07/04/1967 a 1971, além de 1996-2000)- Único político a administrar o município de Ipiaú em três ocasiões. Era natural de Sergipe, residia inicialmente no distrito de Barra do Rocha sendo um dos representantes do mesmo na Câmara Municipal de Ipiaú. Em seu primeiro governo, dentre outras obras, construiu a ponte sobre o rio Água branca, nivelou a Rua do Cruzeiro e calçou as ruas Mira Rio, Alfredo Brito e José Muniz Ferreira, iniciou a obra de construção do Mercado Municipal e promoveu melhorias no distrito de Algodão. Na segunda gestão remodelou o Colégio Celestina Bittencourt, concluiu o Mercado Municipal. Na terceira gestão pavimentou diversas ruas e realizou inúmeras outras obras.
Euclides José Teixeira Neto (07/041963 a 07/04/1967)-Nascido no povoado de Jenipapo, município de Ubaíra, filho de Patrício Rezende Teixeira e Edith Coelho Teixeira, advogado, escritor, maior líder político da historia de Ipiaú. Criou a Fazenda do Povo, o Ginásio Agrícola Municipal de Ipiaú (GAMI) e o bairro da Democracia. Em sua gestão, considerada a mais progressista da historia local, com apoio da comunidade é instalado o primeiro hospital publico do município e o Parque de Exposição Agropecuária. No mesmo período Ipiaú recebe o titulo de “Município Modelo da Bahia”, concedido pelo Governo Federal.
Hildebrando Nunes Rezende (1973-1977 e 1983-1988)-Líder carismático e populista, natural de Ipiaú, investiu no assistencialismo, eletrificou diversas regiões da zona rural, construiu pontes e estradas e expandiu o bairro da Democracia. Mandou compor o Hino de Ipiaú, fundou o Museu do Lavrador e criou a Secretaria da Cultura, além de construir a Praça do Cinquentenário. Pavimentou a Avenida Getúlio Vargas, Avenida do Contorno, Bairro Euclides Neto e Rua do Honório.
José Borges de Barros Junior (1977-1982) – Também conhecido como Zequinha Borges, trabalhou para a modernização da cidade, levantou verbas para a construção do Ginásio de Esportes e pavimentou diversas ruas.
Miguel Cunha Coutinho (1988-1992)-Natural de Ibirapitanga foi deputado estadual e manteve o estilo populista na gestão do município de Ipiaú. Suas principais obras como prefeito foi a construção do Conjunto Habitacional Antônio Carlos Magalhães (o bairro ACM), a construção do novo matadouro municipal, a pavimentação do bairro da Conceição e da Rua da Granja. Era formado em sociologia mais nunca exerceu a profissão.
Ubirajara Souza Costa (1992-1996)-Nascido no distrito de Córrego de Pedras, interior do município de Ipiaú, filho do lendário Pedrão, é médico cirurgião. Em sua gestão publica houve investimento na área da saúde e educação, com destaques para as construções do CETAN e os Colégios Ângelo Jaqueira, Edvaldo Santiago, Patrício Teixeira, Pastor Paulo e o Hospital da Mulher.
José Andrade Mendonça (2000-2004 e 2004-2008) – Natural de Sergipe, filho do famoso empresário Mamede Paes Mendonça, ganhou a simpatia do eleitorado ipiauense e se tornou um dos líderes políticos mais carismáticos e fervorosos da historia do município. Em suas duas gestões implantou um estilo norteado na austeridade e transparência, combateu a corrupção, realizou inúmeras obras nas áreas de habitação, saneamento básico, infraestrutura e educação. Incentivou a cultura, investiu na assistência social e promoveu a organização da cidade. Seu grande projeto, a construção do Parque da Cidade, não chegou a ser concluído por questões políticas.
Sandra da Purificação Lemos – Administradora de empresas e natural de São Gonçalo dos Campos. Na condição de suplente de José Mendonça em sua segunda gestão, assumiu o cargo de prefeita de Ipiaú no ano de 2008, sendo assim a primeira mulher a ocupar tal posição no município. Disputou a eleição seguinte com o médico Deraldino Araújo que lhe derrotou e assumiu o comando do município.
Deraldino Alves de Araújo– Nascido em Itapitanga, reside em Ipiaú há 30 anos. É médico pediatra e se elegeu prefeito após concorrer em três eleições consecutivas. Realizou obras de infraestrutura básica, esgotamento sanitário, pavimentação, abertura de novas ruas e bairros, construiu quadras poliesportivas e inaugurou o Centro de Abastecimentos transferindo para este local as duas feiras livres que existiam na cidade.
Maria das Graças – Apesar da sistemática oposição que enfrentou na Câmara, a prefeita Maria das Graças César Mendonça, natural de Salvador, realizou uma das melhores administrações da história de Ipiaú. Foram cerca de 80 obras, em menos de quatro anos, algumas delas com apoio dos governos estadual e federal, outras com recursos próprios do município. Nesse volume destacam-se a construção da Praça de Eventos, a reforma e iluminação do Estádio Pedro Caetano, as requalificações do Centro de Abastecimento, Praça do Cinquentenário, Matadouro, pavimentação de dezenas de ruas. Maria foi reeleita para o segundo mandato que se inicia no próximo dia 1 de Janeiro de 2021. (Giro/José Américo Castro)
Figura emblemática da Rua do ABC e por extensão da própria cidade de Ipiaú, Teodoro Salomão de Oliveira é sempre lembrado pelo povo desta terra. O jeito simples, cheio de gentilezas, a educação essencial, a religiosidade e a determinação para o trabalho, imprimiram-lhe traços de uma personalidade nobre que só saía do sério quando alguém insinuava lhe fazer cócegas ou pronunciava a fatídica frase: “Olha o sapo, Teodoro”. Era faniquito na certa. Ele gritava, pulava, reclamava, suspirava, suava frio, botava a mão no coração, pedia um copo de água, lastimava o infortúnio. Depois sorria e explicava o quanto aquilo lhe incomodava.
O trauma teve origem na infância, quando ainda morava na fazenda dos seus pais, na zona rural de Itagi. Não se sabe por qual motivo um sapo-boi lhe perseguiu numa boca de noite. O certo é que a cena jamais saiu da sua memória. A carreira em alta velocidade que empreendeu na fuga, foi movida por mau presságios e desespero. Sem psicólogos ou psicanalistas, Teodoro ficou definitivamente com o susto que autenticou o seu ingresso no folclore ipiauense. A pandemia do Coronavírus não lhe seria tão aterrorizante quanto a lembrança do sapo.
Nascido no município de Mutuípe, no dia 1º de Julho de 1917, Teodoro era filho de Antonio Salomão de Oliveira e Maria Arcanja . Teve seis irmãos biológicos. O trabalho árduo nas lavouras de fumo, café e mandioca, permitiu à família recursos para adquirir uma terra na zona rural do atual município de Itagi. Eles deixaram o Vale do Jiquiriçá, sonhando enriquecer na região do cacau. Nessa fazenda Teodoro passou a infância, vivenciou a situação do sapo-boi, aprendeu a trabalhar e cresceu.
Um dia resolveu conhecer a Vila de Rio Novo, hoje Ipiaú, onde encontrou Valdete Silva, uma moça bonita, de olhos claros, que lhe encantou de imediato. Em 14 de agosto de 1946 se casaram na antiga Igreja Matriz de São Roque. A cerimônia foi celebrada pelo padre Simão Phileto, primeiro pároco do município. Acompanhado de Valdete, Teodoro retornou para a fazenda em Itagi, onde nasceram seus primeiros filhos: Luis Carlos, Dorival (Dorinho) e Luzia. Tiveram 14 filhos, no entanto apenas seis sobreviveram.
A necessidade de garantir a alfabetização dos meninos, impôs mudanças nos planos. Em 1951 já estavam morando novamente em Ipiaú, na Rua Mira Rio. Um ano depois comprou um terreno em uma área pertencente ao major Alberto Pinto e dona Sinhazinha. O espaço na parte alta da cidade já tinha algumas casas e recebeu o nome de Rua do ABC, atualmente denominada de Rua Tomé de Souza. Com muito esforço construiu a casa própria, onde nasceram Maria Rita, Paulo Roberto, o popular “Beto Sucuiuba” e Maria Rosália (Zay).
Em determinado momento da sua existência, Teodoro foi vitima de uma congestão. Ficou internado na Casa de Saúde São José, de Dr. Mesquita. Nesse ínterim assinou uma procuração para que um advogado cuidasse da terra que herdou em Itagi. O dito cujo causistico lhe passou a perna, enquanto a congestão deixou sequelas.
Bastava alguém chegar mais perto para que Teodoro reagisse com pulos, sentindo cócegas… A coisa evoluiu a ponto de um simples gesto, à distancia, lhe provocar o chilique.
Amargando a perda do patrimônio, cheio de sensibilidade traumática, Teodoro procurou reergue-se. Deu a volta por cima vendendo verduras na feira livre da cidade. Bancou a educação dos filhos e manteve a dignidade.
Pelo fato de auxiliar o pai na barraca da feira, o filho mais velho ganhou o apelido de “Luis Tomate”. Tornou-se um excelente professor de inglês e trabalhou como interprete no Centro Industrial de Aratu e na empresas multinacional Norberto Odebrecht. O único que não se formou foi o caçula, Beto, mas, em compensação realizou-se como exímio quituteiro e criativo artista plástico.
Teodoro continuou a sua jornada. Trocou a barraca na feira pela vendagem de queijo. Fazia entrega em domicilio, prosava, contava histórias. Quando não estava trabalhando, ou no recesso do lar, era encontrado na igreja. Frequentava as missas, tornou-se catequista e filou-se à Irmandade do Coração de Jesus. A religiosidade lhe deu forças e resignação.
Fazia romarias ao santuário de Bom Jesus da Lapa e nas procissões de São Roque estava sempre em destaque. Seguia solenemente carregando a cruz ou andor do padroeiro. O problema era se algum gaiato, sabendo que o santo é de barro, gritasse bem alto: olha o sapo, ou insinuasse o gesto de que iria lhe fazer cócegas. (Giro/José Américo Castro)
Corria o fatídico ano de 1964, tempo em que o Brasil mergulhava nas trevas do autoritarismo militar e o prefeito Euclides Neto ousava implantar o socialismo em Ipiaú, quando chegou, por estas bandas, um sujeito chamado Gildásio Batista Santos. Vinha de lá da beira dos mangues de Camamu, com aquele jeito de que tinha planos de ficar. E ficou.
Fincou residência na Avenida São Salvador, perto de Léo Carpina, quase defronte a casa de seu Spinola, onde hoje funciona o Bar de Valtemir, e por ali permaneceu durante 18 anos. Exercia a profissão de ferreiro, auxiliando seu pai, Antenor Batista Santos, em uma tenda na esquina da Praça Antonio Linhares com a Rua Celso Barreto. A freguesia não era de tudo farturenta, mas dava para tirar os trocados do gasto.
De vez em quando alguém levava uma bicicleta quebrada pra ele dá um jeito. E assim foi pegando gosto pela coisa. A fama de consertador de bicicletas se espalhou pela cidade e quando Gildásio percebeu, já tava envolvido até a alma no negócio. O jeito foi montar uma pequena oficina, ao lado da sua casa, na Avenida.
A tarefa de consertar bikes aguçou a vontade de usá-las. Descobriu o prazer de pedalar. Percorria ruas, estradas, ia longe, até em outras cidades da região. Na maioria das vezes viajava sozinho, com seus sonhos e pensamentos. Fazia manobras radicais, pedalava de costas, participava de competições, chamava a atenção de todos com sua Monark incrementada.
Nas pedaladas, inclinava o corpo à esquerda, num estilo todo seu. Assim de banda tirava onda. A magrela era cheia de acessório: micro lâmpadas, três buzinas, quatro espelhos retrovisores, farol à dínamo, bagageiro enrolado com fitas plásticas. Sobre o pára-lama dianteiro uma imagem de São Jorge, de quem era devoto. A cada dia ganhava um novo enfeite. Em homenagem ao santo guerreiro colocou o nome de um dos seus filhos. Jorginho, como era conhecido o garoto, se tornou um grande percussionista e faleceu em acidente automobilístico.
Em dois casamentos Gildásio teve nove filhos. Com dona Iraci da Silva foram seis: Gildésio, Gilda, Jurandir, Gildádio Filho, Jorge e Lívia. Do segundo casamento, com dona Railda Pereira, vieram Antonio, Ramon e Geisa. O mais velho desta prole: Antonio Pereira Santos, mais conhecido pelo apelido de Juninho, tem 22 anos, e já ingressou no ensino superior, cursando a Faculdade de Engenharia Eletromecânica.
A criatividade de Gildásio rendeu à bike o apelido de “Bumba Boi”. A cada dia ela ganhava mais acessórios. Chamava mais atenção, contribuía para que seu dono ocupasse espaço no folclore ipiauense e ganhasse fama no rol da presepada. Com o dinheiro que faturou consertando bicicletas, Gildásio comprou um Jeep. Dirigia o veiculo com a mesma postura que pedalava a bicicleta. Paquerava de montão, curtia pra caramba.
Igual a Gildásio existem, em diversos lugares, outras pessoas que adoram um bicicleta enfeitada. Uma das fotos que ilustram este texto mostra um cidadão de Salvador com seu cobiçado objeto de desejo participando da festa da Lavagem da Igreja do Bonfim.
Tudo tem seu tempo. A juventude ficou pra traz, no passado, visível apenas no retrovisor da recordação. Hoje aos 77 anos de idade, Gildásio reside no final da Avenida Getúlio Vargas, trecho da Rua do Sapo, vizinho ao prédio do Reciclão, onde funcionou o primeiro laticínio de Ipiaú. Está aposentado, torce pelo Flamengo e não perdeu a mania de pedalar. Três bicicletas fazem parte do seu patrimônio. Ainda se acha capaz de manobras radicais, mas a prudência recomenda que é melhor não se arriscar. *Por José Américo Castro/GIRO
Natural de Ipiaú, morador da Rua da Banca, o vigilante Alex Rosa Júnior comemora uma vitória sobre o bullying. Pessoas amigas lhe mostraram o melhor caminho para elevar a autoestima e tirar de tempo aqueles que ficavam zoando com seu jeito de ser. O biotipo exótico provocava apelidos, gracejos, gozações que lhe irritavam e motivavam reclamações junto às autoridades. Até queixas na Delegacia de Policia ele prestou contra os gozadores, quando a coisa já estava passando do limite, ganhando as redes sociais com áudios.
Foi conversando com o delegado Rodrigo Fernando e pessoas ligadas aos meios de comunicação da cidade que Alex compreendeu como superar o trauma que vinha acumulando ao longo do tempo. Elas lhe ensinaram a não guardar sentimentos ruins e nem ligar para os perturbadores. Teve até um amigo que utilizou a internet a seu favor, criando um canal no Youtube com o titulo de “Docinho”. O novo apelido anulou aqueles que o amarguravam.
Hoje, Alex pouco importa que lhe chamem de “Salsichão”, “Zoião”, ou outras denominações depreciativas. Rir de quem o provoca, pois sabe que o importante é ser ele mesmo. Sua alegria cresce quando a mulherada o trata como “Docinho”. Sua página está repleta de comentários elogiosos, flertes… Alex compreendeu que não existe coisa melhor no mundo do que sentir o que se é de verdade e não o que os outros pensam.
Alto, magro, com 32 anos de idade, funcionário da empresa MB Souza, que presta serviço à Prefeitura Municipal de Ipiaú, Alex Júnior trabalha como vigilante da Escola José Mendes de Andrade, mas também tem seus rompantes de microempresário. Registrou uma firma, com o nome de J.L Segurança, que atua em eventos da iniciativa privada e gera até cinco empregos por ocasião.
Pela necessidade de descolar uns trocados a mais, montou uma bicicleta sonora, com a qual percorria a cidade propagando as promoções de estabelecimentos comerciais e até de candidatos a cargos políticos. A “magrela”, presenteada pelo ex-prefeito José Mendonça, fez sucesso e contribuiu para que Alex ganhasse o status de personalidade folclórica.
Expressando gratidão pela família da prefeita Maria das Graças, e em especial pela empresária Flávia Mendonça que tem lhe auxiliado dentro das suas possibilidades e lhe valorizado como cidadão ipiauense, Alex disse que se sente feliz por tão boas amizades. À reportagem do GIRO ele revelou que a luta pela sobrevivência lhe impediu de continuar os estudos, interrompidos na quinta séria primária.
Disse ainda que é torcedor do Vasco da Gama e que já frequentou a Igreja Pentecostal Fonte da Água Viva, pastoreada pelo apóstolo Marcos Pimentel. Também confidenciou que mora com os avós, e tem uma namorada na cidade de Feira de Santana, mas não pretende casar, por enquanto. Prefere curtir a doce vida de solteiro. ( GIRO/ José Américo Castro).
Ele se chamava Afrodisio e teve ao mesmo tempo sete mulheres que lhes deram 17 filhos, frutos de uma virilidade descomunal que talvez se explique no significado do próprio nome: “consagrado a Afrodite”, a deusa do amor, da beleza e do sexo. Convivia bem com todas e elas procuravam se harmonizar e compreender seu jeito diferenciado de ser.
O sustento das famílias era garantido pelo cargo de funcionário público estadual num posto de saúde da cidade e pela atividade de músico, além de empreendedor do ramo da construção civil. Ergueu inúmeras casas na cidade, alguns dos antigos imóveis da Rua da Batateira foram construídas por ele. No baba do Barro lhe chamavam de “Tcheca”. Era do tipo de zagueiro que jogava duro, batia muito, estando sempre de prontidão para dá o troco em quem lhe pegava. Torcia pelo Flamengo e gostava muito de contar histórias do brega.
Afrodisio de Sá Barros, 88 anos, primogênito do casal Ramiro Artur de Sá e Elisa de Sá Barros que teve outros seis filhos, nasceu na antiga Rua do ABC, atualmente chamada de Tomé de Souza, centro de Ipiaú, onde desde criança mostrou tendência para a música, cantando e assoviando modinhas da época. Seus dotes de galanteador foram revelados ainda na infância, nas brincadeiras de “esconde esconde” com as meninas da vizinhança. Em cada escondida encontrava o que procurava naquelas ocasiões do despertar da libido. Quando adolescente tinha sempre uma namorada disposta a lhe proporcionar prazer.
O dom da música lhe abriu as portas da boemia, unindo o útil ao agradável. No Jazz Band 15 de Maio, regido pelo Mestre Lôla (Eulógio Santana), criou afinidades com o saxofone, familiarizou-se com os ritmos dançantes (rumba, fox-trots, chá-chá-chá, bolero, chorinho, gafieira…), tocou em diversas cidades, chamou a atenção da mulherada, forjou capítulos importantes da sua própria história. Nas datas cívicas e religiosas o Jazz Band ganhava aspecto de filarmônica.
Ioiô também participou da Filarmônica Alberto Pinto que sob a regência do Mestre Osório formava a vanguarda festiva das campanhas do antigo MDB de Hildebrando Nunes Rezende, Odilon Costa, Euclides Neto e cia.
O melhor da boemia, Afrodisio viveu no Conjunto Lunar, o grupo que ele próprio criou e reuniu músicos como Tonhe Lambança, Mero, Véi, Salvador do Cavaquinho, Sabiá (cantor), Zeca do Trombone e seu filho Nailton que tocava bateria, dentre outros. O Lunar fez sucesso nos cabarés de Ipiaú e região, executando gafieiras, boleros, dando mais clima ao ambiente de luxuria e luz vermelha.
O HARÉM
Em revezamentos visitava as sete mulheres, dando-lhes atenção e sustento. Foi legalmente casado com Jesulina e teve uma convivência mais assídua com Odilia, ambas não lhes deram filhos. Em compensação Flordinice (mãe do ex-vereador Nasser Barros) e Sônia geraram 10 filhos, cinco cada uma. Com Maura (mãe de Nailton) foram três filhos, a mesma quantidade com Ernestina (mãe de Sidnei Batista, o popular “Baleião”) e um com Carmelita. Excetuando Jesulina que era funcionária da Prefeitura, as demais mulheres de Afrodísio trabalhavam como lavadeiras.
Quando Ioiô morreu em 2004, devido a complicações cardíacas, todas compareceram ao velório na casa de Odília e entre lágrimas e gargalhadas rememoraram proezas do amante em comum. Muitas outras também apareceram dizendo que tinham merecidos seus impulsos e safadezas.( Giro/José Américo Castro).
Na Ipiaú de todos os tempos fica a figura impar do negro Jairo. Singular, raquítica, tropicalista, repleta de sonhos e fantasias. Síntese distorcida das lisergias dos anos 70. Um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Curtia Jimi Hendrix, Renato e Seus Blue Caps, Jerri Adriane, Mach Five e Embalo 4, Grupo Imaginação. Frequentava as portas do Éden, os chás dançantes do Rio Novo Tênis Clube, o bar e boite “Barcaça”, os bancos da Praça Rui Barbosa.
O olhar fixado na torre blue da igreja de Ipiaú , acima da qual “um céu de estrelas sempre a brilhar”, ia além do que as vistas alcançavam. Colírios, delírios, viagens… Xaropes, opiodes, ondas de baixo custo, baratos que custaram caro à sua pessoa. Navegação sem bússola no vasto oceano da existência. Buscando “um Oriente ao oriente do Oriente”. O poeta lusitano Fernando Pessoa, em seu heterônimo Álvaro de Campos, certamente o compreenderia.
Aos 59 anos de idade Jairo perambula pelas ruas, pede um trocado, estende a mão. Anos 70 tão distantes e tão presentes nas vestes, nas ideias e gírias, nas estradas que percorre. O personagem neles, em eternidade. Hippie, Hendrix , rock and rool. Tudo isso lhe mantendo vivo, em resistências. Anos 60, pós revolução (golpe) militar: Jairo ainda criança, morando na Rua Floriano Peixoto, brincando de gude, jogando pião, triangulo… Correrias de picula, de “salvar”, com sua turma: Tonhe Saci, Luizinho (seus irmãos), os filhos de Hildebrando, Breia, Adelson Negão, Carlos Jordan, de Walter Hollewerger, Robertinho e Kleber Muniz. Frequentando a casa de Pedro Haage, de dona Filinha, fazendo favores à vizinhança.
Seu pai, João Vaqueiro, e sua mãe, Celina Lavadeira, davam muito duro para sustentar a família de oito filhos. Batizaram-lhe com o nome de Jalon dos Santos Marques, mas sempre foi chamado de Jairo, nego Jairo para os mais próximos. Fez o primário em três escolas, ingressou no GEI, no entanto não completou o curso ginasial pois os acordes dissonantes lhe conduziram a outros rumos. Fabricou uma guitarra de madeira, conseguiu um pandeiro sem couro, e se disse músico, cantor e compositor. Achou-se cineasta com muitas idéias na cabeça e nenhuma câmera na mão. Ator de filmes de espionagem.
Não tardou um pauzinho na coisa, uma onda diferente pra curtir as neblinas da festa de São Roque. Queria proximidades com os jovens da burguesia, mas sofreu descriminações. Preto, pobre e xarope, sem alternativas e malícias. Intensificou viagens, materiais e mentais. Transitava em Jequié, Itabuna, Ilhéus e outras cidades da região. “Perdeu-se em transparências latejantes”. O alimento minguado era garantido com a atividade de engraxate, lavagem de carros, faxinas, mendicância. O que sobrava era do “bagulho”. Na capanga: frascos, comprimidos, registros. Sofreu relento, ficou estrunchado, dormiu na rua, perdeu os dentes, sobreviveu.
Em pose tântrica no banco da praça, ou no meio fio da rua, observa a cidade, transeuntes e veículos, gente apressada que nem lhe olha. Com cara de sofrimento reafirma ser artista e diz estar cansado. “ Não quero mais saber de curtição, pois agora eu tenho a ciência da natureza na minha ideia. De vez em quando tomo um remedinho para melhorar a cabeça”, filosofa. *Por José Américo
–Jairo morreu no mês de junho de 2019, no distrito do Japomirim, município de Itagibá.
Pisa na linha levanta o boi, levanta meu boi do chão… O refrão da toada era a senha para o Boi Estrela entrar em cena e mostrar o valor de um folguedo brasileiro que teve início no século XVIII, misturando aspectos das culturas portuguesa, negra e indígena. Seu Davi, comandava o espetáculo com amor de devoção pela tradição que ele trouxe de Maracás e fez história em Ipiaú. O amor e dedicação a essa arte lhe renderam esse ano (2018) uma homenagem da prefeitura nos festejos de São Pedro.
A sonoridade (tambores, pandeiros e pífanos) ficava a cargo de Valdomiro Coveiro, Val, Miguel, Gaso e Vardo que também se encarregavam de fazer o coro masculino das toadas puxadas por seu Davi. As vozes femininas ficavam por conta de dona Eulina (esposa de seu Davi), Noemia, Maria Baixinha e Tute. O figurino, confeccionado por dona Eulina, completava a riqueza do cenário.
O “Boi Estrela”, saia da residência de seu Davi, na Rua da Batateira, percorria diversos pontos da cidade e chegava até a zona rural. Seu grande incentivador foi o ex-prefeito Hildebrando Nunes Rezende. Davi de Souza Menezes também conhecido como Davi do Bumba Boi, nasceu no município de Santa Inês, foi criado em Maracás e chegou a Ipiaú no inicio da década de 1950. Com sua esposa Eulina Maria da Silva gerou 21 filhos que multiplicaram a descendência em dezenas de netos, bisnetos, tetranetos.
Fiscal da Prefeitura
Durante muitos anos, seu Davi trabalhou como fiscal da Prefeitura Municipal de Ipiaú, mantendo-se fiel cumpridor dos deveres. Também foi feirante, vendedor de tomates e outras verduras, sendo um dos pioneiros da antiga “Ferinha”, no Bairro da Democracia. Era de temperamento sóbrio. Não usava bebidas alcoólicas e nem fumava, mas gostava de política. Se dizia um legitimo “garrancho”, militante do velho MDB ipiauense, seguidor de Hildebrando e Euclides Neto. Quando tinha oportunidade subia no palanque e mostrava seus dons de bom orador. Era devoto de Bom Jesus da Lapa e todo ano seguia em romaria para o famoso santuário.
No apoteótico desfile em homenagem ao cinquentenário de emancipação política de Ipiaú, na ensolarada manhã do dia 2 de Dezembro de 1983, seu Davi, e todo seu séquito, esteve presente mostrando a grandeza da tradição. Durante o cortejo soprava um pífano e se mostrava honrado em participar da homenagem.
Chapéu panamá, lenço vermelho no pescoço, respeitável bigode branco, o homem do bumba boi faleceu em Ipiaú, no dia 10 de julho de 2002, aos 83 anos de idade. Um ano antes, comandou, na Avenida São Salvador, a última apresentação do seu Boi Estrela. Ficou na história, na memória de tantos que testemunharam a arte da sua luta em defesa de tão importante manifestação folclórica. O Boi Estrela ainda brilha, cintila em tantas lembranças. (Giro/José Américo Castro)
O GIRO encontrou na tarde dessa terça-feira (25), no Campo da Baixada, o autodeclarado “maior artilheiro de Ipiaú”, Sérgio Marley. Ele já contabiliza trinta e nove mil, setecentos e cinquenta e sete milésimos de gols. Calma, se você não entendeu a contagem, ele explica melhor no vídeo abaixo.
Figura folclórica em Ipiaú, Sérgio está de visual novo. Na cabeça ele traz o símbolo de uma montadora de veículos, sua nova patrocinadora, e as iniciais WC, em homenagem à cantora Wanessa Camargo, que o boleiro afirma ter encontrado em 94 no Aeroporto de Ipiaú.
Sérgio ainda garante que só esse ano, já jogou 124 partidas e agora se prepara para o Campeonato de Bairros de Ipiaú, previsto para começar no próximo mês. Apesar da fama de goleador, os times da cidade apenas o escalam como gandula, o que pra ele também é honroso.
Ágil, irrequieto, buliçoso, atrevido, cheio de reboliços. Antônio Gomes da Silva é tudo isso e muito mais. O apelido de “Caxinguelê, define perfeitamente o seu modo de ser. Olhos atentos a todos os movimentos, esperto, criativo e atrevido. Antes lhes chamavam de “Periquito, o que também tinha certo sentido, mas prevaleceu o esquilo. Ipiaú vivia os tempos áureos do seu futebol quando ele chegou de Itabuna com fama de bom de bola.
Se apresentou no fabuloso time do Independente Esporte e Cultura, arrasando no primeiro treino. Correu, driblou, fez gol, encheu os olhos de todos. O veloz Waldir (Di), titular da ponta direita ficou preocupado com a possibilidade de perder a posição quando soube que Jaime Cobrinha, diretor de futebol, havia recomendado a contratação do novato. Mais prudente, seu Edval, o treinador, pediu um tempo para melhor avaliar a promessa grapiúna.
A primeira impressão não foi a que ficou. No treino seguinte Caxinguelê pipocou, pisou na bola, frustrou as expectativas. Escalado no elenco titular, ao lado de Gajé, Bueirinho, Tanajura e outros craques lendários, ele teve como marcador o viril lateral Zé Branco. E este chegou junto, não lhe deu trégua, nem tempo de sassaricar.
Caxinguelê tocava na bola e era logo desarmado. Zé Branco lhe cutucava, peitava, arremessava no alambrado. Diante da marcação pesada o jeito foi pedir clemência. Chegou pra Zé Branco e disse: – Pega mais leve porque eu tou cheio de verme -. Em seguida pediu pra ser substituído e mudou de ramo. Virou roupeiro. Daí chegou à condição de massagista em outros clubes, pois no Independente a função era de Américo Pintor.
Antes mesmo do time entrar em campo ele já estava no gramado protagonizando suas patacoadas. Galhos de pião roxo, folhas de arruda, queima de pólvora, simulações de descarrego… Foclorizava à torto e à direito. E desse modo foi convidado a trabalhar na Seleção de Ipiaú que então desfrutava excelente conceito no campeonato Intermunicipal. Suas catimbas eram fundamentais em determinadas situações.
Certa vez no Estádio Pedro Caetano o escrete ipiauense ganhava por 1 X 0 e precisava do resultado para obter a classificação e seguir em frente no certame. O jogo estava tenso com o adversário crescendo nos minutos finais. Quando um dos principais jogadores da equipe local foi derrubado e parecia gravemente machucado, o técnico Chinesinho deu ordem para Caxinguelê entrar em cena. Os maqueiros não apareceram e o atendimento do massagista se prolongou na famosa ‘cera’. Caxinguelê é pressionado pelo arbitro a sair imediatamente do campo. Obedece e se retira correndo, mas antes de chegar na linha divisória finge que tropeça, joga a caixa com gelo para o alto e cai gritando de dor. Não contavam com a sua astúcia.
Sabendo que era teatro, os jogadores de Ipiaú arrodeiam o massagista, solicitam atendimento médico e impedem que lhe toquem. Os maqueiros continuaram sumidos. Começou a escurecer. A falta de refletores no estádio não permitiu os descontos da paralisação e sob protestos da equipe adversária a partida foi encerrada. No barzinho em baixo da arquibancada, Caxinguelê comemorou o feito. Bebeu todas, contou altas vantagens.
Em outro jogo do Intermunicipal, na casa do adversário, quase apanhou de um torcedor que invadiu o campo e tomou os apetrechos com os quais simulava um despacho. Quando veio treinar a Seleção de Ipiaú o disciplinador Geraldo Pereira exigiu que Caxinguelê parasse com tais presepadas, conscientizando-lhe de que não devia cutucar o diabo com vara curta.
Caxingelê também fez história na política. Animou comícios em Ipiaú e Ibirataia, ajudando a eleger, respectivamente, os prefeitos Hildebrando Nunes Rezende e José Antônio. Dividia a cantoria com Messias e quando entoava o refrão: ”Hildebrando é gente fina ôôô…”. A multidão vibrava fazendo o coro.
Galvão o poeta dos Novos Baianos, foi candidato a deputado federal pelo PMDB, na eleição de 1982. Chegou a Ipiaú para participar de um comício e ficou mais tempo do que havia planejado. Foram quase vinte dias, mantendo contato com a malucada, batendo baba no areão do Arara, curtindo as ondas locais. Seus principais cabos na cidade eram Caxinguelê, Barãozinho e eu. Num carro de som Caxinguelê propagava a exótica candidatura: “Vote em Galvão e ganhe um morrão. É ele o candidato da massa”. Galvão perdeu a eleição, mas ganhou em Ipiaú nada menos que 300 votos. Somente em Salvador e Juazeiro, sua terra natal, obteve uma votação mais expressiva.
Antes de ir para São Paulo, onde mora atualmente, Caxinguelê ingressou numa religião evangélica. Vestiu terno, gravata, adotou um jeito pastoral e sempre era visto com uma Bíblia na mão. Certamente continua na fé cristã. Assim aproximou-se do artista itagibense Waldomiro de Deus, grande referência da pintura nacional.
Do futebol, Caxinguelê nunca se afastou. Fez amizade com atletas profissionais e até colocou-se à disposição de equipes de veteranos. Uma foto lhe mostra com o tradicional uniforme de massagista ao lado de Ademir da Guia (da inesquecível academia do Palmeiras) e outros jogadores históricos, em um jogo dos Amigos do Eduardo Araújo. Faz tempo que não vem a Ipiaú, esperamos um dia revê-lo.*Por José Américo Castro/GIRO.
De del em del ao léu, papel crepom Babel, torre de Rapunzel, seu nome é Deledel. E foi com esse apelido que Josenildo Pereira da Silva ficou conhecido na cidade. Até hoje o povo lembra dos seus aprontes e presepadas. O estilo escancaradamente malandro se não conquistou as elites conseguiu admiradores nos circuitos intelectuais. A boemia o acolhia numa boa. Filho de Quiquinha, irmão de Gói , tio de Digolino, amigo de Berekexéu, coligado de Todo Feio, comparsa de Lixo e Coceirinha, Deledel entrou na história ipiauense muito mais pela ousadia do que os estereotipados padrões de cidadania.
Passou fome, sofreu discriminações, mas não se curvou. Morava em um frágil barraco na beira do Rio de Contas. A cada enchente sua casa era invadida pelas águas. Ia tudo correnteza abaixo. Nem por isso ele se desesperava: “sentava na beira do rio e danava a fazer poesia”. A cena foi descrita pelo saudoso poeta Fauzi Maron em um dos seus versos mais célebres.
Tinha sempre alguém para acolher a família desabrigada e auxiliar na reconstrução da moradia. Deledel frequentava a Praça Rui Barbosa, fazia ponto nas portas do Cine Éden, assistia os filmes, trocava revistas em quadrinhos, discutia futebol, era torcedor do Botafogo e absorvia cultura. Muita cultura. Participou de grupos de teatro, curtiu muito rock and rool, deitou e rolou em cima dos otários.
Com ele era assim: vacilou dançou. Afinal precisava manter-se vivo, sem trabalho pesado. Desse modo reproduzia táticas de Macunaíma, Malasartes e outros heróis sem caráter. Atos de rebeldia, provocações à sociedade, eram rotineiros em sua vida. Quando aprontava e a policia chegava, a rota de fuga já estava traçada. Poucas vezes lhe pegaram.
Após as festas no Rio Novo Tênis Clube, Deledel insistia em prosseguir nos pesados embalos de sábado. Ia até a casa de Zebrinha, mas, dependendo do que estava rolando por lá, o anfitrião não lhe permitia o acesso. Ele então implorava: ”Joga as tranças Rapunzel”. Do alto do sobrado, o aristocrático artista plástico respondia: – Vá embora Delendas, este ambiente não te pertence!
Barrado no baile, o representante da plebe rústica, renegava a luta de classes e pegava o rumo dos “Dez Quartos”, onde terminava a noitada com alguma quenga de plantão. O viés intelectual fez com que Deledel editasse uma gazeta mimeografada que recebeu o nome de “LOCA DO ACARÍ”.
A publicação não passou do segundo número, já que na edição de estreia seu editor havia colocado um anuncio do Restaurante Pouso do Jacu, sem a devida autorização da dona da casa. Cheia de razão a comerciante recusou-se a pagar o anuncio. Sem êxito na cobrança ilegal Deledel deu o troco: no mais autentico estilo extorsivo de Assis Chatobriand, estampou, na segunda edição da Loca, a sensacionalista manchete: “NIÊTA VENDE GATO POR LEBRE”.A ousadia lhe custou caro. A ultrajada empresária saiu em sua caçada pelos quatro cantos da cidade. Deledel não teve outro jeito a não ser o de se esconder e tirar o pasquim de circulação.
Nem os acaris passaram por tanto aperto quanto ele naqueles dias de sufoco e exílio. Quando os ânimos acalmaram ele saiu da toca e manteve toda distancia de Niêta.
A Prefeitura de Ipiaú, logo no inicio da gestão de Miguel Coutinho, promoveu uma grande festa de micareta. Para que o evento obtivesse sucesso contratou alguns trios elétricos, artistas famosos e anunciou incentivo aos blocos, cordões e batucadas. Recursos financeiros seriam liberados para cada um deles. De olho na grana Deledel organizou “A Turma da Lazinha”.
Garantiu que o novo bloco concorreria à altura com a Turma do Funil, o Trem da Alegria e outras entidades tradicionais. Durante o período que antecedeu a folia ele promoveu uma intensa publicidade do bloco estreante. Todo dia estava na Rádio Educadora, Voz da Cidade e outros meios de comunicação. Pichou muros, distribuiu panfletos, caprichou no marketing e guardou segredo quanto às fantasias e o numero de participantes da turma.
A micareta aconteceu com muita animação. Os blocos se apresentaram em alto estilo. Cada um com centenas de foliões. Somente a Turma da Lazinha não aparecia. A pulação na maior expectativa, o pessoal da Prefeitura visivelmente impaciente. Dúvidas pairavam no ar, quando no último dia da folia, quase noite da terça-feira, Deledel botou o seu bloco na rua.
Vestido de branco, lembrando um pai de santo, com uma fita verde- amarela na cabeça, um galho de arruda na orelha, ladeado por três meninos (Boy, Ronnie Von e Digolino) que carregavam cartolinas e tendo na retaguarda a cachorra Faísca. Deledel subiu a ladeira dos Dez Quartos, desceu a Floriano Peixoto e adentrou na Praça Rui Barbosa, proclamando em alto e bom tom: “Del Silva tá na área. Ui,ui,ui, diga que ui… O séquito não teve os aplausos pretendidos, mas, em compensação as gargalhadas foram gerais. Em uma das cartolina estava escrito; “Turma da Lazinha”. Na outra o slogam: “ACARÍ, O RANGO DO FUTURO” e na terceira o agradecimento: “Este bloco tem o apoio da Prefeitura Municipal de Ipiaú”.
Não foi do que jeito que Deledel tinha anunciado nos meios de comunicação, mas também ele não deixou de honrar o compromisso com o município. Naquela altura da folia a grana do erário publico já estava devidamente desviada pra outras curtições. Cansado de viver em Ipiaú, Deledel mudou-se para Salvador. Lá conheceu uma hippie boliviana chamada “Charo” e conviveu com ela por um bom tempo. Moravam na ladeira da Preguiça e faziam constantes visitas à lendária Maria das Cobras, na encosta da Avenida do Contorno.
Depois de muita batalha Deledel conquistou um ponto próximo ao Elevador Lacerda, na cidade baixa, onde vendia fichas e cartões telefônicos. Ali, naquele pedaço, era conhecido pelo apelido de “Reggae”. Quando terminava o expediente Del transitava pelo Maciel, zoava no Pelourinho, curtia a Ladeira da Montanha, fazia presença na Misericórdia. De vez em quando dava uma esticada até a Praça da Piedade e exibia suas virtudes de poeta.
Ao encontrar alguém de Ipiaú, procurava saber das novidades da sua terra. Dizia que estava com saudades, mas não queria voltar. Uma noite lhe encontraram caído na calçada de um beco escuro. Agonizava e fixava o último olhar no prateado mar da Bahia.
De del em del, ao léu
De del em del, ao léu
Papel crepón, Babel
Torre de Rapunzel
Resolução rapel
Seu nome é Deledel
Seu nome é Deledel.
De lá, Dali, daqui!
Da Loca do Acari.
De longe se percebe
Nas Portas do Éden
Eva, Caim e Abel
Seu nome é Deledel
Macunaíma, Malasartes
Mais um herói sem caráter
Nessa parte do hemisfério.
Falando sério
Se o mistério da palavra
Fosse a pá que lavra a alma
Não seria assim ao léu.
Seu nome é Deledel.
De lá, daqui, de onde?
Dos becos underground.
Aos domingos, antes da sessão soirée no Cine Éden, a rapaziada se concentrava na Praça Rui Barbosa para paquerar, discutir futebol e ouvir piadas contadas por Patêca. No repertorio: aventuras ingênuas, conquistas gratuitas, trapalhadas do povo da roça, cinderelas desiludidas, dias de galã, caricaturas do cotidiano. Era ele o protagonista de cada caso. As empregadas domésticas caiam nas armadilhas dos seus galanteios que também impressionavam as moças da classe média e até beldades das elites.
Nos cortejos às ingênuas donzelas, Patêca apresentava-se como industrial, empresário, artista, ou simplesmente herdeiro de fortunas. Dizia ser filho de alguma autoridade, preferencialmente prefeitos, sobrinho do governador Lomanto Junior e amigo de celebridades artísticas. A uma turista carioca se passou como vizinho de Gal Costa e primo de Caetano Veloso.
Adotava o nome de Liedholm, jogador da Suécia que marcou o primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1958 contra a Seleção Brasileira. Prometia “mundos e fundos”. Nas cidades vizinhas também bancava o maioral, aplicava sua capacidade de convencer. O mesmo acontecia quando acompanhava a Seleção de Ipiaú nos jogos do Campeonato Intermunicipal em lugares mais distantes.
“Mirinho”, “Barata” e “Sossiveno”, atletas do Fluminense de Homero, time mais famoso de Itagibá, recebiam por seu intermédio fictícias propostas de grandes clubes nacionais. Prosperino W da Silva, primeiro prefeito de Barra do Rocha, não ficava fora das anedotas e o seu primo Zuti ganhava destaque de fiel escudeiro, parceiro nas inúmeras façanhas.
Charlatanices, invencionices, gargalhadas gerais, Patêca reinava absoluto naquelas noitadas da Praça Rui Barbosa. Era no tempo da Jovem Guarda. Roberto Carlos cantava: “Olha o Brucutu… A Ditadura Militar endurecia, caçava comunistas, estabelecia a censura, torturava rebeldes. Um agente das forças repressivas se passava pelo doido “Dor de Barriga”, e investigava tudo na cidade. A galera no jardim, em frente às portas do Éden, não se importava com nada disso, apenas queria rir. Patêca era o centro das atenções.
Segunda-feira de manhã ele já estava no balcão da Casa Vitória, propriedade do seu cunhado Nel Matos, atendendo a freguesia de secos e molhados. Enquanto trabalhava contava piadas. Dunga, João, Fontoura, Marialdo e outros mais chegados, entravam no elenco das suas personagens. Quando a coisa tava demais seu Nel dava uma bronca, mostrando que durante o expediente não se brinca.
Patêca trabalhou na Casa Vitoria por cerca de 50 anos. Nos períodos de férias viajava para rever parentes em São Paulo. Viu o rei Pelé jogar na Vila Belmiro e também assistiu aos espetáculos do fenomenal Mané Garrincha. Passeou de bonde, curtiu os agitos da “paulicéia desvairada”.
Observando Didi, um dos mais elegantes meio-campistas da história do futebol, aprendeu a técnica da “folha seca “que aplicava nos babas do Rio Novo Tênis Clube e no campinho ao lado da Maçonaria. Patêca torcia pelo Ipiaú Esporte Clube e não perdia um clássico contra o rival Independente. Ainda preserva a paixão pelo futebol torcendo pelo Bahia. Acredita que o “tricolor de aço” conquistará mais um titulo nacional.
Seguindo a tradição da família frequentava a 1ª Igreja Batista de Rio Novo, ficando atento às pregações do pastor Paulo. Não deixava de inventar alguma piada após o culto.
No famoso Circo Nerino, Patêca conheceu o palhaço Picolino que muito influenciou seu talento humorístico, e se encantou com Alicinha, destaque entre as estrelas do picadeiro. Observando a sua capacidade em inventar piadas o dono de outro circo chegou a lhe propor emprego. Patêca nasceu na Fazenda Monte Amor, município de Itagibá, sendo o mais velho dos seis filhos do agricultor Severiano Correia e sua esposa Jardelina. O casal lhe deu o nome de Samuel Correia. Ninguém sabe por qual motivo dona Jardelina colocou em seu primogênito o apelido que o celebrizou.
Um dia, na porta do cinema, Patêca conheceu Jailma Pires. A moça fez seu coração brincalhão bater de uma maneira diferente. Depois de um tempo de namoro aconteceu o casamento. Tiveram três filhos: Lorena, Laércio e Samuel Filho. Presepadas paternas foram herdadas pelos dois meninos. Há 30 anos a família vive unida e em paz numa modesta casa na Rua A do Bairro Constança, em Ipiaú. A situação não é melhor porque uma grave doença atingiu Patêca.
Aos 77 anos de idade ele luta contra um câncer de próstata que foi detectado há mais de uma década. A enfermidade lhe deixou fisicamente debilitado, alterou sua rotina de vida, mas não abalou seu bom humor. Quando chega ao Hospital Manoel Novaes, em Itabuna, para as sessões diárias de rádio e quimioterapia é recebido com alegria pelos demais pacientes. Chamam-lhe de “Samuca” e encontram nas suas piadas um bom motivo para elevar a auto-estima.
Médicos e enfermeiras reconhecem sua importância no processo de cura de toda a turma, inclusive dele próprio. As lastimas são anuladas pelas gargalhadas. Patêca conta piadas, mostra na simplicidade de sua alegria a voluntariedade de um espírito grandioso. Deus lhe abastece de amor, humor e esperança. *Por José Américo Castro
Ipiaú só teve futebol de respeito no tempo de Jaime Cobrinha! A frase, repetida por inúmeros desportistas que viveram a bela época do nosso esporte mais popular, indica a importância do personagem. Ele foi o mais abnegado dos dirigentes, o mais versátil dos “cartolas”, o garimpeiro dos grandes craques. Mais que a sutileza do réptil homônimo, Cobrinha tinha a astúcia das raposas, a habilidade das águias e o bom veneno das vitórias. Jamais jogou bola, porém definiu o destino de clubes, contribuiu para que a Seleção de Ipiaú ganhasse títulos no Campeonato Intermunicipal e até emprestou seu nome a uma importante honraria do município.
Jaime Araújo Andrade, nasceu em 3 de abril de 1927, na cidade de Jequié, no entanto desde criança tornou-se morador de Ipiaú. Seu pai chamava-se Geraldo Galvão de Andrade e sua mãe Judith Araújo Andrade.
O casal mantinham em casa, na Rua Borges de Barros, uma produção artesanal de fogos de artifício. Fabricavam foguetes, bombinhas, traques e cobrinhas. Destas veio o apelido de infância que lhe acompanhou pra sempre e ganhou mais autenticidade após um acidente de trabalho.
Ao cair de um poste enquanto exercia a função de “guarda fios” da companhia de Correios e Telégrafos, Jaime sofreu uma lesão na coluna vertebral que comprometeu o seu jeito de andar. Caminhava numa espécie de zig e zag, sempre de cabeça baixa. Devido a isso fizeram piadas em relação à sua pessoa. Supunham que estava constantemente embriagado, ou algo parecido. Mero engano, a aparência frágil escondia a fortaleza de um grande guerreiro.
Em 1959, Cobrinha idealizou o campeonato estudantil do Ginásio de Rio Novo e de lambuja conquistou o titulo do certame, treinando o time da Primeira Série. Foi o passo inicial de uma trajetória vitoriosa. Pouco tempo depois se via dirigente do poderoso Independente Esporte e Cultura. Exerceu o cargo de Diretor de Futebol com plenos poderes.
Os resultados dos jogos não só dependiam do bom desempenho dos atletas nos gramados, mas também das suas manobras nos bastidores. Bons tratos aos árbitros antes e depois das partidas, generosos brindes aos maiorais da Federação Baiana de Futebol, transito livre no Tribunal da Justiça Desportiva, facilitavam vitórias no “tapetão”. Garantir mandos de campo, transferências de atletas e reversões de profissionais para o amadorismo, nunca foram problemas pra ele, ainda mais porque a diretoria do Independente tinha cacife para bancar o famoso jeitinho brasileiro.
Cobrinha articulava tudo com a sua educação refinada. Amplo, geral e irrestrito, assim pode definir o bom relacionamento que adotava cotidianamente. Era mesmo um gentleman. Além de um cavalheiro, Jaime Cobrinha era um dos cartolas mais espertos da Bahia. Osório Villas Boas costumava dizer que só o nome não condizia com o seu currículo: “ele não é cobrinha, Jaime é um cascavel quando se trata dos times de Ipiaú”. Visando a formação de um bom elenco, Jaime percorria a Bahia garimpando craques.
Foi desse modo que trouxe para o futebol ipiauense atletas como Dilermando e Tanajura (de Paramirin), Maíca (de Jequié), Gino, Bidinho e Adilson Paredão (de Valença), Zé Plínio, Bocão e Bueirinho (de Feira de Santana), Jorge Campos (de Itororó), Gajé (de Ibicaraí), Davi(de Poções) e o lendário goleiro Betinho (de Ilhéus).
É vasto o folclore que envolve a figura de Jaime Cobrinha. Contam que nas vésperas dos jogos, principalmente os clássicos, ele ficava de plantão noturno na concentração do time para que os jogadores não escapulissem em busca de farras. Nesse encargo de sentinela avançada chegou a passar uma noite inteira sentado na escadaria de um hotel em Valença.
Quando o Independente ou a Seleção de Ipiaú chegava a alguma cidade e os moradores locais avistavam Jaime caminhando, após o desembarque do ônibus que conduzia a delegação, era habitual o comentário:
-Se o dono do time já está tropicando de bêbado, imaginem os jogadores-.
Em Ituberá, a proprietária de um hotel não deixou de repreendê-lo:
-O senhor deveria tomar vergonha. Embriagado desse jeito como pode dá bom exemplo aos atletas?
Após a primeira impressão percebiam que estavam julgando errado e pediam desculpas. Eram imediatamente perdoados. No coração de Jaime não cabia mágoas. A melhor resposta vinha, durante o jogo, com o Independente mostrando o seu valor, demolindo adversários, encantando plateias.
Um dia, Jaime Cobrinha recebeu uma proposta de trabalhar em Ubatã onde teria melhores condições no exercício da sua profissão de contador e ao mesmo tempo cumpriria a missão de soerguer o futebol local. O prefeito Almenizio Braga Lopes (MIL) lhe dava todas as garantias. O projeto experimentava o êxito desejado, mas foi interrompido no dia 22 de janeiro de 1987 quando ao atravessar a pista da BR-330, o astuto Jaime, aos 69 anos de idade, morreu atropelado por um veiculo que transitava em alta velocidade. Deixou a mulher Alice Santana Andrade, os filhos: Ana Maria, Jaiminho, Eliana, Maialú, Geraldo e Paulo César (Kaco) e uma incrível história de amor pelo futebol.
A Lei Municipal nº 2.215, de 25 de junho de 2015 criou , no âmbito da Câmara Municipal de Ipiaú, a Medalha do Mérito Desportivo Jaime Araújo de Andrade, a ser concedida a entidade ou cidadão que comprovadamente tenha prestado relevantes serviços em favor do desenvolvimento dos esportes neste município. A honraria decorre de um Projeto de Lei do vereador Adelfran Bacelar -PR- que assim confirma a tradição desta Câmara de “batizar”, suas medalhas com o nome de personalidades que sintetizam o espírito da homenagem. Jaime Cobrinha não ficou no esquecimento. (GIRO/José Américo Castro)
Ele foi exemplo de superação e competência profissional. A poliomielite lhe deixou paraplégico aos dois anos, mas não deteve a sua caminhada na vida. Movimentou-se como pôde na busca dos objetivos e encontrou na oratória a principal razão da sua história.
Nascido em Ilhéus, no dia 06 de junho de 1935, recebeu dos seus pais, Manoel Nonato e Egle Amaral, o nome de José Marques Amaral, porém ficou mais conhecido como “Zezito”. As cidades de Ubaitaba, Ubatã, Brasília e Ipiaú estiveram em seu caminho e ecoaram a potencia da sua voz, testemunharam o exercício da sua cidadania.
Zezito Amaral gerou três filhas (Nara, Sara e Jussiara), cultivou muitas amizades, formou discípulos, lutou pelos direitos dos deficientes físicos, tornou-se um grande desportista. Também se deu à boemia, conviveu com artistas, freqüentou cabarés, curtiu farras homéricas. Seu nome jamais será esquecido por aqueles que lhe conheceram e cultivam o sentimento da gratidão.
Ainda criança, aos dez anos de idade tornou-se morador de Ubaitaba. Para que isso acontecesse teve que viajar num trem de ferro, de Ilhéus até Aurelino Leal, e atravessar de canoa o Rio das Contas. A antiga Itapira lhe traria novas perspectivas de vida. Ali desfrutou os melhores momentos da infância: ingressou na escola da professora Alice de Magalhães, ganhou a primeira cadeira de rodas, doada por Petrônio Amorim, gerente da firma Correia Ribeiro, assistiu os primeiros filmes no Cine Lux, conseguiu o primeiro emprego, como auxiliar do agente de seguros Clodoaldo Santana (Coló), e também a oportunidade de falar pela primeira vez em um microfone. A “canja” foi proporcionada pelo locutor Raimundo, do Parque Estrela do Norte, cujo dono, Ângelo Nunes (“Mestre Anjo”) inauguraria, tempos depois , o famoso Parque Ouro Verde. Os venturosos dias da adolescência de Zezito também foram vivenciados em Ubaitaba.
O Serviço Social e Propagandista de Ubaitaba ficou desfalcado do locutor José Bessa Leite, baleado durante uma briga no cabaré de Deon, em Poirí (atual Aurelino Leal). Foi então que o jovem Zezito teve a chance de começar a exercer a profissão que tanto sonhava. De imediato provou seu talento criando uma programação diferente, com sessões de esporte, cultura, religião e noticiais em geral. É nesse período que estabelece amizade com o cantor e compositor Fernando Lona que se tornaria um ícone da cultura nacional a partir da conquista do primeiro lugar no Festival Nacional de Música Popular da TV Excelsior (SP) com a marcha rancho “Porta Estandarte”, em parceria com Geraldo Vandré. Entusiasta do futebol, Zezito Amaral engajou na diretoria do Grêmio Esportivo Almirante Barroso, o time dos canoeiros de Itapira, cujo maior rival era o Palmeiras de Poirí. Sua constante dinâmica permitiria realizar inúmeras outras façanhas na “Cidade das Canoas”.
Em março de 1958, Sandoval Alcântara, prefeito do recém emancipado município de Ubatã (antigo Dois irmãos), oferece boa proposta para Zezito assumir o serviço de alto falante desta cidade que então vivia a euforia da construção da Usina do Funil. Mais de mil homens trabalhavam na obra e muito dinheiro circulava no município. Gente de todos os quadrantes chegava até ali. Só de prostitutas eram cerca de 800, conforme atestou uma pesquisa feita, na época, pela Prefeitura Municipal e registrou o próprio Zezito num esboço da sua autobiografia. A Boate Copacabana era o ponto chic daquele momento de efervescência.
Zezito Amaral tornou-se muito querido em Ubatã. Estimulado pelo crescente carisma ele resolveu, no ano de 1962, ingressar na política local, buscando uma vaga na Câmara de Vereadores, pelo PTB. Os votos recebidos foram suficientes para lhe garantir uma suplência, entretanto em algumas ocasiões chegou a assumir, interinamente, a vaga do titular. O espírito desportista de Zezito também se manifestaria em Ubatã, onde junta-se a Androsil Silva, Geraldo Bahiana Machado, dentre outros cidadãos, para tornar o Botafogo um clube de muitos títulos. Em 1963 o Rio de Contas transbordou causando estragos nas cidades ribeirinhas, principalmente em Ubatã que foi parcialmente destruída pela grande enchente. Zezito compreendeu que era tempo de buscar novos rumos.
O sonho por melhores dias lhe conduziu até Brasília, onde se pagava o melhor salário do país. A longa viagem, em um caminhão pau de arara, durou cinco dias. Chegando ao Distrito Federal, Zezito Amaral busca contato com Waldir Pires, Consultor Geral da República, gente grande no governo do Presidente João Gulart (Jango), e consegue emprego na Rádio Educadora, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Aconteceu, naquele conturbado ano de 1964, o golpe militar que derrubou o governo de Jango, democraticamente eleito pelo povo brasileiro. Execuções, prisões, torturas, exílios, perseguições, foram consequências do arbítrio perpetrado pelos milicos que também puniram Zezito, tirando-lhe o emprego. O locutor não esmoreceu: buscou alternativas em São Paulo, mas não se adaptando à metrópole retorna à Ubatã, permanecendo outra temporada nesta cidade. A obra de construção da Usina do Funil tinha sido concluída e a euforia na economia local já não era a mesma. A necessidade impôs que Zezito Amaral continuasse caminhando.
Em 25 de setembro 1969 ele chega em Ipiaú. Instala a “Voz da Cidade”, reativando assim o serviço de alto falante que estava paralisado desde o fechamento da Voz de Rio Novo, empreendimento de Moacir Carvalho que tinha como locutor o vibrante Jota Hermano. Durante 34 anos, Zezito Amaral mostra seu valor prestando relevantes serviços à comunidade local. Acumulando a função de locutor com outras atividades sociais, Zezito se torna cada vez mais atuante: ingressa no Rotary Clube, molda-se ao perfil ipiauense, candidata-se a vereador pelo PDC, mostra seu espírito público, dá exemplos de cidadania. A sua paixão pelo futebol não deixaria de eclodir no Município Modelo. Organiza campeonatos, divulga eventos, promove espetáculos, dirige clubes.
Tanta contribuição lhe rendeu algumas homenagens, inclusive o nome de uma área de lazer e o da cabine de imprensa do Estádio Municipal. Na Rádio Educadora de Ipiaú realiza diariamente, das 14 às 17, um programa de variedades com grande audiência. No mesmo período lidera um movimento pela construção de rampas para cadeirantes e auxilia Dr. Roberto Nascimento, da Clinica São Roque, nas solenidades de doação de cadeiras de rodas às pessoas necessitadas. A entrega dos equipamentos acontecia, invariavelmente, no dia 16 de agosto, dedicado ao padroeiro da cidade. O vozeirão de Zezito Amaral tornou-se intimo da população que passou a lhe identificar pelo slogan: “O AMIGO DA CIDADE”.
Foi em Ipiaú que Zezito adquiriu sua primeira cadeira de rodas motorizada. Antes, ele sempre dependia de alguém para empurrar o veiculo. Quando era criança lhe conduziam num carrinho de mão, daqueles que antigamente utilizavam para carregos nas feiras livres. Depois foram as cadeiras de rodas convencionais, as quais eram empurradas por meninos contratados para o singular serviço. Alguns desses jovens absorveram os ensinos do inteligente cadeirante e se deram bem na vida.
O locutor Julio Souza, o mestre de capoeira Gideon Borges de Souza, hoje residente na Bélgica, o funcionário público Edvaldo de Souza Barreto, apelidado de “Fia Gasa”, o aposentado Humberto Barra e o jornalista Walmir Damasceno, dirigente do Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu, constam desse elenco. Eles ficavam de prontidão, aguardando Zezito onde quer que estivesse. Aos domingos, o locutor tomava suas cervejinhas: corria freguesias, contava causos, rememorava fatos e quando estava “molhado” despencava a cabeça para o lado, curtindo o avançado estado daquela onda etílica. Era então que auxiliar de plantão entendia que estava na hora de levar o homem pra casa.
Zezito Amaral morreu no dia 27 de janeiro de 2004, em Ipiaú, aos 69 anos de idade. O serviço de alto falante que implantou passou a ser explorado pelo musico Clóvis Reis com a denominação de “Voz da Cidade Zezito Amaral”. Pelo tanto que fez em beneficio de Ipiaú, Zezito Amaral é merecedor de muitas homenagens. Colocar seu nome em uma das ruas de Ipiaú é um dever das autoridades do município, afinal era ele. “O AMIGO DA CIDADE”. (Giro/José Américo Castro).
A magia do cinema lhe encantou desde criança. Em caixas de sapatos simulava projeções de imagens de revistas em quadrinhos e estampas do sabonete Eucalol. Viajava naquelas figuras lendárias. Também utilizava uma lanterna para projetar essas imagens desenhadas em uma tela de vidro e ampliadas por uma lente.
Foi batizado com nome de José de Assis Filho, mas prevaleceu o apelido de Dren, dado pelo médico radiologista José Maria Rodrigues durante um baba à beira rio. No ano de 1948 assistiu ao filme “A Grande Aventura” de Charlie Chaplin e apaixonou-se de vez pela “Sétima Arte”.
O Cine Éden que originalmente funcionava no armazém do italiano José Miraglia, na Praça Rui Barbosa, tornou-se a principal motivação da sua juventude. Em 1954, o cinema já estava instalado em novo prédio e Dren arranjou um emprego por lá.
Aperfeiçoou-se naquilo que mais gostava: Remendar as fitas, pintar cartazes, cuidar da bilheteria, operar a máquina de projeção, organizar a sala, enfim, realizar todas as tarefas que lhe permitissem manter-se no ambiente de trabalho. Diz que aprendeu tudo isso com “Leto”, um sujeito de estatura alta e magricela, cujo tino artístico acentuava-se à proporção em que se embriagava.
Os filmes de Tarzan, com o ator Johnny Weissmullhe, atraiam grande público, enquanto a produção nacional procurava se firmar com as chanchadas de Oscarito, Ankito e Grande Otelo. Vieram os épicos, os faroestes… Dren assistindo tudo, tirando proveito, até chegar o tempo (1964) de adquirir um projetor de 16 mm e iniciar sua grande aventura. Realizava sessões no auditório do Ginásio de Rio Novo e outros locais da região.
Em seu carro de som percorria os arruados anunciado a atração da noite. Os anúncios às vezes eram mais vibrantes do que a película em cartaz. Dele dizia o patriarca Jorge Cunha: ”Esse rapaz nasceu pra fazer zoada”. A resposta do barulhento marketing era sempre animadora: casa cheia, bilheteria com boa arrecadação, lucro.
Dren levava o cinema aonde somente os pequenos circos tinham ido. Ibitupã, Tapirama, Itaibó, Itajurú, Santa Terezinha, Algodão… Povoados em êxtase com aquela novidade. A fixação era tanta que confundiam a ficção com a realidade e até interferiam na cena. Xingavam o vilão, ameaçavam de arma em punho, queriam invadir a tela.
Às quintas feiras, Dren exibia seus filmes na Fazenda São José, de José Hagge Midlej. Lá, por recomendação do proprietário, os homens sentavam à direita e mulheres à esquerda. Zé Hagge entendia que “prevenir era melhor que remediar”.
“Cine Bufa”
No ano de 1969, Dren inaugura na Rua Castro Alves, em um antigo armazém de cacau, uma sala com o seu próprio nome. O CINE DREN roubou do Cine Éden o público mais vibrante e ganhou, por motivos óbvios, o honroso apelido de “Cine Bufa”. Não tinha sanitários, o mobiliário era constituído por grotescos bancos e tamboretes, a ventilação muito deficiente e a esculhambação generalizada.
O calor excessivo permitia que a plateia tirasse a camisa enquanto assistia ao filme. No meio da projeção costumava-se ouvir: -Ô Dren, eu quero mijar! Ou então: -Bufaram aqui, tá um fedor retado!. Dren respondia aos gritos:-“Tapa o nariz, aperta o rabo, porque se eu for lá é pra enrolhar o toba de um”. Quando a coisa chegava às raias do insuportável, ele interrompia a projeção e saia cheirando o cangote de cada cinéfilo. Aos cascudos, o principal suspeito era expulso do recinto. Na troca de carretel, a turma podia ir até o terreno baldio no fundos do prédio pra fazer necessidades fisiológicas. Alguns voltavam com os pés melados de bosta e aí era que a coisa fedia mesmo.
O Cine Dren tinha sessões à tarde, à noite e quase de madrugada. Na última sessão eram projetados os chamados filmes de putaria. Foram eles que motivaram uma intimação do delegado de policia ao proprietário da sala. A queixa foi prestada pelas freiras do Instituto Sagrada Família, que moravam na vizinhança do cinema. Elas estavam incomodadas com os chiados indecentes dos atores em cena e com as frases ditas em voz alta pela plateia. As mais moderadas eram do tipo: ”vai sacaninha…”
A Volta de Tarzan
Alguns filmes ficavam em cartaz durante semanas. Um exemplo disso foi “Tarzan: O Rei das Selvas”. De tanto assistir a fita, um garoto decorou a cena. O herói estava sendo perseguido por índios bravos quando no auge do suspense o assistente gritou: “Tarzan ô Tarzan. O personagem dá uma paradinha, volta a cabeça e, no close hollywoodiano, olha em direção à platéia. Satisfeito com a atenção dispensada, o rapaz emenda: Não é nada não Tarzan, se manda porque os índios tão quase te pegando”.
Nessa mesma época o Rio de Contas encheu a ponto de cobrir a ponte próxima ao “Areião do Arara” , na via de acesso a Jequié, cidade onde se buscava novos filmes. Sem alternativa Dren anunciou no carro de som que aconteceria a espetacular estréia de “A Volta de Tarzan”. Não deu outra: casa cheia, filas para a segunda sessão, gente querendo entrar de qualquer jeito.
Descoberta a farsa, as reclamações foram imediatas e a explicação também: “Vocês entenderam errado, eu queria dizer que o mesmo filme estava de volta”. O advogado e pesquisador Paulo Andrade Magalhães lembra que “além de exercer sozinho quase todas as atividades no âmbito do cinema, Dren também era dotado de uma prodigiosa criatividade. No próprio ingresso esclarecia, implicitamente, ao espectador, de que ali não se tratava de uma sala comum e sim do “Palácio dos Bons Filmes”, patrimônio dos municípios de Ipiaú, Ibirataia, Itagí e Jitaúna.
Apostador
Parte do dinheiro que ganhava com o cinema, Dren perdia em apostas. Optava sempre pela “zebra”, dava vantagens absurdas, mas quando acertava tirava o maior sarro. Jogando futebol no Estádio Pedro Caetano, pelo Vasco da Avenida, recebeu o apelido de “Tupanzinho”. Um dia fez um gol de bicicleta. Em homenagem à façanha, mandou pintar em sua lambreta a figura de um atleta realizando a famosa jogada inventada por Leônidas da Silva. A zoada que fazia no carro de som, o homem do cinema repetia no salão da sinuca. Ficaram famosos seus embates com Jorge Montanha, Fran, Bita, Chopp, Luis Barão e Miguel Tannus. Achava-se o bamba do taco, mas nem sempre encaçapava a bola da vez.
The End
O filão do Cine Teatro Eden foi explorado por diversos empresários, no entanto, por ironia do destino, coube a Dren ser o último deles. Alugou a sala na segunda metade dos anos 70 e resistiu até março de 1984. Tentava vencer a concorrência da televisão em cores, exibindo filmes de artes marciais e pornografias, mas não suportou aos aumentos sucessivos do custo do aluguel do prédio. Entregou as chaves, chorou. Lágrimas de despedida, saudades eternas. Fecharam as portas o Edén, encerrou-se uma importante época da cultura ipiauense.
Dren ( O Último dos Moicanos), mudou de ramo. Hoje revende alimentos industrializados aos supermercados e mercearias da região. Percorre os mesmos caminhos que fazia com o seu cinema mambembe. Encontra velhos cinéfilos, recorda antigas façanhas e assegura com pureza d’alma: “Aquele foi o melhor tempo da minha vida”. (Giro/José Américo da Matta Castro).
Ele estava para a Cantina do ABC, em Ipiaú, do mesmo jeito que Clarindo Silva esteve para a Cantina da Lua, no centro histórico de Salvador. Paulo César Rocha Sá, o popular “Cesão de Alfredo”, tornou seu estabelecimento comercial, no Alto da Prefeitura, num bar tão pulsante quanto o famoso point do Terreiro de Jesus, guardando as devidas proporções, é claro. A denominação original foi em homenagem à antiga Rua do ABC, atual Rua Tomé de Souza, onde a cantina estava localizada. Ocorreu que alguns dos seus criativos frequentadores, no auge da empolgação etílica, apressaram em dizer que a sigla tinha outro significado: “Aprenda Beber Cachaça”. Prevaleceu esta hipótese.
A Cantina do ABC era um cubículo pouco ventilado, sem conforto material e muito disputado por intelectuais, artistas, políticos, atletas, boêmios e vagabundos. Durou quase uma década, tempo suficiente para contribuir com a grande efervescência cultural que o “Município Modelo” experimentava naquela época de reflexos tropicalistas. Foi inaugurada no Dia de Finados, 02 de novembro de 1975 e fechou suas portas em abril de 1982.
Dali surgiram músicas, poesias, movimentos, candidaturas, articulações, jogos, fofocas, piadas, coisas que marcaram a cidade e ganharam destaque na historia local. A vida dos outros nunca deixou de ser poupada. Cesão assistia a tudo em fiel cumplicidade. Opinava, incentiva e às vezes se ‘retava’ com os bebuns mais inconvenientes, ou quando algum atiçado maconheiro acendia um baseado , barrufando o ambiente inteiro.